domingo, setembro 16, 2012

Encontros

São duas curtas cenas que se ligam.

A primeira passou-se em Arusha, na Tanzânia, durante uma reunião da então SADCC, em 1988. A delegação portuguesa não tinha conseguido arranjar quartos individuais para toda a gente, pelo que eu partilhava um deles com o meu colega João Salgueiro. A certa altura da madrugada, o João acordou-me, chamando a atenção para uma gritaria no corredor do hotel. Era a voz de um homem que insultava uma mulher, a qual lhe respondia num nível idêntico de linguagem. A curiosidade é que a "conversa" era... em português! Abri a porta do quarto e vi passar uma mulher negra, lindíssima, completamente nua, com umas peças de roupa na mão, saída do presumível dissídio num quarto vizinho. Perguntei-lhe: "Precisa de ajuda?" Ela olhou-me com uma cara angustiada, respondeu com um "não" quase impercetível e desapareceu, a correr, na esquina do corredor. Era, com toda a certeza, da delegação de um país de expressão portuguesa. No dia seguinte, porém, não a descortinei em nenhuma dessas delegações.

Decorreram alguns meses. Uma outra deslocação, desta vez para uma reunião da Convenção de Lomé, agora na ilha Maurícia. Num corredor de acesso à sala da sessão, encontro jubiloso com a delegação de um país de língua portuguesa, com troca amigável de abraços entre os dois membros do governo e cumprimentos entre os restantes delegados. Numa dessas saudações, deparo com o sorriso tímido de uma delegada, que me disse, baixo: "Olá, como vai?". A cena foi rápida, mas o tempo suficiente para eu perceber que se tratava a minha "conhecida" de Arusha. Os nossos colegas lusófonos afastaram-se mas o Duarte de Jusus, que estava ao meu lado e ouvira a saudação da delegada, comentou: "Era muito bonita! Você conhecia-a?". O António Dias e o José Manuel Correia Pinto costumam citar a minha exclamação, que provocou gargalhadas em toda a nossa delegação, mas de que hoje, confesso, me arrependo: "Eu já vi esta mulher nua!". E na passada contei, também um tanto impudentemente, a cena de Arusha. Na altura, o Duarte de Jesus, que é um homem sempre sereno, manifestou apenas a sua surpresa por eu me recordar de uma pessoa que vira só durante alguns segundos. Gostaria de ter tido o génio de lhe responder: "Eu nunca esqueço uma cara..." 

25 comentários:

Anónimo disse...

Como diria a Helena Sacadura Cabral - Ó Senhor Embaixador, a sua fotografia é o máximo...

Anónimo disse...

Fotografia e texto i/encontronáveis...

margarida disse...

"Ela olhou-me com uma cara angustiada"
Nunca esquecemos caras angustiadas.
Mas, às vezes, devíamos.

Isabel Seixas disse...

"Precisa de ajuda?" in FSC

Presumo para ajudar a vestir...

Anónimo disse...

A superstição estava fora de causa mas, mesmo assim, logo se viu aquela média de 13 subir e, decerto, os responsos também não pararam até ontem à meia noite...
Seja como for temos texto e já não importa o enigma.
Sobre este texto, a "gritaria no corredor do hôtel" naquela madrugada era em portugues de Lisboa, das Beiras, ou do Norte? É que há diferenças notáveis...
José Barros

patricio branco disse...

bom texto, saborosa historia. oportuno e simpatico o precisa de ajuda? do 1º encontro. afinal as pessoas não se esquecem de quem as quiz ajudar.

Anónimo disse...

Não são admissíveis estas dificuldades em instalar delegações com tanta responsabilidade!...
Depois dá nisto: Em geral ficamos com alguém que não é do nosso agrado e, ou aguentamos, ou mandamos o “estorvo” para a rua sem qualquer indumentária. Mas o pior é pensar como vão chegar a acordo na mesa de negociações, se não o conseguiram no quarto… enquanto dormiam…
Quanto à genial tirada de não se esquecer de uma cara, para o comum dos mortais, é mesmo genial, porque, à vista de uma obra de arte tão deslumbrante, os “pormenores”, são mesmo “pormenores”…

Anónimo disse...

Genial a foto

CSC

ARD disse...

Arrependimento? Não há razão .

Helena Sacadura Cabral disse...

Ó Senhor Embaixador, a sua foto é ... muitíssimo sugestiva! São volutas sobre volutas num entrelaçamento quase gótico ( hoje estou inspirada!) que simbolizam decerto "o momento" descrito no post.
Mas, Senhor Embaixador, ser reconhecido, tantos anos passados, deve ter deixado esse ego muito em cima.

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Dra. Helena Sacadura Cabral: fui "reconhecido", não ao final de alguns anos, mas apenas alguns meses mais tarde. A memória, por isso, estava "fresca"...

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro ARD: e você lembra-se da jovem?

C.e.C disse...

Srº Embaixador, é caso para dizer: "Quem vê caras, não vê..." - ... e daí, melhor não dizer.

Anónimo disse...

A querida Drª Helena SC adiantou-se; de facto, o título e a imagem que o acompanha é qualquer coisa de fabuloso.
De resto, só o género masculino pode contar estas histórias em público. Imagino que uma Senhora Embaixadora nunca contaria que viu um cavalheiro de uma delegação sem roupa e muito menos a perguntar se precisava de ajuda.
Sabe, Senhor Embaixador, que essa diferença me encanta? É bom conhecer histórias "só de homens"!

Maria Helena

Anónimo disse...

Será que os outros diplomatas não têm experiências profissionais e pessoais tão ricas como as do Senhor Embaixador? Ou não sabem olhar a vida como o Senhor a olha? Esta dúvida vem comigo há muitos meses em queo leio por aqui.

AAP

Anónimo disse...

Com interesse registe-se que há diplomatas lindíssimas nos países lusófonos, nada de novo pelo menos para mim.

Há também na diplomacia portuguesa quem se ofereça para socorrer jovens donzelas (talvez não tão donzela e provavelmente já não jovem)...

Depois ... porque o que merecia não ser referido foi já objecto do correspondente "mea culpa", que enobrece.

Registe-se também a extraordinária memória visual do Senhor Embaixador, que para sempre reteve o que apenas o próprio saberá dizer.

Nuno 361111

ARD disse...

Meu caro, eu nunca esqueço uma cara.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro ARD: parabéns, porque
a genialidade é rara.

Anónimo disse...

Do Rei vai nu da história, passou-se ultimamente e rapidamente para o Príncipe nu, na sin city, de taco na mão, seguindo para a futura rainha de peitos ao léu e, agora, a diplomata percorrendo o corredor do hotel de sapatos e roupa na mão. Quanto mais alta é a sociedade menos roupa é necessária… (o que não é bom para a economia).
Entretanto o país parece estar a “dar o berro”. Será que este entretém tem alguma coisa de semelhante com o episódio da banda do titanic?...

Anónimo disse...

a isto chama-se visão do "estado"...

abraço,
PSx

Helena Sacadura Cabral disse...

Ó Senhor Embaixador ler estes comentários dá-me esperanças em Portugal.
Já viu, de sexta feira para cá, as deliciosas "interpretações" que os seus leitores foram tecendo sobre aquilo que "nós pensamos que quis dizer", sem que da sua diplomática pena tenham saído quaisquer afirmações?
Só há algo que mata mais que o humor. É a subtileza. De ambos tem para dar e vender. Por isso o aprecio tanto!

Helena Oneto disse...

O choque emocional deve ter sido consideravel para que o jovem diplomata, como bom português, se “descaia” em publico e, passados mais de 20 anos, ilustre, à merveille, a sensualidade de um encontro fortuito... e fico-me por aqui porque as minhas homonimas e outras comentadoras ja o disseram melhor que eu:)!

Anónimo disse...

Não entendo porque razão o Senhor Embaixador falou na sua imprudência, se as pessoas já se tinham afastado. Pode ter sido inconveniente, mas não imprudente.

Anónimo disse...

...E, aos costumes (diplomáticos), a velha rimalhadeira disse:

clamar que viu mulher nua
ó meu jovem por favor
mesmo até se for a sua
tal não é de embaixador

que não vai gritar na rua
tudo o que sabe e se prende
co'a verdade nua e crua
inda bem que se arrepende

sempre a luta continua
nem a verdade se rende
nem só clamar é dizer

bom diplomata insinua
e mui discreto contende
contra quem nos quer … lixar*

*ps
é o que tem vindo a fazer

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Anónimo das 10.14: eu disse que fui "impudente", não "imprudente".

BOAS FESTAS!

  A todos quantos por aqui passam deixo os meus votos de Festas Felizes.  Que a vida lhes sorria e seja, tanto quanto possível, aquilo que i...