A delegação portuguesa àquela reunião internacional, num país africano, ficara reduzida a dois elementos - eu e uma colega. Não obstante os trabalhos prosseguirem por mais dois dias, os restantes quatro elementos tinham partido, de regresso a Lisboa, porque havia eleições no dia seguinte. Pensando bem, tenho a sensação de que, se tivessem ficado, o equilíbrio eleitoral ter-se-ia mantido. E eu desisti de ir, por sabia que a minha opção nesse sufrágio ia sair derrotada, com ou sem o meu voto. Uma demissão cívica pouco defensável, confesso.
Fomos ambos jantar onde era possível, naquela cidade algo inóspita, num país que o não era menos. Depois de darmos uma olhada à discoteca do hotel, cheia de delegados à conferência, regressámos aos quartos, um ao lado do outro. Despedimo-nos. Quando entrei no meu quarto, verifiquei que havia um nele um envelope, da organização da conferência, que era destinado à minha colega. Bati à porta do seu quarto e entreguei-lho. Nesse instante, a porta do meu quarto fechou-se. Comigo fora, com a chave lá dentro.
Do quarto da minha colega, liguei à portaria do hotel, para alguém trazer a chave-mestra, que abre todos os quartos. Notei uma incomodidade do outro lado da linha. O "responsável", única pessoa com essa chave, saíra, não se sabia por quanto tempo. "E levou a chave-mestra consigo?", indaguei. Assim era.
A situação não era muito confortável. Eu estava "despejado" do meu quarto e não tinha onde dormir, se acaso a chave-mestra não aparecesse. Mas não nos passava pela cabeça que não aparecesse, claro. Fomos conversando, eu ia ligando à portaria, por duas ou três vezes passei por lá. Mas nada. O homem nunca mais regressava. Já passava bastante para além da meia-noite. Eu já não tinha "cara" para olhar para a minha colega, que via a televisão local, a fazer horas. E eu por ali ia estando, sem graça...
Até que, lá para as duas da manhã, bateram à porta. Era a chave-mestra! E lá fomos dormir, cada um no seu quarto. A minha colega, nos dias de hoje, confessa que chegou a pensar "fazer-me" a cama na banheira ou no chão do largo armário...
Há vários anos que, divertidos, ambos costumamos contar este episódio - que passou a chamar-se a "história da chave-mestra" - às respetivas famílias e amigos, com alguns a mostrarem-se menos crédulos com a precisão deste relato dos factos, às vezes com comentários mais provocatórios, sugerindo que eu, no fundo, estava, nem mais nem menos, que a "fazer a folha" a essa minha colega...
Ora bem: as coisas passaram-se como se passaram. Porquê? Porque se não se tivessem passado assim, seguramente que nunca tínhamos contado a história. Não é?
8 comentários:
A chave mestra da diplomacia...
A quanto obriga.
O cavalheirismo feminino deixa-me sempre comovido.
Presume-se que os quartos ainda eram mesmo singles.
Senhor Embaixador,
Não tenho qualquer motivo para não acreditar na sua palavra mas não resisto a comentar a sua última frase:
"Ora bem: as coisas passaram-se como se passaram. Porquê? Porque se não se tivessem passado assim, seguramente que nunca tínhamos contado a história. Não é?"
Não, não é ... já que "com verdade enganas" é adágio antigo que o nosso povo consagrou ... E consagrado pelo nosso povo estou certo que, nem que seja apenas por dever profissional, o mesmo defende.
Nuno 361111
Nem sempre Embaixador, nem sempre...
Longe de mim levantar alguma dúvida à sua história.
Mas, muitas vezes - vá lá, algumas vezes -, contar sempre a história do mesmo modo, acaba por lhe conferir uma aureola que nem sempre teve!
Isto dizem-me os especialistas...
A história é bem engraçada de caricata face á nossa cultura instituida.
Mas hoje, principalmente no ambiente estudantil é normalissimo morarem rapazes e raparigas juntos dissociando muito bem a tipologia de relacionamento que os une.
Além de que dormir na banheira não deve ser mau de todo.
O número da porta se fosse mesmo esse: 104 ficávamos já a saber que a "estória" não se passou em Xangai, Cantão, Hongkong ou Macau. O número 4 não existe fisicamente nos hotéis daqueles lados. Geralmente nesse andar colocam serviços ou a boite. O son do andar [sei] nem se costuma pronunciar a não ser numa enumeração de um a dez. Não se aceita o 4, no fim de um número de telefone ou para a matrícula do automóvel. Muito menos para as portas de um bom hotel! Isso foi noutro continente.
A "estória" foi mesmo assim, que eu sei...........
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