Recordo-me de que, em casa dos meus pais, lá por Vila Real, os escassos livros numa língua estrangeira (e não eram, de facto, muitos) que andavam pelas estantes estavam escritos em francês. O meu pai era um francófilo assumido, dava “explicações” (gratuitas, por gosto pessoal), aos estudantes da família e filhos de amigos.
O modelo de ensino em Portugal consagrava uma subalternidade da língua inglesa, e a sociedade portuguesa viveu isso de forma muito clara até à viragem dos anos 60 para 70. Só o posterior impacto da economia nas relações de poder entre os Estados ocidentais iria acabar por colocar o inglês (em grande parte, devido aos americanos) no posto de comando (até ver, definitivo) das línguas à escala global. E Portugal não fugiu a esse tropismo.
O inglês, só ensinado a todos entre os 13 e os 15 anos, eram duas aulas por semana que, pelo menos, num desses anos, tiveram a graça de serem dadas por uma professora jovem e gira, que era um estímulo, embora não necessariamente didático, das hostes adolescentes. Por essa pouca aprendizagem, à saída do liceu, eu tinha um inglês muito hesitante, “de aeroporto”, de léxico reduzido, que dava para ler a “Time” ou a “Newsweek” e para dizer o essencial nas viagens que cada vez mais procurava fazer. Mas ficava muito aquém do domínio que tinha do francês, que eu “tinha a mania” (expressão do meu pai) que falava bem melhor. E falava.
Mas, no íntimo, por esses tempos, ia criando a crescente consciência de que precisava de melhorar a minha aprendizagem da língua. No inverno de 1972, numa semana de férias que passei em Nova Iorque, deu-me para ir a um teatro “off Broadway”, assistir a uma peça conhecida de Tennessee Williams. Saí da sessão furioso comigo mesmo: não tinha percebido quase nada dos diálogos em palco. Regressei a Portugal determinado a corrigir isso. Mas como estava então com o curso universitário suspenso, empregado num banco, nem de longe me podendo permitir sonhar em fazer um dispendioso curso de “imersão total” em Inglaterra, onde aliás nunca tinha ido, tinha de ser modesto nas ambições que acalentava.
Contudo, a verdade é que o meu “curto” inglês acabaria, afinal, por ser suficiente para “passar” na prova de línguas de acesso ao MNE. Não muito tempo após a minha entrada para as Necessidades, fui, em 1976, um dos primeiros funcionários a solicitar uma pequena ajuda financeira, prevista no estatuto mas que nunca tinha sido utilizada, para custear aulas externas de língua inglesa. Tenho na memória ter assistido a aulas em grupo num primeiro andar do Centro Cultural Americano, na avenida Duque de Loulé, em horário pós-laboral.
Um dia, à conversa, comentei com um amigo que continuava a ter bastante dificuldade em ler obras de ficção escritas em língua inglesa. Lia, sem quaisquer problemas, história, biografias, “current issues”, mas, sempre que pegava num romance, perdia-me cedo e acabava por desistir.
Esse meu querido amigo, António Pinto Rodrigues, que já se foi há muito (e com quem escrevi e editei, em 1975, o livro “O Caso República”), deu-me então um conselho valiosíssimo: “Começa a ler um livro que, à partida, tenhas a certeza de que te vai interessar. Passa à frente as palavras que não te disserem nada, não pares, não uses nunca dicionários nem tomes notas de palavras, mantém firmemente concentrado no mesmo ritmo de leitura. Verás que, ao final de umas horas, o livro captou-te e te habituas, em definitivo”.
O António era casado com uma americana meia-brasileira, a Dee, e imagino que isso tenha ajudado ao inglês dele. A mim, foi esse seu conselho que me abriu, em definitivo, o caminho de acesso para alguma ficção anglo-saxónica. Valha a verdade que, noutras obras de criação literária de língua inglesa, mais complexas e elaboradas, continuo a recorrer a traduções em português.
Mas a que propósito vem isto, perguntará o leitor? É muito simples: o meu amigo António deu-me nessa altura, como exemplo de coisas a ler, com garantia de interesse assegurado, os “thrillers” de Frederick Forsyth, que estavam a ter imenso sucesso, onde a espionagem se misturava com a aventura política. Aceitei a sugestão e, de facto, fiquei logo “apaixonado” pelo estilo. A partir daí, li creio que quase tudo o que ele publicou, em termos de obras de ficção. Ontem, no quarto do hospital, que acaba por ser uma bela sala de leitura, terminei, em escassas horas, o que julgo ser o seu último romance: “The Fox”.
E?
E não gostei! A fórmula está visivelmente cansada, no género há hoje quem escreva bem melhor, o recurso a referências especializadas, utilizado para dar mais plausibilidade às histórias, funciona já como um truque pouco convincente, tudo isto dentro de um texto recheado de inferências pouco credíveis, de “jogos de sombras” muito batidos.
Forsyth foi-me muito útil há meio século - e estou-lhe eternamente grato por isso. Com o tempo, contudo, foi-me desiludindo - ou talvez tenha sido eu quem se tornou mais exigente. Seja por que razão for, este foi, seguramente, o derradeiro romance de Forsyth que li.