segunda-feira, fevereiro 23, 2015

Ilídio Monteiro


Há coincidências terríveis. Na passada semana, juntei-me com dois amigos num almoço, a convite de um deles. Já não estávamos os três juntos desde 1976, ano em que nos tínhamos deslocado numa delegação técnica portuguesa à Líbia. Foi essa mesma "aventura", de há quase 40 anos, que nos juntou.
 
Um dos membros dessa delegação tinha sido o engº Ilídio Monteiro, que nela representava a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, de quem falámos nesse almoço. Na decorrência dessa missão, aquele empresário acabaria por desenvolver vários e importantes negócios na Líbia, por décadas, os primeiros dos quais com base em protocolos que, no ano seguinte, foram assinados por uma nova delegação portuguesa enviada a Tripoli, em que também participei.
 
Há minutos, pela memória da semana dada por Marcelo Rebelo de Sousa na televisão, soube da morte muito recente do engº Ilídio Monteiro. Tive o gosto de me cruzar com ele várias vezes, ao longo dos anos. Era uma pessoa muito agradável, com humor e ironia, que gostava das coisas boas da vida, para além de ter sido um grande empresário no seu setor. Deixo aqui o meu pesar à sua família. 

domingo, fevereiro 22, 2015

Não, senhora ministra!

A ministra Maria Luís Albuquerque é, no plano técnico, uma das figuras mais competentes deste governo. Dirão alguns, mais cínicos e irónicos, que isso não é difícil... Talvez seja verdade, mas o que é indiscutível é que a senhora ministra das Finanças demonstra, com clareza, ter um perfeito domínio das questões que lhe compete tutelar, sendo mesmo capaz de o fazer com uma capacidade de explicitação pública muito superior ao seu antecessor. E lá virão os mesmos dizer que também isso, em si, não é obra por aí além... Quero com isto dizer que, goste-se ou não da política que defende - e eu não gosto mesmo nada - ela defende-a de forma capaz e a prova provada disso está no crescente "appeal" que faz nascer nas hostes do seu partido, onde, qual Cavaco Silva ao rodar o carro para a Figueira da Foz, surge sebastianisticamente como uma promessa, ungida daquela sedução pelos titulares das Finanças que, de tempos a tempos, empolgam os setores conservadores de um país que nunca soube fazer suas contas.

Dizia-se de um certo professor que tive que, entusiasmado pelo brilho que achava ter nas suas aulas, saía delas "aos ombros de si próprio". A senhora ministra das Finanças, verdejante oásis no deserto político em que se move, ter-se-á também deixado deslumbrar pelo nível da sua "performance" dentro do executivo de que faz parte e tem vindo a dar mostras de um comportamento que, frequentemente, roça já um perfil de arrogância e alguma sobranceria. Vê-se isso no parlamento onde dá ares de que mais ninguém "sabe da poda". Não fosse o seu sorriso gaiato e a sua cara laroca a ajudarem e as coisas seriam ainda bem piores.

O destino político da senhora ministra estará, daqui a meses, na mão dos portugueses. E esses, a seu tempo, dirão de sua justiça. Só que, até lá, a senhora ministra não tem um mandato que lhe permita, ainda que temporalmente, conspurcar fora de portas o nome do país honrado em que exerce funções. Alguém deveria conseguir explicar à senhora ministra que o espetáculo a que se prestou ao lado do seu colega alemão foi de uma indignidade, quase sem par, na representação externa do Estado. Deixar-se utilizar como instrumento comparativo por parte de Berlim na sua cruzada de isolamento da Grécia configurou uma das mais tristes figuras que alguma vez vi fazer a um governante português na ordem externa - e, podem crer!, já vi bastantes e bem lamentáveis. E prolongar essa atitude no Eurogrupo, para entrar no "quadro de honra" com que Berlim premeia os "alunos" bem comportados, ajudando cobardemente à humilhação de um país também amigo e aliado, provocou um incómodo muito raro no país, ao que se diz até nas hostes da maioria. Este governo - e meço as palavras - consegue, dia após dia, surpreender-nos na sua capacidade de rebaixar a dignidade do Estado que circunstancialmente titula.

Angola, a hora da política


Há tempestades anunciadas, pelo que é irresponsável não tomar, a montante de ventos e chuvas fortes no horizonte, medidas que possam atenuar os seus efeitos. O que está prestes a ocorrer nas relações económicas luso-angolanas é uma dessas tempestades. E o Estado português parece ter enterrada a cabeça na areia.

O país não terá ainda plena consciência das ameaças que hoje pairam sobre o futuro de largas dezenas de milhares de portugueses que trabalham em Angola, com as dificuldades que já sentem nas transferências salariais que suportam outras tantas famílias em Portugal. Quem encheu de PME’s sucessivas caravanas ministeriais, com “números” otimistas nas televisões, tem hoje a obrigação de se revelar eficaz em iniciativas políticas para compensar os efeitos da crise que afeta conjunturalmente a economia angolana.

Foi garantido pelo senhor ministro dos Negócios Estrangeiros que o chefe de Estado angolano declarara ultrapassada a tensão política bilateral. Então por que esperam as nossas autoridades para daí tirar as necessárias consequências? A relação luso-angolana é estratégica? Em que é que isso se pode traduzir, em gestos pró-ativos de boa vontade por parte de Angola ou no tocante a facilidades de crédito a implementar por Lisboa, com vista a apoiar pontualmente os nossos operadores económicos, naquele que é um dos mercados essenciais para as nossas empresas?

Os empresários e os trabalhadores portugueses deram provas, ao longo das últimas décadas, de uma cooperação leal com um país que, se lhes deu oportunidades, beneficiou também da sua competente retribuição, de que a paisagem contemporânea da vida angolana é talvez o melhor testemunho.

Não quero ensinar o pai-nosso ao vigário, mas lembraria que a diplomacia económica não é apenas o passarinhar entre aeroportos e salões dourados, não se esgota na assinatura de protocolos de duvidosa implementação. A ação dos agentes diplomáticos só é eficaz se reforçada pela intervenção dos atores políticos, cuja determinação visível na defesa do interesse nacional é também a condição sine qua non para a sua avaliação.

O senhor presidente da República tem aqui uma particular responsabilidade. Nesta especial relação, o papel dos chefes de Estado tem sido historicamente essencial. O professor Cavaco Silva prestaria um último serviço ao país – e, por consequência, ao seu próprio prestígio – se desse mostras públicas de se empenhar ativamemente na procura de soluções com vista a minorar os graves problemas que, no relacionamento entre Portugal e Angola, estão aí já ao virar da esquina.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

sábado, fevereiro 21, 2015

Bielorrússia

Um dia de 1996, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português recebeu uma nota da embaixada da Bielorrússia em Londres, cujo titular estava acreditado em Lisboa, pedindo "as melhores diligências" para que, de futuro, em língua portuguesa, o nome do país fosse designado por "Belarus" e não por "Bielorrússia". A ideia, ao que parece, era distanciar o país da imagem da Rússia. Em russo, a palavra "Bielorrússia" significa "Rússia branca". Recordo-me de ter tido cuidado de mandar explicar ao governo de Minsk que, em Portugal, o Estado não se arrogava o direito de controlar a tradução dos topónimos.

A Bielorrússia é um estado encravado entre a Rússia, a Ucrânia, a Polónia, a Letónia e a Lituânia, com uma democracia de "faz-de-conta", muito típica de alguns Estados que emergiram após a eclosão da União Soviética. Desde 1994, é dirigida com mão de ferro por Alexander Lukashenko, que se mantém à frente de um regime que limita as liberdades essenciais dos cerca de 10 milhões de cidadãos do país.

Lukashenko teve artes de conseguir que a sua capital, Minsk, fosse escolhida para os encontros tendentes a discutir a pacificação da Ucrânia e, na passada semana, lá o vimos, impante, abrir caminho às negociações entre a Alemanha, França, Rússia e Ucrânia. Este papel "mediador" de Minsk já havia sido reconhecido em 1992, quando foi criado o "grupo de Minsk", que tem a seu cargo, no âmbito da OSCE, o acompanhamento da questão do Nagorno-Karabakh, entre a Arménia e o Azerbaijão. Não deixa de ser irónico que seja necessário sediar na capital de um país liderado por um autocrata encontros de paz. Mas é a vida...

Em 2002, a Bielorrússia cruzou-se no meu caminho. No âmbito da presidência portuguesa da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), ao tempo em que representava diplomaticamente Portugal junto da organização, em Viena, coube-me gerir um caso interessante com a Bielorrússia. Descontente com o teor dos relatórios que a "Missão" (já explicarei porque coloco a palavra entre aspas) da OSCE em Minsk produzia, que punham a nu as arbitrariedades anti-democráticas das suas autoridades, o governo de Lukashenko optou por um procedimento hábil: forçou discretamente os trabalhadores bielorrussos a desvincularem-se da Missão e não renovou os vistos aos elementos estrangeiros que nela trabalhavam. Assim, ao final de alguns meses após esta ação ter sido desencadeada, a Missão deixou de ter condições para funcionar. E o governo de Minsk anunciou unilateralmente a data de 31 de dezembro de 2002 como limite às suas atividades, argumentando que se tinha "esgotado o seu objeto". Para a Bielorrússia, as coisas eram imperativas: a Missão da OSCE em Minsk tinha de encerrar naquela data.

Como presidente do Conselho Permanente da OSCE, em Viena, fiquei com a "batata quente" na mão. Portugal iria ficar na pequena história da organização como o país que "deixara encerrar" a Missão em Minsk, facto que podia vir a ser um precedente muito perigoso para outros Estados membros da OSCE, eles próprios pouco satisfeitos com o que a OSCE reportava sobre as fragilidades da sua vida política interna. Os meus colegas ocidentais - com destaque para os EUA, França, Reino Unido e Alemanha - pressionavam-me para que eu tentasse encontrar uma solução para que a OSCE pudesse continuar em Minsk. A Holanda, que nos sucederia na presidência no dia 1 de janeiro de 2003, preparava-se já para "lamentar" ter o início do seu mandato marcado por esse facto.

Portugal "portara-se bem" com a Bielorrússia até então. Contra a vontade da União Europeia, trabalhara para que o seu ministro dos Negócios Estrangeiros viesse a cimeira da organização no Porto, no início do mês de dezembro, a fim de que fosse possível tentar que os então 55 Estados da OSCE conseguissem acordar conclusões consensuais (isso foi possível, pela última vez, nessa cimeira do Porto, em 2002, e nunca mais o seria na história posterior da OSCE). Simultaneamente, eu próprio cuidara em manter sempre uma relação cordial com o meu colega bielorrusso em Viena. Era um homem grande, um cientista feito embaixador, que percebia claramente que a "bofetada"que a Bielorrússia estava prestes a dar à OSCE não deixaria de ter consequências negativas para o seu país, que já se defrontava com sanções por parte da União Europeia e com um ambiente de isolamento e hostilidade crescente. Ser embaixador da Bielorrússia era (e nunca deixou de ser) uma tarefa muito difícil.

Com o meu colega e "deputy", embaixador Carlos Pais, embora sem a menor instrução orientadora de Lisboa, decidimos propor ao Secretário-Geral da OSCE e, posteriormente, à Bielorrússia uma saída para a organização manter uma presença em Minsk, com um mútuo "face-saving". Nos termos desse "deal", a "Missão OSCE em Minsk", que tinha um mandato próprio, aprovado anos antes do Conselho Permanente da OSCE, encerraria formalmente, como os bielorrussos desejavam, no fim do ano. Entretanto, Em contrapartida, propúnhamos a instalação de um "Escritório OSCE em Minsk", com um novo mandato, que tentaríamos negociar com Minsk e fazer aprovar pela OSCE até ao final do ano, para entrar em vigor no primeiro dia do ano seguinte.

Depois de alguma hesitação, a Bielorrússia "comprou" a nossa ideia e fez deslocar a Viena, por duas vezes, uma delegação chefiada por um representante pessoal de Alexander Lukashenko, com o qual discuti, durante horas intermináveis, por cerca de quatro dias, o texto do novo mandato, que seria depois vertido num "memorandum of understanding". Posso hoje revelar que os quatro países ocidentais, que, com a Rússia, eram vulgarmente referidos como os "major players" dentro da organização, "fizeram-nos a vida negra" até ao último instante, com exigências nas funções futuras do "Escritório" de que os bielorrussos nem queriam ouvir falar.

No termo de uma presidência que, por razões que não vêm aqui para o caso, já havia sido muito difícil, este trabalho de "go-betweener" revelou-se de extrema complexidade e o ter-se conseguido um resultado positivo muito se ficou a dever ao meu colega Carlos Pais que, com uma "paciência de santo", me ajudou a inventar fórmulas de texto imaginativas que combinassem um mínimo de eficácia operacional futura do Escritório, com uma "ambiguidade criativa" que conseguisse fazer a ponte. E tivemos sucesso: a "Missão" encerrou em 31.12.02 e o "Escritório" iniciou a sua existência em 1.1.03.

A prova provada da eficácia do Escritório seria dada, oito anos mais tarde, pela própria Bielorrússia, que decidiu impor a data de 31.12.10 como data limite para a atividade daquela presença da OSCE, obrigando então, e definitivamente, à saída da OSCE de Minsk, ao que parece descontente com o facto da organização ter denunciado, por intermédio daquele Escritório, mais uma vaga das tradicionais irregularidades eleitorais praticadas pelo governo de Lukashenko. A prazo, veio assim a constatara-se que o mandato que Portugal desenhou foi mesmo incomodamente eficaz.      

sexta-feira, fevereiro 20, 2015

As caras da Europa

Há 17 dias, escreveu-se aqui:

"Na história recente da União, as coisas têm sido sempre assim. Por isso, não devemos estranhar que, por Bruxelas, a verdade seja por vezes aquela que um dirigente desportivo por cá lapidou um dia: “o que é verdade hoje pode não o ser amanhã”. É evidente que o sismo que a Grécia provocou na Europa tem uma natureza diferente de tudo aquilo a que as suas instituições estão habituadas a reagir. A Grécia deu ares de estar a funcionar “fora da caixa”, porque colocou questões numa matriz diversa da que está nos “manuais”.

Mas a Europa tem uma sabedoria maior do que vulgarmente se pensa. Nas horas que correm, interroga-se sobre o limiar de intransigência da Grécia, tentando perceber como lhe será possível negociar algo que seja um face saving para ambas as partes. Se Atenas der algum espaço de manobra, a Europa encontrará uma solução. Foi sempre assim, recordem-se."

Alguns acharam isto otimista. Mas isto é a Europa.

Sampaio sobre a Grécia e Portugal

 
“Portugal, desde que entrou para a União Europeia esteve sempre na formação dos consensos necessários. Vivi isso como Presidente da República com os primeiros-ministros que tive, com os negociadores, procurando precisamente que estivéssemos sempre a trabalhar para encontrar um denominador comum, em torno de princípios de solidariedade, participantes num projecto que é comum. Nos tempos que vamos vivendo, acho que os países que têm sofrido mais, não devem pôr-se uns contra os outros. Devem, pelo contrário, encontrar as alianças possíveis, num esforço efectivo de encontrar uma solução que possa servir a União Europeia. Não faz sentido os países estarem uns contra os outros. Não faz sentido… Só quero dizer isto assim, que toda a gente percebe. Não quero dizer mais do que isto. O que é preciso é que possamos continuar na União Europeia, independentemente das dificuldades que possamos encontrar, a procurar as melhores soluções para a nossa caminhada comum.”
 
("Público" 20.2.15)

O método Varoufakis

No âmbito da preparação de uma atividade docente universitária, que versa sobre a negociação diplomática, estou a recolher dados para poder utilizar o processo negocial grego na Europa como um modelo de estudo.
 
Independentemente do seu resultado final, esta negociação aberta, com forte utilização agressiva dos mídia, configura uma tática pouco comum no mundo multilateral.
 
O governo grego tinha duas frentes essenciais a atender. Desde logo, a mais vital, eram as instituições europeias e os seus parceiros nesse âmbito. Não menos importante era a sua frente interna, onde os resultados no plano europeu serão sempre medidos à luz das promessas eleitorais muito firmes que o Syriza fez durante sua campanha. Mas houve sempre uma terceira dimensão instrumental que também esteve nos objetivos de Atenas: a opinião pública europeia, com que os gregos pareciam contar, através do levantamento de uma onda de simpatia que acabasse por condicionar os restantes governos.
 
É neste particular que se insere o esforço de diabolização da Alemanha, de que a Grécia quis erigir-se como contraponto "afetivo". Ao vocalizar a acusação de "má da fita" à Alemanha, o governo grego procurou "isolar" Berlim, contando com um sobressalto na opinião europeia que, na realidade, não se verificou. Da parte dos países do ajustamento, nos quais os gregos esperavam poder suscitar uma onda de simpatia, por terem partilhado agruras similares, nenhuma reação forte emergiu. Pelo contrário, os "ajustados" procuraram, numa lógica puramente nacional, afastar o seu caso do da Grécia, garantindo a benção dos "powers that be" - isto é, da própria Alemanha, de cuja boa vontade dependem. Falhada uma empatia operativa por parte da França e da Itália (com a qual a Grécia começou por cometer uma indiscrição imperdoável), Atenas voltou-se para a Comissão Europeia. que esteve à altura dessa confiança. Mas também, neste caso, ao dar conhecimento público do "non paper" de Moscovici, a Grécia quebrou uma relação de confiança. O desespero não é bom conselheiro num processo negocial. 
 
No plano multilateral, as coisas não haviam começado bem. A "receção" em Atenas ao presidente do Eurogrupo, Dijsselbloem, foi lida por muitos como uma provocação. Se a intenção era "assustar" Bruxelas, o modo pouco urbano como a parte pública dessa visita decorreu não ajudou em nada. Já no Eurogrupo, o governo grego começou por colocar a sua questão através da contestação da filosofia subjacente ao processo europeu tradicional, tentando situar o problema num patamar diferente daquele em que assentava o paradigma da UE. Como que para reforçar essa distância, utilizou mesmo uma figura, como o seu ministro das Finanças, que passou uma mensagem - e até uma postura física e coreográfica - de não estar disponível para ter um debate assente nos termos de referência habituais. Hoje, em perspetiva, constata-se que a postura de Varoufakis não ajudou nem ajuda, "to say the least". Ele estava convencido de que a originalidade académica das ideias que trazia acabaria por impor-se com naturalidade, porque colocaria em fácil evidência que havia alternativas sensatas ao modelo dos programas de ajustamento que a Europa utilizara até então. E, neste particular, a Grécia parecia julgar que, ao propor os modelos de "bonds" quase eternos, tinha "descoberto a pólvora". Isso fê-los, aparentemente, descuidar na preparação de planos B e C, essenciais para amortecerem recuos, sem que eles fossem vistos como humilhações. Ora são apenas estas que parecem estar agora na agenda, acompanhadas de uma escassa boa vontade do parceiros para as travestirem por forma a "salvar a face" à Grécia. A cristalização pública de posições nunca ajuda.
 
Pela minha experiência, que naturalmente vale o que vale, o efeito surpresa, numa negociação multilateral, raras vezes funciona. O passado ensinou-me que é sempre muito importante "trabalhar" um-a-um os parceiros, enquanto aliados potenciais, a montante dos encontros coletivos, tentando garantir antecipadamente, da parte de cada um deles, uma atitude de apoio nesse contexto negocial subsequente. Para tal, é essencial partilhar com aqueles que julgamos potencialmente permeáveis aos nossos argumentos o essencial daquilo que iremos apresentar, dando-lhes razões para os convencer das vantagens que poderão retirar do facto de poderem vir a colocar-se ao nosso lado. Na vida internacional, salvo no caso das ditaduras ou dos regimes autoritários, os governos não têm mandato para poderem mudar internacionalmente de posição (muito menos radicalmente) sem terem garantido que as suas opiniões públicas podem vir a entender a racionalidade dessa mesma alteração. Ora os gregos, muito por falta de tempo, mas igualmente por manifesta falta de jeito e alguma arrogância voluntarista, não fizeram devidamente esse trabalho de casa e criaram uma expetativa de reconhecimento público da "bondade" natural das suas propostas que, muito claramente, não se concretizou. Os governos europeus não foram minimamente pressionados pelas suas opiniões públicas para ajudarem a Grécia a sair do seu isolamento e o resultado foi o que se viu.
 
Este texto é escrito antes da nova apreciação no Eurogrupo das derradeiras propostas gregas e tem apenas uma intenção de discussão metodológica, não de apreciação da substância dos temas.     

quinta-feira, fevereiro 19, 2015

O nosso amigo Jean-Claude


Um dia de 1998, acompanhei António Guterres ao gabinete do primeiro-ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker. A Comissão europeia tinha acabado de apresentar a sua primeira proposta para as "perspetivas financeiras" para o período 2000-2006, o orçamento plurianual de onde decorrem os fundos comunitários. O resultado, maugrado as diligências que havíamos feito nos meses anteriores junto de diversos setores da Comissão, era dececionante para o nosso país. Agora, tornava-se importante mobilizar os nossos amigos europeus a fim de fazer evoluir a proposta, em moldes que pudessem acomodar os nossos interesses.

Nunca mais me esquecerei das palavras espontâneas que ouvimos de Juncker, logo que António Guterres acabou de lhe expor o nosso problema: "António, podes contar comigo a 100%. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para beneficiar Portugal". E fê-lo, a partir daí, de forma exemplar, passando a defender-nos em todos os contextos possíveis. Não houve Conselho europeu em que Juncker não tivesse estado abertamente ao nosso lado, movimentando-se, além disso, junto de outros parceiros para fazer valer os argumentos portugueses.

Jean-Claude Juncker é um exemplo de um grande europeu, da escola de um Jacques Delors, uma das poucas personalidades que, pela sua inigualável experiência e pela profunda coerência e verticalidade que o carateriza, merece o respeito da grande maioria de quantos se movimentam pelos corredores da União europeia. Mas, do mesmo modo, a sua independência face aos grandes Estados europeus, bem como o modo frontal como a assume, não terão sido estranhos à sua liminar exclusão, quando o seu nome surgiu mencionado para a presidência da Comissão europeia.

Se Portugal tem verdadeiros amigos entre os dirigentes desta Europa, a experiência demonstrou-me que Jean-Claude Juncker é o mais dedicado deles.

(Este é um post "reciclado". Relembro-o hoje, num dia em que a minha admiração por Jean-Claude Juncker aumentou).

Sensatez

De acordo com a imprensa de hoje, o ministro dos Negócios Estrangeiros terá ontem afirmado, em frente do seu colega de Londres, que Portugal não considera oportuno rever os tratados europeus à medida dos interesses britânicos. É uma posição sensata. O Reino Unido, que tem da União Europeia uma visão instrumental e um interesse basicamente apoiado nas vantagens do mercado interno, tem anunciado a intenção de propor um conjunto de recuos no âmbito do projeto comum, que teriam como consequência um progressivo desmembrar do mesmo. Para Londres, a Europa parece não ser essencial, mas para nós é. O governo português - e nunca esperei outra coisa da "boa escola" do MNE nesta matéria - não favorece a estratégia dos conservadores britânicos, que pretenderiam utilizar algumas "vitórias" na frente europeia como forma de adubarem as suas hipóteses nas próximas eleições legislativas, assim retirando terreno à sua direita, ao UKIP. Portugal não "fez o jeito" ao governo britânico. E fez bem. Dirão alguns que Lisboa diz isto porque sabe que Berlim concorda. É indiferente: disse a coisa certa, mesmo se traduzida do alemão. E a oposição portuguesa responsável deveria aproveitar para apludir o governo. É tão raro, de há uns anos para cá, ouvir o executivo português dizer qualquer coisa de construtivo em matéria europeia que o país deve aproveitar para "deitar foguetes" quando isso acontece.

Fora da caixa


A situação que se vive entre a Grécia e a União Europeia traz à discussão um problema interessante, sob o ponto de vista teórico, que poderá ser reforçado se acaso o Podemos vier a assumir responsabilidades de governo em Espanha ou mesmo se o Front National vier a ascender ao poder em França.

A questão tem a ver com o surgimento, nos poderes sufragados eleitoralmente nos Estados membros, de forças políticas que, à esquerda ou à direita, recusam o modelo liberal, cuja filosofia enforma hoje todos os tratados europeus. Se olharmos para o discurso do ministro das Finanças grego - melhor, se lermos retrospetivamente aquilo que ele escreveu ao longo de anos - verificamos que a lógica em que assentam as suas propostas, mais do que não coincidirem com os compromissos assumidos pela Grécia dentro da UE, apresentam a caraterística de se situarem-se "fora da caixa", porque comportam em si mesmo uma aberta recusa da filosofia dominante. Mas, curiosamente, isso também é válido para o discurso soberanista de Marine Le Pen, num outro lado do espetro.

A União Europeia foi criada em torno de um compromisso entre o liberalismo, a social-democracia e a democracia cristã. A sua filosofia inicial acabou por ser uma mescla com uma forte componente social, para a qual essas três correntes contribuíram, fruto de preocupações comuns no pós-guerra. Com o surgimento de uma vocação económico-financeira por detrás do projeto europeu, os setores mais "sociais" foram progressivamente perdendo a liderança do processo e veio a prevalecer uma economia de mercado que, por alegadas razões de eficácia operativa num mundo globalizado, foi prescindindo do "modelo social", que hoje é residual, muito deixado à subsidiariedade (isto é, à capacidade de cada Estado) e sustentado a custo, curiosamente sob fogo teórico de alguns países que haviam estado na sua génese. Quer a democracia cristã original, quer principalmente o socialismo democrático, estão do lado dos "perdedores" deste "campeonato" europeu, hoje ganho amplamente pelo liberalismo (a que alguns chamam neo-liberalismo porque se despiu precisamente das preocupações sociais do liberalismo histórico). Este "template" formatou a vida política na generalidade do Estados da UE, com a ascensão ao poder de forças que não são verdadeiras alternativas - são apenas  modelos "nuancés" do mesmo padrão. O espartilho macro-económico, com limitações drásticas em matéria de défices, tornou a representação política refém de opções que só no discurso, e muito marginalmente nas alocações orçamentais, são diferentes entre si. Que o desespero, de esquerda ou de direita, se afirme "fora da caixa" era algo que, mais tarde ou mais cedo, acabaria por acontecer. Hoje é o Syriza a tentar recusar as medidas de austeridade, amanhã será o Front National a pôr em causa o livre comércio, a impossibilidade das ajudas de Estado e o resto da agenda soberanista que aí está ao virar da esquina. Resta saber se a Europa conseguirá resistir a estas tensões.

quarta-feira, fevereiro 18, 2015

Medeiros Ferreira

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN

PROGRAMA

19 de fevereiro

[ 09:30h • 10:00h ]
SESSÃO DE ABERTURA
presidida pelo Presidente do Governo Regional dos Açores
» Artur Santos Silva
Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian
» Maria Emília Brederode Santos
» Mário Mesquita
» Nuno Severiano Teixeira
Presidente do IPRI
» Vasco Cordeiro
Presidente do Governo Regional dos Açores

[ 10:15h • 11:30h ]
RELAÇÕES INTERNACIONAIS E ESTRATÉGIA
» Eduardo Lourenço
» Fernando Neves
» José Loureiro dos Santos
» Teresa Patrício Gouveia
MODERAÇÃO
     Carlos César

[ 11:45h • 13:00h ]
RAZÃO E PAIXÃO NA POLÍTICA
 » António Barreto
 » Eurico Figueiredo
 » Francisco Louçã
 » Isabel do Carmo
MODERAÇÃO
     Ramon Font

[ 14:30h • 16:00h ]
A INTELIGÊNCIA DO FUTEBOL
 » António Ribeiro Cristóvão
 » Leonor Pinhão
 » Miguel Guedes
 » Miguel Medeiros Ferreira
 » Vítor Serpa
MODERAÇÃO
     Tiago Alves

[ 16:30h • 18:00h ]
APRESENTAÇÃO DO LIVRO
“JOSÉ MEDEIROS FERREIRA – A LIBERDADE INTERVENTIVA”
por Jorge Sampaio
» Inês Hugon
Editora Tinta da China
» Vasco Cordeiro
Presidente do Governo Regional dos Açores
» Jorge Sampaio
MODERAÇÃO
     Carlos Gaspar

20 de fevereiro

[ 09:30h • 11:00h ]
HISTÓRIA POLÍTICA
» António Reis
» Fernanda Rollo
» Fernando Rosas
» Pedro Aires Oliveira
» Pilar Damião
MODERAÇÃO
     Miriam Halpern Pereira

[ 11:15h • 13:00h ]
UMA VIDA NO SÉCULO
» Anne-Nelly Perret-Clermont e Jean-François Perret
» François Garçon
» João Luis de Medeiros
» Pierre Dominicé
» Roberto Amaral
 MODERAÇÃO
      Carlos Almeida

[ 14:30h • 16:00h ]
COMUNICAÇÃO SOCIAL E BLOGS
 [ 14:30h • 15:15h ] > Comunicação Social
» Anabela Mota Ribeiro
» António José Teixeira
» Constança Cunha e Sá
» Marcelo Rebelo de Sousa
MODERAÇÃO
     Maria Elisa Domingues

[ 15:15h • 16:00h ] > Blogs
» Joana Amaral Dias
» João Gonçalves
» Pedro Arruda
MODERAÇÃO
     Nuno Costa Santos

[ 16:15h • 17:15h ]
INTERVENÇÃO POLÍTICA
» António Dias
» José Pacheco Pereira
» Pedro Santana Lopes
» Rui Tavares
MODERAÇÃO
     Fátima Campos Ferreira

[ 17:45h • 18:15h ]
SESSÃO DE ENCERRAMENTO
presidida por Sua Excelência O Presidente da República
» Artur Santos Silva
Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian
» Maria Emília Brederode Santos
» Eduardo Paz Ferreira
» António Ramalho Eanes
» Aníbal Cavaco Silva
Presidente da República

Buracos

O município esmifra-nos com taxas e, no entanto, diz-se que não tem orçamento para tapar os buracos das ruas onde, diariamente, espatifamos os nossos carros, nesta Lisboa que mais parece Gaza depois de uma "visita" israelita.

Mas, por outro lado, vive à tripa-forra quando se trata de consertar a luz de lampiões, que só alumiam alguns.

Em que ficamos? Para uns "buracos" há dinheiro e para outros não?

Mais iguais do que os outros

Ontem, na conversa com a Alta Comissária da UE para a Acção Externa e Política de Segurança, quando se falava de determinadas realidades europeias, dei comigo a lembrar uma história a que assisti num Conselho de Ministros, em Bruxelas, há mais de 15 anos.
 
O tema em agenda era, uma vez mais, o conflito israelo-palestino. O recém nomeado Alto Comissário, Javier Solana, um cargo que na altura era vulgarmente referido como o "senhor PESC", estava ainda a "desenhar" o seu lugar. Da parte dos vários governos, a acreditar no que os ministros dos Negócios Estrangeiros diziam à volta da mesa, parecia haver um grande interesse em dar uma oportunidade ao seu trabalho de representante da vontade comum da Europa, conferindo-lhe o papel de "voz" da UE junto de Estados terceiros. Nesse dia, Solana recebeu o mandato para ir a Jerusalem e a Ramallah levar uma qualquer mensagem e tentar obter da parte de Israel e da Autoridade Palestina uma posição sobre uma determinada proposta europeia. O "senhor PESC" faria a viagem dentro de alguns dias e reportaria posteriormente ao Conselho.
 
Dois dias depois, o "Financial Times" relatava, com o pormenor que o "Foreign Office" lhe quis revelar, que o MNE britânico, Robin Cook, fora a Israel e à Palestina. Do que o jornal contava, percebia-se que falara exatamente dos temas que Solana iria abordar... três dias depois.
 
Cerca de um ano mais tarde, à margem de uma reunião nos Açores, em conversa descontraída com Robin Cook, perguntei-lhe porque fizera aquilo, por que razão "estragara" essa "operação Solana". A resposta foi curiosa: "A nossa ideia não era necessariamente enfraquecê-lo. Mas o Reino Unido, como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, tem responsabilidades que vão muito para além da nossa pertença à União Europeia. E não prescindiremos nunca delas. A questão em causa era demasiado importante para que a voz da Europa ouvida pelos nossos interlocutores, naquele momento particular, fosse apenas a do Solana".
 
Guardei sempre isto na cabeça e tive oportunidade de testar, como embaixador junto das Nações Unidas, que essa era uma linha de orientação muito firme. Quer Londres quer Paris recusavam-se a coordenar com os restantes parceiros da UE, mesmo com aqueles que eram membros europeus não permanentes, as posições que iriam assumir no Conselho.
 
Na Europa, há uns que são mais do que outros. O tropismo de afirmação de alguns países é impeditivo que a Europa venha alguma vez a ter uma forte expressão comum na área externa, a menos que ela seja a "média aritmética" das posições dos Estados que a dominam - "a voz do dono". Por isso, quando ouço falar na "igualdade dos Estados", que está escrita na letra dos tratados europeus, sinto vontade de rir. Mas não consigo. Não é decente rir de coisas tristes.

terça-feira, fevereiro 17, 2015

O mistério de Bruxelas

 
Qualquer que venha a ser o desfecho do braço-de-ferro entre a Grécia e os instituições europeias, a reunião de ontem do Eurogrupo (o grupo dos países UE que adotaram o euro) ficará na pequena história europeia por um episódio interessante.
 
O comissário francês Pierre Moscovici terá apresentado ao ministro grego das Finanças um texto de compromisso, cujo conteúdo foi agora divulgado. Trata-se de um documento muito bem construído em que é feita menção à difícil situação económico-social que a Grécia atravessa, reconhecimento que sempre pareceu, a muitos observadores, essencial para que Atenas pudesse vir a aceitar outras medidas. Numa lógica muito própria dos compromissos europeus, o texto "trabalhava" semanticamente algumas questões delicadas, sem, no essencial, mudar radicalmente as posições de ambas as partes. Era como um salvar de face que poderia abrir a porta a algum acordo.
 
Subitamente, ao que agora se sabe, o presidente do Eurogrupo, fez retirar de discussão o documento que Moscovici apresentara a Varoufakis e regressou à linguagem mais dura que o Eurogrupo já avançara na reunião da passada semana. Para Moscovici, a humilhação terá sido dupla: teve de recuar perante o ministro grego, dando o dito por não dito, e teve de ser ele próprio, na conferência de imprensa final, a dizer a frase mais dura que a UE disse à Grécia: que nada podia ser aceite que não representasse uma "extensão" do programa - precisamente a frase que os gregos não queriam ver utilizada.
 
O que se terá passado nos corredores de Bruxelas? Que sombra imperativa se terá projetado nas negociações? A história o dirá um dia.

UBER


Ontem, por curiosidade, utilizei, para benefício de amigos, e pela primeira vez, o UBER, o sistema de aluguer de automóveis alternativo aos taxis. E, surpresa das surpresas, foi uma experiência excelente, com uma viatura magnífica, com motorista educadíssimo, por um preço muito razoável e competitivo.

Estou cliente! O que é que posso vir a perder? Posso perder o "isto é tudo uma cambada de ladrões!", "eles querem é governar-se!", "faz falta o Salazar vir cá abaixo prender estes políticos todos!", "estas gajas andam aí de minisaia a provocar a gente e depois queixam-se!" e outras frases que ouvi nos últimos dias. Que saudades...

Federica Mogherini


Hoje, vou ter o gosto de moderar um encontro, em Lisboa, em que participa a vice-presidente da Comissão Europeia e Alta Representante da UE para os Assuntos Externos e Política de Segurança, Federica Mogherini.
 
Federica Mogherini substituiu, nestas funções, Catherine Ashton, e chefia o Serviço Europeu de Ação Externa, que detem 141 delegações espalhadas pelo mundo e funciona como uma espécie de "Ministério dos Negócios Estrangeiros" da UE.

segunda-feira, fevereiro 16, 2015

Luisa Dacosta (1927-2015)

Se…
Se eu tivesse um carro
havia de conhecer
toda a terra.
Se eu tivesse um barco
havia de conhecer
todo o mar.
Se eu tivesse um avião
havia de conhecer
todo o céu.
Tens duas pernas
e ainda não conheces
a gente da tua rua.
(Luísa Dacosta)

Luísa Dacosta completaria hoje 88 anos. Morreu ontem. Nasceu na minha terra, em Vila Real, esta escritora discreta, professora de profissão. Ao longo dos anos, deixou muita coisa escrita pelo jornais e pelas revistas - "O Comércio do Porto", "Jornal de Notícias", "Diário Popular", "A Capital", "Seara Nova", "Vida Mundial", "Vértice", "Raiz e Utopia", "Colóquio Letras".

Nunca conheci Luísa da Costa, de que sempre fui vendo fotos de uma senhora de sorriso sereno e de bem com a vida. Julgo ter atentado pela primeira vez na sua obra ao ler o que escreveu sobre a vida das mulheres da aldeia piscatória de A-Ver-O-Mar, para mim um dos nomes mais bonitos de terras portuguesas, que lhe inspiraria vários livros, naquela que foi a sua obra multifacetada, onde surgem o romance, a poesia, as crónicas, os diários e até uma autobiografia.

Ao longo da vida, recebeu vários prémios. O Porto e a Póvoa de Varzim deram-lhe medalhas da cidade. Não sei se Vila Real já homenageou Luísa Dacosta, mas, se tal não aconteceu, deixo aqui a ideia de que, a título póstumo isso possa ser feito*.

* Em tempo: acabo de ser informado que Luisa Dacosta foi já distinguida com a medalha de ouro do município de Vila Real e que, por proposta do respetivo Grémio Literário, foi descerrada uma placa com o seu nome na rua onde nasceu.

domingo, fevereiro 15, 2015

Olhar o Mundo


Se estiver interessado, pode aqui ver o "Olhar o Mundo", o programa de António Mateus na RTP, em que tive o gosto de participar neste fim de semana.
 
Nele foram abordados temas como a situação na Ucrânia, o braço-de-ferro entre a Grécia e a União Europeia, a decisão do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia de isentar a Sérvia e a Croácia do crime de genocídio, bem como a evocação dos 25 anos da libertação de Nelson Mandela e o seu efeito sobre o mundo exterior.
 
No programa foram também afloradas questões como as conversações entre Portugal e os EUA sobre a base das Lajes, a decisão americana de enviar tropas para o terreno para combater o Estado Islâmico, o novo momento entre Washington e Havana, os efeitos da seca e a crise política no Brasil, a suspensão das eleições na Nigéria por virtude dos ataques do Boko Haram, bem como a desestabilização dos Estados da Ásia Central por radicais islâmicos.

Os fachos

A palavra "fachos", que é utilizada também na língua francesa, é uma simplificação jocosa do termo "fascistas". Na minha juventude, nos meios radicais em que me movia, quando queríamos qualificar alguém ligado à ditadura ou que partilhava as suas ideias, não raramente dizíamos: "Esse tipo é um facho!". Mais tarde, já em democracia, vi assim qualificar pessoas politicamente situadas mais à direita, às vezes com grande exagero e alguma crueldade. Mas que os "fachos" (não os fascistas) ainda por aí existem, disso não tenho a menor das dúvidas!

(O Estado Novo não foi um regime fascista. Era uma ditadura disfarçada de "democracia orgânica" que, sendo inspirada no fascismo, nunca adotou as caraterísticas últimas da fórmula original italiana. Há quem o qualifique de "fascismo sem movimento fascista", para dizer que Salazar terá ficado à porta da implantação dos mecanismos próprios de um verdadeiro fascismo, que o "nacional-sindicalismo" de Rolão Preto melhor representaria. Dito isto, não tendo sido uma ditadura sangrenta ao nível das suas homólogas alemã, italiana ou espanhola, não deixou de ser um regime sinistro que perseguiu, torturou e prendeu milhares de cidadãos, tendo deliberadamente liquidado, de forma fria e impune, muitas dezenas dentre eles. Além disso, a ditadura portuguesa foi responsável por uma política colonial sem sentido, que sacrificou gerações de portugueses e africanos, tendo atrasado a inevitabilidade das independência das colónias, alimentando uma guerra inútil em três frentes, sem ter procurado negociar uma solução política que pudesse ter limitado ou faseado o êxodo dos nacionais portugueses emigrados nesse "império" desfasado no tempo.)
 
Voltando aos "fachos". O Estado Novo acabou há quatro décadas, mas continua a haver por aí nostálgicos dos tempos da ditadura ou "democratas" que lhes estão bem próximos. Novos e velhos, do "discurso do taxista" a alguns blogues, de alguma imprensa de província a colunas em certas folhas de cujo nome não me quero lembrar. Por isso, continuo a encontrar boa razão para chamar "fachos" a essa gente. São os denegridores do 25 de abril, os desculpabilizadores de Salazar e da "ordem nas ruas" dos tempo da ditadura, os do "isto só lá vai com uma nova ditadura", os vilipendiadores da luta dos oposicionistas contra o Estado Novo, que quase sempre ficam à porta de dizerem que "pena foi que não tivessem engavetado mais comunas", os que acham que foi o PCP que matou Delgado (ou então usam o cínico "o assunto nunca ficou bem claro..."), que juram a pés juntos que Mário Soares pisou a bandeira nacional em Londres, que viram o Otelo a levar às costas o caixão no enterro de Salazar e outras insanidades similares. A liberdade de que hoje usufruem protege-os para poderem dizer aquilo que lhe dá na real gana. E ainda bem!
 
A iniciativa de dar o nome de Humberto Delgado ao aeroporto de Lisboa, como já se previa, fê-los emergir na linguagem de alguns, nas ácidas reticências imediatas à iniciativa (que logo veremos até onde chegam...), nos comentários tremendistas dos sites de jornais ou nos blogues, quase sempre a coberto do persistente anonimato que revela a sua espinha dorsal e que diz muito do país que (afinal também) somos. Eles aí estão, minhas senhoras e meus senhores: os "fachos"!    
 
(Ilustro este post com uma fotografia de Salazar tirada por Rosa Casaco, chefe da brigada da PIDE que assassinou Humberto Delgado em 13 de fevereiro de 1965)

Escutas e escrivães


Nos últimos dias, o mundo mediático foi-se divertindo com a transcrição de uma escuta de uma conversa entre Paulo Portas e Abel Pinheiro. (Há anos, para a história política portuguesa, já ficara célebre uma transcrição, que ninguém contestou, de uma conversa de Abel Pinheiro sobre o então ministro Telmo Correia, mas que não vem aqui para o caso). O zeloso e cultivado ouvinte e escriba, que passou a conversa a papel, confundiu, por exemplo, a cidade de "Kiel" com a palavra "aquilo". Esta e outras sonoridades similares, mal transcritas, acabaram por gerar por aí uma imensa confusão política, no chamado "caso dos submarinos".
 
Embora não tenha a ver com escutas, mas também com interceção de comunicações, lembrei-me de um caso ocorrido num julgamento, há já alguns anos, numa antiga colónia portuguesa.
 
Um dos presos desse processo era de nacionalidade portuguesa. Antes do julgamento, numa visita à cadeia do nosso representante consular, o homem disse estranhar que, nos autos da acusação, quando surgia referido o seu nome, se seguia sempre a expressão "também conhecido como o Bibi". Ora se ele nunca fora conhecido por Bibi, se nunca ninguém o tratara por esse diminutivo, por que diabo o acusador público insistia naquela estranha alcunha?
 
O assunto foi esquecido por algum tempo. Um dia, o diplomata português teve acesso ao processo e resolveu o mistério. Dele faziam parte várias mensagens de telex (alguns leitores já nem saberão o que isso é), algumas das quais eram assinadas pelo nosso homem. No mundo dos telex, em especial em comunicações sem grande formalidade, havia um hábito internacional de terminar o texto das mensagens com a despedida "By by", para dar conta do fim do contacto. Muitas vezes usava-se o o "i" em lugar do "y" e as palavra surgia junta "bibi". Era o que o acusado fazia nos seus contactos. O nosso "Bibi" (outro houve mais tarde, mais famoso e mais sinistro, mas num processo doméstico) terá sido condenado e, porventura, com sólidas razões. Só que não precisava de ter passado à história judicial daquele Estado africano com esse carinhoso apodo.    

Ucrânia

Não há sinais de que a luz verde dos EUA à utilização dos mísseis de longo alcance pela Ucrânia leve a uma resposta nuclear russa. Moscovo e...