Na minha infância, o meu pai contava uma história que, na minha família, ficou conhecida como "o pingo de solda".
Uma senhora queixara-se à polícia de que dois trabalhadores, que tinham ido fazer um trabalho elétrico a sua casa, se tinham envolvido numa acesa disputa, com agressões e insultos mútuos, diante dos seus filhos muito jovens. A cena fora tão violenta e a linguagem tão desbragada e vernácula que a senhora entendeu por bem chamar a polícia. (Estamos a falar de outros tempos, em que estas coisas escandalizavam). E os operários foram levados para a esquadra.
Lá chegados, os visados estiveram muito longe de confirmar a versão da senhora. E um deles explicou, cândido: "As coisas não se passaram assim. O que ocorreu é que o meu colega, o Alberto, que estava no alto de uma escada que eu segurava, soldava uns fios. Inadvertidamente, sem a menor intenção, deixou escapar da máquina com que trabalhava um pingo de solda, incandescente, que me caiu no pescoço. Confesso que isso me incomodou um pouco! Daí que eu tivesse exclamado: "Ó Alberto! Vê lá se, para a outra vez, tens mais cuidado! Nada mais!" ".
O grau de plausibilidade da cena era mais do que evidente.
Lembrei-me disto ontem, ao ler no "Expresso" a justificação dada por Ricardo Salgado para o facto de ter recebido do empresário José Guilherme uma "oferta" de 14 milhões de euros (isso mesmo!).
A história é interessante. Salgado revela ter dado a Guilherme "alguns conselhos pessoais sobre a evolução da economia em geral e dos mercados para onde pretendia alargar a sua atividade". Perante uma intenção de Guilherme de investir num determinado país, Salgado tê-lo-á dissuadido e aconselhado outro mercado, onde o empresário acabaria por ter "enorme sucesso". Guilherme, naquilo que Salgado descreve como uma "demonstração aliás muito caraterística do seu caráter grato e generoso", quis "manifestar o seu reconhecimento pela ajuda" prestada pelo banqueiro. E resolveu oferece-lhe a quantia de 14 milhões de euros, mas só após "reiterada insistência", a que Salgado se viu constrangido a vergar-se. Depois, como naturalmente pode acontecer nestas coisas de dinheiro, Salgado esqueceu-se da "prenda" numa conta no Panamá, não a declarando no IRS, mas isso é apenas um pormenor despiciendo.
Esta cena tem uma plausibilidade idêntica à da história do pingo de solda. A similitude é que quer os operários quer o banqueiro tiveram de prestar declarações à polícia. A diferença é que, se bem me lembro, na história do pingo de solda os operários acabavam presos.
8 comentários:
Grande história, embaixador!
Interessante analogia Embaixador. Pingos de solda não faltam por aí. E plausibilidade é uma palavra "transformadora". Gostei!
Sobre o juiz Carlos Alexandre, recordemos algumas das suas actuações, para quem não se lembra, ou já se esqueceu:
Carlos Alexandre, avivando a memória, ilibou o CDS no caso dos sobreiros, ilibou igualmente Oliveira e Costa e os outros amigos de Cavaco no caso BPN e ficou famoso por não ser capaz de investigar e levar a julgamento os responsáveis do BPN. O que lhe terá criado problemas internos. Também interrogou Salgado, notificando-o na sua casa e deixando-o sair, em algumas horas de interrogatório, com uma caução daquelas para “inglês ver” (tendo em conta o património do indivíduo) e, naturalmente, ainda não prendeu ninguém do BES, ninguém dos submarinos, etc. Tudo o que investiga, curiosamente, passa, depois, para o Sol e para o Correio da Manhã (e não inquiriu Felícia Cabrita para lhe perguntar o que quer que seja, com base no indicio de fuga no segredo de justiça, por exemplo).
Armindo Teixeira de Sousa
Há sempre uma explicação, por mais absurda que nos pareça!
A explicação do Sr. Ricardo Salgado ainda consegue ser mais "convincente" que a desta cavalheiro!
https://www.youtube.com/watch?v=ls1NajhXrMw
A. Henriques
Dá que pensar...
Pois é! É isso mesmo... Uns são filhos, outros são enteados... vamos ver o que se segue!...
olha pá. A história é velha de mais de 50 anos. mas contada d'outra maneira. Os funcionários do ministério dos negócios traseiros andam sempre atrasados.
Maravilhosa história Sr. Embaixador
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