Ontem, foi o primeiro dia do ano letivo francês. O novo ministro da Educação nacional (sim, em França é "nacional") indicou pretender introduzir, futuramente, no ensino que é ministrado nas escolas, algumas normas de "moral republicana".
(Antes que entrem na praça os próceres monárquicos, convém que, pela enésima vez, fique claro que, em França, o termo "republicano" nada tem de oponível a "monárquico" ou "royaliste", sendo apenas um simples significado para ética de cidadania. Mas não tenho demasiadas esperanças de que esta explicação trave, em absoluto, a saída à liça da nossa rapaziada das coroas).
A esquerda não é muito useira neste tipo de iniciativas, temerosa, como sempre está, de que elas possam ser confundidas com algum tipo de moralismo autoritário e até fascizante. Por essa razão, logo se viram setores dessa mesma esquerda, mesmo alguns que apoiam o governo, a achar a ideia puramente reacionária. E, mesmo da direita, que, em princípio, deveria ser mais aberta a este tipo de iniciativas, vieram muitas objeções, quando a lógica apontaria para que essa fosse parte da sua agenda natural. Porquê? Porque ambos os campos críticos consideram ser difícil consensualizar princípios que possam ser assumidos como incontestáveis - como se as decisões governamentais tivessem de passar por uma espécie de referendo unanimista, antes de serem postas em prática. E temem que a classe docente não esteja disponível para implementar uma tal iniciativa E, porque não é possível todos estarem de acordo, então, para alguns, o melhor é persistir no status quo, belo nome latino para nada fazer. É sempre assim...
É muito triste que, nos dias de hoje, a relativização dos princípios não permita que a sociedade acorde num conjunto de regras básicas de comportamento, desde a civilidade à ética social mais elementar, que seja possível manter alheias às lutas político-ideológicas. Mas talvez as coisas tenham de ser mesmo desta forma. Talvez, de facto, seja pouco consensual ensinar aos jovens que a competição não significa a prevalência lei do mais forte, que a igualdade de oportunidades é o contrário da legitimação da "cunha", que não "vale tudo" na vida do dia-a-dia, que é natural que não façamos aos outros aquilo que não gostamos que nos façam a nós. Mas será que os "paizinhos" recomendam isto? E se eles o não fazem e casa, poderão ser os professores fazê-lo?
Nesta "guerra", só me resta desejar muito boa sorte ao novo ministro francês. O qual dá mostras de querer seguir os princípios do saudável igualitarismo laico de Jules Ferry*, mas que, nas últimas horas, já foi acusado de repetir o marechal Pétain - não o herói da 1ª grande guerra, mas o colaboracionista-mor durante a 2ª grande guerra. Não deve ser nada fácil ser ministro da Educação.
* É claro que era Jules Ferry e não Luc Ferry. Lapsos de quem se distrai muito com a atualidade. A propósito: Luc Ferry mostrou-se de acordo com estas ideias do ministro da Educação, de quem foi antecessor.
* É claro que era Jules Ferry e não Luc Ferry. Lapsos de quem se distrai muito com a atualidade. A propósito: Luc Ferry mostrou-se de acordo com estas ideias do ministro da Educação, de quem foi antecessor.
25 comentários:
Sem dúvida Sr.embaixador,partilho a sua opinião face à necessidade de educar para a civilidade e respetiva aquisição de comportamentos que promovam a cidadania.
Lembro-me é também sempre de Paulo Freire
"A educação não se faz de A para B, mas de A com B mediatizados
pelo mundo."
E os Modelos determinantes na aprendizagem efetiva nem sempre ostentam autoridade moral no capitulo da congruência do processo ensino aprendizagem pelo exemplo...
De qualquer forma a família e a Escola são agentes insubstituiveis na promoção da educação e o esforço é de louvar até para promover a esperança.
Espero que acione também estratégias criativas,adequadas e subtis capazes de fazer o efeito "Moral" desejado.
Aguardarei expectante a operacionalização desse programa...
Concordo ó se concordo que não vai ser fácil...
Em tempos li que os alunos franceses estavam novamente obrigados a levantarem-se à entrada do professor e a cumprimentarem-no em uníssono.
Confirma-se?
Excelente reflexão, carissimo Embaixador!
Pelo que tenho lido, pareceu-me que a discordância não é tanto sobre a necessidade de ensinar na escola regras de comportamento cívico, onde vejo toda a gente de acordo, antes sobre a pertinência de entrar no campo delicado e subjetivo da ética e dos valores.Claro que o próprio civismo comporta um plano ético e axiológico - mas é uma regulamentação do nosso ser social, do nosso intercâmbio com os outros, não pretende ditar sentidos para a vida. Está aí a diferença.
Cordialmente
a) Alcipe
"(...)Mas não tenho demasiadas esperanças de que esta explicação trave, em absoluto, a saída à liça da nossa rapaziada das coroas(...)"
Acertou Senhor Embaixador, cá estou eu.
Apenas para lhe dizer que a "ética" Republicana Francesa é muito diferente da Portuguesa.
A nossa de "ética" tem muito pouco.
Um abraço
Ó Senhor Embaixador, esta tirada intelectual do senhor Alcipe, para impressionar a plateia, veio toda da leitura que ele fez ao pequeno almoço de hoje do "Libération", esse jornal esquerdalho a armar ao fino. Não se deixe levar...
a) Feliciano da Mata, censor de costumes e defensor da moral
Qual tirada do Senhor Alcipe? Eu não disse nada... Que se passa?
Bom dia Sr Embaixador , parece-me que queria falar Jules Ferry.Alexandra
Concordo plenamente com a análise. A escola deve ter um papel na capacitação cívica das pessoas/cidadãos, transmitindo-lhes os valores éticos elementares (que são consensuais, que diabo!).
bom texto para publicar em jornal na secção dos artigos de opinião
100% de acordo.
É verdade que a esquerda é sempre timorata nestas iniciativas.
É verdade que estas normas são essenciais (noto, nos meus alunos, uma progressiva tendência para o vale tudo e para o salve-se quem puder). Até porque elas se aliam à necessidade de promover o debate e de fomentar o empenhamento cívico e político.
Em Portugal houve, em tempos recentes, uma disciplina de "Formação Cívica". Aquilo não foi levado a sério e rapidamente desapareceu.
Uma nota final: o nosso Ministério da Educação já foi Nacional. Até 1974, como decerto se recorda.
Como gostei de encontrar alguém que, do alto do seu coturno, pôde afirmar que à Escola Portuguesa (e à Família, ou será o contrário?) falta, desde há anos, rumo e ser.
Como gostaria de ver alguém, mesmo que hoje de havaianas calçadas, ter a coragem de instituir as batas e uniformes escolares para proceder à igualização do menino zezinho com o menino roquezinho (ou qualquer outro nome mais "plutocrático"), como gostaria de ver instituído verdadeiros exames da quarta classe, no 6.º, 9.º e 12.º anos, como gostaria de ver o menino zezinho com acesso gratuito aos materiais de estudo que lhe permitisse ombrear com todos outros, como gostaria de ver manuais e sebentas com duração superior a 5 anos, como gostaria de ver os roquezinhos do ensino particular e cooperativo a terem o mesmo grau de exigência na atribuição de notas e médias, por fim, como gostaria de ver os zezinhos e roquezinhos que preferissem outros caminhos, que não o da exigência, a serem gentilmente “empurrados” para a descoberta de um ofício …, ah… como gostaria que a escola fosse Escola de conhecimento e cidadania.
Mas temo que a escola, sem ninguém com a coragem de romper com arquétipos abrilistas, continue a ser a fábrica de meninos e meninas sem rumo nem futuro e palco de permanentes discussões políticas estéreis.
Nesta terra de homens há muitos Mozarts que assassinamos na escola.
Bem-haja Senhor Embaixador,
Nuno 361111
Pois é..... mas temo que tudo isto termine como as aulas de "religião e moral" de antigamente. Também não se deve esquecer que os primeiros preceitos morais são aprendidos em casa pelos exemplos dados pelos familiares. Depois se na escola ensinam moral republicana e os alunos verificam que tudo não passa de teorias e que na prática ninguém segue essa moral..... será mesmo o que se passou com a "religião e moral" de antigamente: o descrédito. Espero não ser catalogado como reaccionário ou mesmo monárquico por isto. Mas... eu não sei.
Na tal aula de relegião e moral, que me lembre, aprendi:
Respeitar pai e mãe; não matar, não roubar, não cobiçar a mulher do próximo (difícil); e mais não me lembro o quê mas, estou certo, pratico instintivamente. Faz muita falta que não se meta na cabeça das crianças coisas óbvias!
João Vieira
Um "republicano" indígena, interpelado a propósito de uma muscambilha, retorquiu, altaneiro, que "a ética republicana" e' "o que esta' na lei".
O homem já tinha subido na vida aplicando peculiares interpretações da lei e, ainda hoje, e' um "orgulhoso republicano".
Senhor Embaixador
Hoje as coroas já só são euros, excepto algumas nórdicas, que ainda existam no colchão.
Percebo o que diz no seu texto, mas não sou indiferente ao comentário de Alcipe ( parece que estou a ficar com tiques diplomáticos..), porque tenho sempre muito medo da legislação sobre o "ser", porque a que regula o "ter" só dá dores de cabeça. Enfim, tudo depende do que se faz com as coisas.
Eu tive aulas de Organização Política e fiz exames de quarta classe, admissão ao liceu, exame de 2º, 5º e 7º anos, que me foram úteis. Hoje entende-se que isto é uma sobrecarga...
Que fazer? Quem está certo?
Caro José Thomaz de Mello Breyner: o que eu quis dizer, pelos vistos uma vez mais sem sucesso, é que quando, em França, se fala de ética ou moral republicana ninguém se lembra das cabeças que rolaram na Concórdia. O conceito é, em absoluto, independente do regime e significa aqui apenas ética de cidadania. Mas já percebi que esta é uma "guerra" perdida: entre nós, este tipo de conversa acaba sempre entre a esquina da rua do Arsenal e a Rotunda.
Senhor Embaixador, vou dizer uma coisa horrível de ser escrita, dita ou pensada, mas quando alguém utiliza como ferramenta argumentativa o facto de ser "pessoa muito ética" fico logo alerta e com as defesas todas a funcionar.
É que com todos os com quem me cruzei e são exemplos para mim ou mesmo referências, nunca as ouvi argumentar utilizando o vocábulo "ética".
Maria Helena
Confirma-se sim Catinga !
Dou-lhe o exemplo dos meus 3 filhos em niveis de ensino diferentes - primaire, collège e lycée - frequentam todos escolas publicas :
Clara : 7 anos, CE1 (equivale à 2classe)
De manha poem-se em fila no patio da escola, 2 a 2, dirigem-se para a sala de aula, entram e ficam de pé ao lado da respectiva carteira. O professor entra em ultimo lugar e so quando o professor lhes da os bons-dias e autorização é que se sentam.
Também se levantam quando o director da escola por algum motivo entra na sala.
Eu como presidente da associação de pais se necessito de entrar numa sala de aula para dar uma informaçao à classe...nao tenho direito a que se levantem...mas tenho direito a um unissono BONJOUR MADAME !
No fim do dia quando deixam a sala para sairem da escola fazem-no como de manha, sem correrias nem estardalhaço (a minha mae diz que lhes faz lembrar as comitivas olímpicas quando entram no estádio olímpico : )))
A Clara explicou-me ontem no regresso do primeiro dia de aulas do ano lectivo que "il y a des régles dans la classe", como por ex. levantar o braço e pedir para "prendre la parole" etc, etc
A Inês, 12 anos, 5ème (antigo 7ano de escolaridade).
É neste momento delegada da turma "en intérim" até às eleições que vao decorrer em meados de outubro. Tem à sua responsabilidade ir buscar e levar o Livro da Classe (pauta, sumários, anotações) entre o Conselheiro Principal de Educação e o professor hora em questão.
Durante os 4 anos do Collège os alunos têm uma nota de Vida Escolar (essa nota é dada tendo como base as relaçoes dos alunos, com os professores, com a administraçao da escola (desde a directora até aos porteiros) e entre os proprios colegas)
O Raphaël, 16 anos, 1ère área cientifica (11°ano em Portugal)
Nao sei se ainda se levanta quando a directora entra na sala de aula...mas amanha pergunto-lhe : ))
Mas mantém relações de grande cordialidade com toda a équipa e colegas do seu liceu. Nao deixando no entanto de participar nos bloqueios e manifestaçoes estudantis "quand cela lui chante" e com civismo...j'éspère ; )
Quanto ao comentario do nosso escriba : "Nao deve ser nada fácil ser Ministro da Educaçao."...é capaz de nao ser facil ser Ministro "tout court" !
Talvez eu esteja a ver mal, mas parece-me que esta invocação da ética e dos valores republicanos (ou monárquicos, dá igual) e da cidadania soa um pouco a retórica. É como o estudo dos Lusíadas do antigamente: era a melhor maneira de ficarmos a embirrar com aquilo.
Obrigado pelo esclarecimento, Júlia. E olhe que acho muito bem todas essas coisas.
Alguém aqui referiu a "religião e moral"...
Só me lembro de duas aulas: no preparatório (onde se abordava ao de leve a educação sexual - a sala estava apinhada!!!) e no liceu onde o padre nos fez questão de nos mostrar elogiosamente postais de soldados israelitas...
Do resto esqueci tudo. E olhem no que me tornei: uma doninha!
Cara Júlia
Cresci com essas normas no liceu D. Felipa de Lencastre e posteriormente no Rainha D. Leonor.
Em casa ninguém começava a comer antes dos Pais estarem à mesa e quando nos levantava-mos pedíamos licença para o fazer.
Não me fizeram mal estas normas e considero que a escola me ajudou a ser uma pessoa mais correcta.
Hoje...bom, hoje, é melhor nem falar, porque os alunos até batem nos professores e estes têm medo de lá fora levarem mais dos pais dos meninos.
Em Portugal se vê que são mais educados, cultos e polidos, no Brasil está uma desgraça, depois da passagem do presidente apedeuta, que ainda não sabe concordar o artigo com o substantivo nem a pessoa com o verbo, o que será dessa geração Lula?
E que o ministro da educação faz o Kit Gay para ser distribuído nas escolas incentivando a pratica do homossexualismo.
Do Brasil
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