Gosto da expressão "pedaço de asno". O meu amigo Ferreira Fernandes, numa das suas imperdíveis crónicas no DN, utilizou-a, há dias, para crismar um determinado escriba da imprensa a que temos direito. É um qualificativo forte, mas (pensando bem!) tem algo de elegante. Ao utilizá-lo em relação a alguém, foge-se do plebeísmo, não se usa "burro", "besta" ou mero "animal", recorre-se ao termo mais erudito, hoje protegido pelo politicamento correto da preservação das espécies. Asno é, no fundo, um "upgrade". E então se se usar o apóstrofo - "pedaço d'asno" - ascendemos mesmo à nobilitação do conceito. Além disso, quem assim é designado é apenas um pedaço, um bocado, uma fatia de um asno, pelo que, numa determinada leitura, fica mesmo "à porta" de ser um verdadeiro e completo asno. Numa perspetiva menos gloriosa, poderia dizer-se que nem dessa total categoria subequídia se pode reclamar. Mas, se se olhar pelo "bright side" das coisas, numa leitura benévola, a pessoa assim qualificada não chega a ser um verdadeiro asno, o que, de certo modo, pode ser, para ela, um elogio. E, para alguns, é mesmo.
Cá por mim, aprendi de há muito uma expressão para designar esses pobres em espírito: "paralelepípedo batizado". Há décadas que ouvi esta fórmula e acho que a irrecusável solidez do conceito, associado à sua dimensão telúrica, lhe confere uma dignidade que reforça a sua autenticidade. A um paralelepípedo, na sua rusticidade, não se pode exigir que pense mas, ao mesmo tempo, o facto de ser beneficiado com um nome permite-lhe poder reivindicar-se de uma identidade própria. O que não é pouco, para certos cretinos. Na minha terra, bem para o norte, quando a bondade nos leva a escapar dos qualificativos, costumamos atirar a essas figuras uma fórmula definitiva: "quem te atasse um arado!" Fica tudo dito!
Mas tem razão, Ferreira Fernandes, seja como for que os designemos, isto está cada vez mais cheio "deles"!