quinta-feira, novembro 27, 2014

O governador civil

No tempo "da outra senhora", o lugar de governador civil, em especial na província, era um posto de alguma importância. Os ministros viajavam pouco, Lisboa podia ficar longe e competia aos governadores informar sobre a realidade local e representar localmente o governo. Porque os autarcas eram nomeados pelo partido único, cabia aos governadores - homens da estrita confiança do governo - um papel decisivo na seleção dos presidentes dos municípios e suas vereações. Daí a importância objetiva desses chefes dos distritos, que alguns relativizavam com maior ou menor simpatia, que a outros enfatuava o porte.

Em Vila Real, recordo-me das caras de vários governadores do Estado Novo. Deles me ficou a imagem de que se passeavam pelas ruas com alguma pompa, acompanhados de figuras, figurantes ou mesmo figurões locais, ungidos da vaidade de serem vistos a fazer parte do serralho do poder. O "senhor governador" era, sem exceção, o centro dessa coreografia, revelando o seu ascendente por um pormenor que, para mim, foi sempre significativo: se, durante o passeio, para sublinhar um argumento, ele decidia travar o passo, logo o rebanho à volta suspendia a marcha e atentava nas importantes palavras que sua excelência entendia relevar. E, ao seu estugar do andamento, todos os outros o seguiam. Se Roland Barthes passasse então em frente à Gomes ou na rua Central, retiraria dali um capítulo para os seus estudos de semiologia. No mínimo, dedicaria uma das suas "Mitologias" a essas curiosas figuras que compunham a teatralidade político-social da ditadura.

Porque me lembrei disto agora? Porque passei, há minutos, junto a um desvio para a aldeia de Moura Morta, entre Castro Daire e Lamego, e recordei-me que havia uma figura dessa aldeia que vinha com frequência a Vila Real e que, pela sua pose e ar majestático era conhecida na cidade, jocosamente, como o "governador civil de Moura Morta". Mas não tinha o exclusivo do apodo: um comerciante de Lordelo, às portas de Vila Real, aliás homem simpático e agradável, possuidor de uma "bela figura" e andar pausado, foi também, durante anos, conhecido como o "governador civil" de Lordelo. De certo modo, estas designações acabavam por ser um implícito reconhecimento do prestígio do cargo.

Com a chegada da democracia, os governadores civis deixaram de ter alguma "graça" - e que me perdoem alguns bons amigos que exerceram esse cargo. Com os autarcas a serem as figuras centrais do jogo político local, esses representantes do poder central foram sendo limitados nos seus poderes. O governo que aí anda decidiu mesmo acabar com eles. Não sou nostálgico, mas a entrada de um governador civil da "outra senhora" na Gomes era um espetáculo!

6 comentários:

Graça Sampaio disse...

Gostei especialmente da expressão «o governo que anda aí»...

Fernando B. disse...

O Antoninho de Moura Morta, o dito GC de Moura Morta, não era dessa...Era duma na Régua, que hoje está unida a Vinhós...A de Castro Daire é outra!

patricio branco disse...

sim, eram personagens que ostentavam poder com encenação. a visita do governador civil para inaugurar ou visitar era algo pomposo. lembro-me do de évora, nos anos 50 ou 60 que, tinha como carro oficial um cadillac ou outro americano imponente. e da escolta policial quando se deslocava.

Anónimo disse...

"Com a chegada da democracia, os governadores civis deixaram de ter alguma "graça"....." - mas ainda andaram por cá mais uns 35 anos....

opjj disse...

Faz-me lembrar que há uns anos o governador de Coimbra não quis concorrer à Câmara pq não lhe garantia tempo livre suficiente para fazer o doutoramento.
Cumps.

Albino M. disse...

A correcção de Mouramorta está feita, não insisto.
Mas a grafia do tempo era esta que uso, não a de Moura Morta. Da da Régua não sei, da de Castro Daire (que o povo dizia o Crasto, é como afirmo: Mouramorta...
E creio que é assim também que o topónimo aparece no conhecido romance de Aquilino, Volfrâmio.

Falemos então da velhice, através de Philippe Noiret

"Il me semble qu'ils fabriquent des escaliers plus durs qu'autrefois. Les marches sont plus hautes, il y en a davantage. En tou...