Não obstante ser este o tempo das reflexões profundas sobre o Brexit, confesso que me não sinto tentado - embora tenha tido pedidos da imprensa para escrever - a perorar muito sobre a questão. Vou apenas alinhar aqui uns breves pontos:
- David Cameron foi um irresponsável ao ter libertado, por oportunismo eleitoral, os demónios que agora não consegue controlar. Hoje, no Reino Unido, os eurocéticos radicais têm muito mais força e visibilidade mediática do que alguma vez tiveram. E, no resto da Europa, há outros a esfregar as mãos.
- Os britânicos, que são dos grandes beneficiários da Europa comunitária, pagam agora anos em que se dedicaram a usá-la como bode expiatório para muitos dos seus problemas.
- Ao não fazerem um mínimo de pedagogia pró-europeísta, e a campanha pelo "sim" se ter limitado a uma agenda defensiva ou de criação de novos medos, os britânicos que querem ficar na Europa revelaram uma inabilidade rara.
- Se alguém pensa que as mensagens ou as ameaças exteriores para condicionar a opinião britânica tem algum efeito. desenganem-se! Os britânicos pensam pela sua cabeça e quanto mais os tentarem convencer, com opiniões de fora, pior!
- O RU já tem quase tudo o que queria da Europa: está fora do euro, de Schengen, das regras da livre circulação, de muito do quadro da Justiça e Assuntos Internos, da observância da Carta dos Direitos Fundamentais. Antes, excluíra-se do protocolo social e recebia um "rebate" anual em forma de cheque. As concessões dadas pelos 27 há semanas foram a "cereja no bolo" da excecionalidade britânica.
- Há uma quase unanimidade, nos meios e analistas económicos, sobre o impacto negativo da saída da União para o Reino Unido. Mas com essa realidade podemos nós bem. A mim, confesso, nesta fase do campeonato, é o futuro da União que me preocupa, não a felicidade ou infelicidade britânica.
- Uma saída britânica induzirá um ambiente de instabilidade e imprevisibilidade no seio da UE que pode vir a desencadear um movimento centrípeto de "refundação" da Europa, com "purga" do euro. E nesse grupo, dificilmente Portugal terá condições para ficar. Sobre isto não tenho a mais leve dúvida.
- Há ainda um cenário que não excluo: é o RU vir pedir mais excecionalidades à Europa para não sair e esta, por temor, vir a concedê-las. A "caixa de Pandora" já está aberta e, não tarda, outros Estados (vá lá, com alguma legitimidade!) vão querer aproveitá-la.
- A negociação entre o Reino Unido e a UE, para organizar a sua saída, sendo embora algo de inédito e sem precedentes, não me parece uma tragédia. As ordens jurídicas, naquilo que importa, são as mesmas e Londres, sendo um negociador "tough" e às vezes bastante "rough", é um poder amigo.
- A UE, em caso de Brexit, tem na sua mão alguns trunfos muito importantes. Nesse contexto, devo confessar que não me parecem preocupantes - pelo menos muito mais do que já foi dado nas recentes concessões - os impactos sobre a situação dos portugueses que vivem naquele país.
- Na quinta-feira, se votarem a saída, o britânicos vão perder milhares de lugares numa máquina europeia onde têm uma posição dominante e decisiva - na Comissão, no Conselho, no Parlamento Europeu, nas missões diplomáticas europeias pelo mundo. Esse pessoal deve estar em pânico! E há muitos mais a esfregar as mãos...
- Se o Brexit tivesse lugar, o dia seguinte seria o dia 1 para um novo referendo para a Escócia. E, nesse caso, bom dia Catalunha!
- O meu "guess", no dia de hoje? O Brexit não passa. À boca da urna, a aposta no desconhecido é demais para um eleitorado que, no fundo, é esmagadoramente "conservador" - quero com isto dizer, que tem algo a conservar. E não é nada pouco! Mas se estiver enganado, o que pode acontecer com grande facilidade, "apertem os cintos"... E mesmo que os britânicos por cá fiquem, muita coisa será diferente no futuro.