domingo, abril 20, 2014

Notre Europe

No próximo dia 30 de abril, moderarei em Paris um debate entre o antigo presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, e a deputada europeia portuguesa, Elisa Ferreira, sob o lema "Crise de la zone euro: les souverainités nationales è l'épreuve", inserida na Conferência internacional "L'Union Européenne: quels pouvoirs, quelle démocratie". 

Trata-se de uma iniciativa conjunta da Fondation Notre Europe e da Fundação Calouste Gulbenkian. A conferência contará, nomeadamente, com intervenções de Artur Santos Silva, do novo secretário de Estado dos Assuntos Europeus francês, Harlem Désir, do antigo deputado europeu Jean-Louis Bourlanges e do ministro adjunto português Miguel Poiares Maduro. Jacques Delors fará o discurso de encerramento da conferência.

Mário Quartin Graça (1940-2014)

Morreu Mário Quartin Graça. Acabo de o saber pela nota que o Guilherme Oliveira Martins deixou no blogue do Centro Nacional de Cultura.

Conheciamo-nos mal, mas apreciávamo-nos. Vivemos em circuitos diferentes, mas tínhamos amigos comuns que nos fizeram aproximar, em especial nos últimos anos, em que trocámos diversa correspondência, onde emergiram interesses comuns, experiências partilhadas em tempos diversos. Em comentários neste blogue, deixou notas sempre agradáveis, atentas e interessantes.

Mário Quartin Graça era um homem do mundo da cultura, com passagens de muito mérito pelo espaço diplomático. Ler as suas memórias, "Páginas Amarelas", um livro que me enviou com amável dedicatória e a cujo lançamento com pena fui forçado a faltar, ajuda-nos a perceber melhor um homem que gostava muito da vida, das coisas e das pessoas, que teve o grande mérito de não se ter apenas passeado, indiferente ou lúdico, pelos lugares por onde andou e trabalhou. Estudou e interpretou, com argúcia não isenta da graça que lhe estava no nome, esses mundos que frequentou e que tão bem retratou. Comungávamos um interesse agudo pelo Brasil, eu invejava-lhe a experiência espanhola que profissionalmente me ficou a faltar.

Tenho muita pena em não ter tido o privilégio de conhecer melhor Mário Quartin Graça. Na pessoa do seu filho Luís, diplomata que há meses cruzei em Ancara e com quem falei do seu pai, deixo o meu sentido respeito a toda a sua família.

sábado, abril 19, 2014

Bouteflika

Em 1989, fui numa visita de trabalho à Argélia. Durante um jantar num hotel da capital, fiquei sentado ao lado de um diplomata de um importante país europeu, que era tido por excelente conhecedor da vida política local. Na conversa, veio a certa altura à baila o nome de Abdelaziz Bouteflika. Fora uma figura proeminente da política do país, destacara-se como ministro dos Negócios Estrangeiros e, de repente, saíra de cena. Eu seguira essa carreira e tinha alguma curiosidade sobre a sua situação, à época.

O meu interlocutor explicou-me que Bouteflika, depois do exílio a que fora forçado, regressara recentemente ao país, tinha perdido prestígio e era tido como uma "carta jogada", como uma figura do passado. Ficou-me na memória uma sua frase algo depreciativa: "coitado, anda por aí, desejoso de ser convidado pelas embaixadas". Fiquei impressionado, confesso.

Voltei à Argélia por duas vezes, nos anos 90. Em ambas as ocasiões, Bouteflika continuava numa certa obscuridade política. A avaliação do meu interlocutor de 1988 parecia confirmar-se.

Em 1999, Bouteflika foi eleito presidente da República. Ocupa o cargo há 15 e acaba de ser reeleito ontem por mais cinco anos. 

A análise política recomenda sempre grande prudência e moderação nos juízos. Em especial nos definitivos.

Assalto à embaixada

Não é vulgar, mas de quando em vez acontecem assaltos a representações diplomáticas. Raramente os crimes têm uma motivação política, sendo as mais das vezes meros roubos, idênticos aos que podem ocorrer em qualquer escritório.

Ontem, foi anunciado que a nossa embaixada em Tripoli, na Líbia, foi assaltada, tendo um vigilante sido ferido. A situação de forte instabilidade que afeta aquele país potencia este tipo de incidentes, revelando as dificuldades em que se processa o trabalho de alguns dos diplomatas que Portugal tem espalhados por esse mundo. Deixo aqui um abraço de "bon courage" para a Isabel Pedrosa, que chefia a nossa missão em Tripoli.

Um dia, em 1981, na Noruega, fui confrontado com uma situação insólita. Num sábado à tarde, passei pela chancelaria para "ver a cifra". Essa era uma prática corrente, nesse tempo: ir durante o fim de semana à zona das comunicações da embaixada, para verificar se acaso tinha chegado qualquer comunicação urgente de Lisboa. Hoje em dia, com o mundo dos emails, essa prática caiu em forte desuso.

A nossa chancelaria em Oslo é numa moradia (ver imagem), partilhada com dois outros escritórios. Subi a escada interior que levava ao primeiro andar e abri a porta de acesso à embaixada. Ainda não tinha dado um passo dentro do hall de entrada quando ouvi o que me pareceu ser um ruído de vozes, num tom muito baixo. Perguntei, em português, quem estava no escritório, não fosse dar-se o caso de algum funcionário ter decidido passar por lá nesse dia. Era uma hipótese pouco provável, mas era possível. Não obtive qualquer resposta, mas um novo "restolho" deixou-me a certeza de que andava por lá gente. Tive o bom senso de não me aventurar, porque não somos pagos para heroicidades patetas. Fechei a porta, desci as escadas e pedi a uma pessoa que vinha comigo no carro para ir avisar o embaixador, que vivia perto. Com outra pessoa, "montei guarda" à porta da moradia. 

Minutos depois, chamámos a polícia, que chegou rapidamente. Teve o cuidado em verificar bem a minha identidade, obtendo autorização para intervir, porque não queria poder ser responsabilizada por entrar numa missão diplomática estrangeira, à revelia da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. A operação de entrada teve contornos "de filme". Minutos depois, constatou-se que os assaltantes - porque se tratava de um roubo - haviam saltado pelas traseiras para a neve, fugindo através de quintais vizinhos. Provavelmente, haviam-no feito ainda antes da chegada da polícia. Tinham assaltado também um dos outros escritórios. No nosso caso, o roubo foi ínfimo, talvez devido ao facto de eu os ter interrompido.

Muita graça teve a atitude do meu embaixador. Homem dado a teorias conspirativas, que via agentes secretos por todo o lado, alimentou por dias as mais bizarras teorias sobre as motivações do assalto, chegando a sugerir a implicação de funcionários da embaixada, bem como de familiares do pessoal. A "aventura" não teria tido um mínimo de piada se não fosse essa sua especulação obsessiva e quase delirante. Debalde me esforcei por demonstrar a escassez de interesse que alguém teria de roubar os nossos "segredos". Pois sim! Quem vive vidrado em temas de serviços secretos nunca está disponível para aceitar que as coisas, na maioria das vezes, são muito simples.

O bicarbonato

Era a manhã de uma quinta-feira de Páscoa. Lembro-me bem porque, a partir da hora do almoço, o país público fechava: lojas, rádios e até os cafés passavam a regime atenuado, nesse Portugal do final dos anos 50. Eu devia ter aí uns 11 ou 12 anos.

Por esse tempo, perto de minha casa, em Vila Real, havia uma pequena tabacaria, dirigida por uma figura com aquela "gravidade" que costuma atingir alguns homens de meia idade, sempre de fácies fechado, como que para serem levados a sério, cara de "poucos amigos". Embora criança, eu era, curiosamente, um desses "amigos". Passava por lá muito tempo, à conversa, sei lá sobre quê. Não obstante as mais de três décadas de idade que nos separavam, ele aturava-me. A boa letra que então tinha convertia-me também num seu benévolo "ajudante": escrevia-lhe parte da correspondência para as distribuidoras e para os serviços de expedição dos jornais, regulando encomendas e sobras. Em implícita troca de vantagens, eu lia lá pela tabacaria revistas que não tinha dinheiro para adquirir.

"Isilda, traz o bicarbonato!", ouviu-se, nesse dia, do lado de fora da porta. Era o dono da tabacaria a chegar, montado na sua Zundapp, fumegante e ruidosa, com uma caixa de madeira na parte de trás, de onde emergiam os rolos de jornais, que tinha ido buscar ao comboio.

(Eu deliciava-me com a abertura desses rolos, sempre embrulhados em jornais antigos. Por ali vinha a imprensa desportiva, mas também os jornais diários, além do "O Século Ilustrado" e a "Flama". Para mim, à época, os interesses eram outros. Eram, essencialmente, as revistas brasileiras de histórias "aos quadradinhos", desde os "cowboys" às publicações da Disney. Do que era editado em Portugal, a minha prioridade ia para o "Cavaleiro Andante", o "Mundo de Aventuras", o "Condor Popular" e coisas assim. O "Tintim", antecedido do "Foguetão", ainda não tinha surgido e o meu gosto pela "Crónica Desportiva" e pela "Plateia" ainda estava por surgir.)

O nosso homem entrou na loja, com o boné de felpo de que nunca se separava, os rolos de jornais sob o braço. Pousou-os ao longo do balcão que enchia toda a largura da loja. A Isilda, mulher de carrapito e abundante buço, com ar mais velho do que ele, atenta e veneradora, já vinha com o copo borbulhante do bicarbonato, que iria atenuar as azias estomacais do marido, cujo excesso de álcool era por demais evidente. Coisa habitual, diga-se, sempre potenciando o seu mau génio, de que a mulher e os filhos eram um alvo regular. O homem bebeu o copo de líquido esbranquiçado de um trago.

Tempo de Páscoa, a Isilda ousou revelar: "Encomendei um folar, ali na padaria". O que ela foi dizer! Foi o pretexto de que o marido estava à espera para explodir o seu mal-estar. Um bofardo desancou a cara da Isilda, que andou uns metros para o lado, recuperando-se da dor e da vergonha pelo meu embaraçado testemunho da cena. Por entre um chorrilho de insultos à mulher, o homem mal dera por mim. Discretamente, esgueirei-me para a rua, para não assistir às cenas dos próximos capítulos. Durante uns dias, não voltei a passar por lá. Depois, o apelo das revistas foi mais forte e, uma tarde, regressei. Fui acolhido com um sorriso triste da Isilda, meio cúmplice.

Era assim, o Portugal de então. Terá mudado muito? Nunca mais esqueci esse episódio de Páscoa.

sexta-feira, abril 18, 2014

Desilusão


Nunca na vida adquiri um bilhete de lotaria, só na adolescência me lembro de ter jogado no Totobola, há muitos anos entrei uma vez ou outra no Totoloto em grupos e por forte insistência de amigos, não compro raspadinhas e não faço a menor ideia de como se aposta no Euromilhões. Não frequento casinos nem aposto rigorosamente em nada que envolva dinheiro. Não jogo na bolsa, não sou proprietário de nenhuma ação nem de uma única obrigação. O dinheiro que tenho e ganho devo-o apenas meu trabalho, não à sorte. 

Mas ontem senti um "frisson" de alguma desilusão quando vi que nenhuma das minhas faturas fora premiada com um automóvel. Porquê? Porque esperava (esperava?) que o que ainda nos sobra de Estado, depois da ação desta "comissão liquidatária" que o dirige, tivesse a dignidade, através desse sorteio, de me devolver um pouco do que me anda a espoliar nos últimos anos. Apenas por isso.

García Márquez

Há quase década e meia, circulou pela internet uma carta atribuída a Gabriel García Márquez, que era como que a despedida da vida de um homem em estado terminal. O texto era muito bem escrito, embora talvez demasiado "piegas" para ser do autor do "Cem anos de solidão", e teve um imenso sucesso no circuito (infernal) dos reencaminhamentos. No que me toca, recebi-o de vários amigos e conhecidos. Já não "podia" com a carta...

Não tardou muito a constatar-se que, afinal, o texto não era de García Márquez, era apenas uma genial invenção de alguém suficientemente dotado para poder ter uma escrita com uma qualidade suficiente para poder ser confundida com a do romancista colombiano. O próprio García Márquez veio a terreiro desmentir a autoria da carta - a qual, nem por isso, deixou de circular, de quando em vez. Só faltou a García Márquez dizer, como Mark Twain, que "as notícias sobre a minba morte são manifestamente exageradas".

Há pouco, vi nas notícias que García Márquez morreu. Alguma vez a história havia de coincidir com o boato.

A Revolução de Abril

Na tarde de 21 de abril, vou intervir no Congresso "A Revolução de Abril", organizado pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, a ter lugar no Teatro Nacional D. Maria II.

Faço parte de um painel sob o tema "Portugal no Mundo", moderado por Teresa de Sousa e integrado por Jorge Sampaio, José Fortes Bouzan, Pilar del Rio e Manuela Aguiar. José Madeiros Ferreira estava previsto para integrar este debate.

Para quem possa estar interessado, aqui fica o programa completo do Congresso.

quarta-feira, abril 16, 2014

Salazar e a emigração

Há cerca de ano e meio, em Paris, chegou ao meu conhecimento que ia ser publicada em francês uma tese universitária que refletia sobre atitude do salazarismo face à emigração. Contactei os editores e propus que o lançamento do livro fosse feito na embaixada de Portugal em Paris. Assim viria a acontecer.

Hoje, tive um grande gosto em estar presente na Fundação Mário Soares no lançamento em Portugal do livro "A ditadura de Salazar e a emigração", da autoria de Victor Pereira, tradução da obra original.

As intervenções de Irene Pimentel, que apresentou a obra, e do autor deram-nos conta de vários aspetos que o trabalho aborda, desde as ações de intimidação levadas a cabo pela polícia política portuguesa na comunidade emigrada à referência à importante questão, ainda muito pouco estudada, dos desertores e refratários da guerra colonial - uma temática que ainda vive abafada por um ambiente de incompreensível "incomodidade", que urge romper.

Uma nota final. O autor fez uma análise às intervenções públicas de Salazar, procurando nelas encontrar referências ao tema da emigração. E fez a impressionante constatação de que o ditador, perante uma realidade incontornável da vida portuguesa de então, manteve sempre um total mas significativo silêncio.

terça-feira, abril 15, 2014

Estratégia

 
Parece evidente que Portugal vive hoje sem uma estratégia nacional clara, contentando-se a vogar ao sabor da conjuntura e de agendas externas que não domina. Por essa razão, o país limita-se a reagir na base de um casuísmo que, frequentemente, torna inglórios esforços sectoriais, por mais meritórios que estes sejam. A sensação que Portugal projeta, no plano externo, é a de um país que está de tal forma condicionado pela urgência financeira que colocou todas as suas restantes opções numa espécie de "pousio", à espera de melhores dias. Um país assim é uma presa fácil para o oportunismo externo.

Com a ausência de um pensamento orientador para o país e a aparente falta de vontade de o promover, a crispação e a clivagem criadas face aos sectores políticos alternativos, bem como às forças económicas e sociais, veio agravar esta imagem de desorientação, de mera "navegação à vista", que é a forma mais lamentável de se exercer a responsabilidade de Estado. 

O que se passou com a "discussão" dos fundos do novo QREN foi bem revelador: em escassas semanas, pretendeu-se substituir, através de um modelo de "pareceres" e "consultas", um trabalho que deveria ter partido do cruzamento das novas disponibilidades com uma estratégia de Estado, previamente consensualizada, projetada no médio e longo prazos do novo quadro financeiro comunitário, que será o essencial do investimento público disponível para os próximos anos. 

A responsabilidade essencial desta falta de orientação pertence, como é óbvio, ao governo. Mas não só. Desde logo, parece insólito que o presidente da República, em face de uma grave situação de crise, não tivesse tido, durante os últimos anos, a iniciativa de promover uma reflexão nacional sobre as grandes opções para o futuro do país, para ela convocando as forças políticas, económicas e sociais. Nada disto tem a ver com o patético Conselho de Estado para discutir o "pós-troika" ou com a bizarra semana de conversas entre a maioria e o PS, numa espécie de recado de "entendam-se!" 

Num tempo tão turbulento, marcado pelo imediatismo da conjuntura, uma realização deste género - eventualmente apoiada no "conceito estratégico nacional" que uma comissão preparou para o governo em 2012 - poderia ter sido um valioso contributo para tentar consensualizar uma orientação para o país, válida para além dos ciclos políticos. E não se diga que o chefe do Estado não pode "meter-se" neste tipo de iniciativas: pelo contrário, a sua legitimidade política própria exige que exerça o seu papel para além da "espuma dos dias". Caso contrário, ficará condenado a que seja questionada a necessidade do presidente ser eleito pelo voto popular, bastando-lhe ser uma simples emanação da maioria parlamentar.

Termino com um reflexo externo desta evidente falta de estratégia. Na Europa, "ouve-se" há três anos o silêncio de Portugal, nota-se o olhar oficial angustiado para Berlim, a preocupação em furtar-se a qualquer política de alianças que possa ser menos bem vista pelos detentores da "safety net" que o governo acredita que os alemães nos estenderão, se alguma coisa "correr mal". No mundo, retraímos o dispositivo e a ação diplomática e hoje apenas "vendemos o país", limitados a uma imagem de "Oliveira da Figueira". É pouco e é triste. Portugal merecia melhor.

Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

segunda-feira, abril 14, 2014

Gdansk

Olhando para a coleção de selos que, durante anos, me ajudou a desenhar a geografia política do mundo em que ia viver, o meu pai falava-me de Dantzig, a cidade mártir, do seu "corredor", cuja ocupação pelos alemães lançou a 2ª Guerra mundial. Dantzig tinha selos próprios, como "cidade livre" que chegou a ser. Ainda possuo alguns.

Decorreram uns anos. Dantzig já era designada pelo nome polaco de Gdansk. Vivia eu na Noruega e, em 1980, a cidade passou a ser o lugar onde nasceu o Solidarnosć, onde surgiu Lech Walesa à frente de uma revolta que iria abalar, ainda mais, os alicerces do muro que estava prestes a cair em Berlim. 

Quase duas décadas depois, acompanhei Jorge Sampaio numa viagem de Estado à Polónia. No roteiro figurava, como não podia deixar de ser, uma deslocação a Gdansk, a capital da Pomerânia polaca, onde nasceram Schopenhauer e Gunter Grass. Confesso que cuidei mesmo em que passássemos pelo estaleiro "Lenin", onde a revolta tivera o seu início.

(Devo dizer que então estranhei - e disse-o - que Lech Walesa não tivesse sido associado a nenhuma das cerimónias oficiais, como antigo presidente do país. A minha estranheza foi, contudo, recebida com uma reação por parte dos nossos anfitriões: Walesa já não era uma figura muito popular, a imagem "heróica" que dele sobrevive no imaginário oficial internacional não parece ser acompanhada internamente, um pouco ao jeito da de Gorbachev, na Rússia de hoje. "Vocês convidam o Otelo para as cerimónias oficiais?", perguntou-me ironicamente um amigo polaco com alguma memória lusitana.)

Estou desde ontem por Gdansk. Já ninguém fala de Walesa. Só me falam da Ucrânia, aqui já ao lado. A uma escassa centena de quilómetros da cidade está o enclave russo de Kalininegrado. A Polónia é hoje um país a que a sua trágica geografia induz preocupações bem concretas. Mesmo que eu próprio possa discordar de algumas avaliações que por aqui são feitas (ouvi-as, idênticas, na passada semana, em Varsóvia), em torno de certas opções geoestratégicas do Ocidente, tenho sempre um profundo respeito pelo sentimento de quem sofreu "muita História".

domingo, abril 13, 2014

MRPP

Existe uma "fórmula" quase imbatível para avaliar o destino dos antigos militantes do MRPP: os que ingressaram no partido antes do 25 de abril, estão em geral à esquerda; os que aderiram post-25 de abril estão à direita. 

Façam o teste com os vossos amigos e conhecidos.

Em mirandês...

Não sem algum orgulho, descobri há pouco isto no blogue Froles Mirandesas:

Yá ye tiempo de ampeçarmos a celebrar nós tamien (depuis de Válter Deusdado que tubo l'einiciatiba) l 25 de abril… que deberie de ser «ua fiesta» cumo screbiu hai dies, nun de ls sous artigos, Francisco Seixas da Costa, ex-ambaixador de Pertual an França. 

Em tempo: e o blogue mirandês reagiu

sábado, abril 12, 2014

Assunção

Vi na televisão a dra. Assunção Esteves dizer que a ida ou não dos capitães de abril a S. Bento no 25 de abril "é um problema deles". É capaz de ter razão. Para mim, é claro: com mais esta declaração, a dra. Assunção Esteves confirmou ser um problema nosso. Dos portugueses.

Cidadania

"Presidi" ontem, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), a um interessante exercício de mobilização de cidadania, que envolveu várias dezenas de pessoas com perfis muito diversos. Tratou-se do Fórum de Vila Real, uma iniciativa que reproduziu idênticos eventos numa dezena de cidades. Nas cerca de quatro horas que o exercício durou, que tinha como pano de fundo os 40 anos do 25 de abril, os participantes dedicaram-se a identificar iniciativas, práticas e viáveis, para promover a cidadania e reforçar a participação democrática. O meu papel foi identificar uma temática entre as várias sugeridas, colocando os interventores a discutir modelos de realizações, sem grandes custos nem necessidade de novas estruturas. Agora, resta verificar o que vai sair deste trabalho. Mas, devo dizer, depois de alguma perplexidade e até ceticismo que inicialmente alimentei sobre o mesmo, fiquei convencido de que há uma reserva de boa vontade e até de utopia que mostra que subsiste ainda um Portugal bem acordado e com uma generosidade solidária. Graças ao 25 de abril, diga-se.

sexta-feira, abril 11, 2014

Injustiças

Acabo de ler: Cristiano Ronaldo foi consultar ao Porto o famoso ortopedista José Carlos Noronha e veio de lá com a certeza de que o problema do seu joelho é simples e sarável.

Esta vida não é justa: há dias, o meu joelho foi visto, uma vez mais, por esse "mago" portuense e a conclusão foi precisamente a oposta. 

C'os diabos! Já não há justiça?!

Assuntos Europeus

O "Le Monde" sublinha hoje o facto de a França ter tido, nos últimos 12 anos, precisamente 12 titulares da pasta dos Assuntos Europeus, nos seus governos. É, de facto, impressionante, esta rotação intensa, num posto governamental para o qual, curiosamente, se exige uma preparação algo específica. Em princípio.

Em Portugal, a nossa experiência não é tão "rica". Entre a entrada para as Comunidades Europeias, em 1986, e 2001 (15 anos), houve apenas dois titulares (um por cerca de 10 anos e outro por pouco mais de cinco anos). Depois disso, isto é, nos últimos 13 anos, tomaram posse entre nós oito titulares dos Assuntos Europeus. Não é o mesmo "ritmo" da França, mas não deixa de ser um número significativo.

A estrutura que, entre nós, o secretário de Estado dos Assuntos Europeus tutela em prioridade tem-se mantido com uma certa estabilidade, desde 1986. Depois do período da Adesão, começou por chamar-se Direção-Geral das Comunidades Europeias, depois dos Assuntos Comunitários, para agora ser dos Assuntos Europeus. A sua estrutura interna teve algumas variações ao longo destes 28 anos, fruto da evolução da leitura quanto ao modelo de coordenação de certos setores com atuação na área europeia. Porém, o setor dos Assuntos Europeus tem sido, ao longo destes anos, um pilar muito sólido, quer no seio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, quer na sua interlocução com as diversas áreas da nossa Administração Pública. No meu caso pessoal, foi um orgulho ter servido nessa casa, em três diferentes cargos de chefia, num período total de quase nove anos.

Palhaçada

Não gosto muito de usar estes termos para uma data a que estou ligado afetivamente, mas acho que a polémica que se está a criar em torno da comemoração dos 40 anos do 25 de abril ameaça converter, uma vez mais, uma evocação que deveria ser festiva numa triste romaria de discursatas, com aproveitamento oportunista por todos, para efeitos políticos de conjuntura. Continuo a pensar o que sempre pensei: o 25 de abril deveria ser comemorado como uma grande festa popular, como uma elegia à liberdade, com o povo na rua numa grande celebração coletiva. Sem um único discurso.

O que, uma vez mais, vai acontecer em São Bento é uma espécie de "assembleia geral" anual do 25 de abril, com os vários "accionistas" a fazerem uma avaliação do "relatório e contas" apresentado pela administração de plantão. Cada um fará o seu "número", uns aproveitando o ensejo para denunciar os "desvios" ao "espírito" de abril, outros tentando passar por entre os pingos das críticas, disfarçando mal a forma como historicamente sempre conviveram com o significado da data. Como há uma eleição à porta, o ensejo irá funcionar como um despudorado tempo de antena de campanha, com os tenores escolhidos a preceito, tentando tirar efeitos cénicos para conquista de prosélitos, para o voto que aí vem.

Os "media" do país europeu com mais canais televisivos de "informação" explorarão, até à exaustão, as "nuances" e as contradições dos adjetivados pronunciamentos, a começar pelo penúltimo texto a ser lido na ocasião pelo ocupante de Belém, que é sempre um "must" na exegese da maratona declaratória da data. De passagem, ouvirão os ex-capitães, todos bem cravados ao peito, irados como lhes compete com a retirada da sua palavra na cerimónia, alguns remoendo patéticas ameaças de um "remake". Os da esquerda mostrarão a sua "indignação" com essa injustiça, os do "outro lado" ("esquerda" assume-se, "direita" esconde-se; por que será?) desvalorizarão o facto, com o argumento de que ninguém é "proprietário" da Revolução - também não lhe chamarão assim, claro, em especial não utilizarão a maiúscula.

Ao final do dia, aquela que deveria ser uma festa da liberdade, acabará transformada num gigantesco "Prós e Contras", com Fátima Campos Ferreira substituída, sem especial vantagem, por Assunção Esteves. Depois queixem-se de que as novas gerações se sentem cada vez mais desligadas do 25 de abril!

quinta-feira, abril 10, 2014

O "22 de Paio Pires"

Há dias, num debate, tive uma ideia "peregrina": falar do "22 de Paio Pires". Havia uma boa razão para isso: estava a tomar a palavra perante um auditório da localidade de Paio Pires. Mas que diabo é o "22 de Paio Pires", perguntarão alguns? Pois é, leitor, foi pela certeza de que a esmagadora maioria do auditório de Paio Pires, ao qual eu falava, não fazia a mais leve ideia do que era o "22 de Paio Pires" que decidi não abordar o tema. Esta é, portanto, desculpem lá!, uma histórieta sobre um "não evento".

O "22 de Paio Pires" foi um divertidíssimo "sketch", interpretado por um ator de que a maioria dos leitores deste blogue também nunca ouviu falar: Humberto Madeira (1921-1971). Madeira tentava ligar para o número de telefone 22 da localidade de Paio Pires e, sequencialmente, saiam-lhe à linha uma diversidade de interlocutores errados, o que tornava a conversa hilariante. 

Falo disto pela circunstância, que cada vez mais me acontece, de ter de cuidar, em conversas ou intervenções públicas, em escolher referências que possam ser entendidas pela generalidade das pessoas presentes. Sei que isto é claramente uma questão etária, mas confesso que começa a ser angustiante ter de olhar em volta, medindo o conhecimento médio do auditório, antes de citar um facto, um autor ou fazer uma graçola com base numa citação.

Tempos atrás, comecei a contar num grupo de jovem colaboradores uma história relacionada com Pedro Moutinho, uma das mais populares figuras da rádio dos anos 40 a 60. Conheci Moutinho bastante bem, já depois do 25 de abril, em circunstâncias curiosas - mas só relevantes em função do conhecimento do passado de Pedro Moutinho. Ele deixara de ser locutor e fora mesmo algo hostilizado pelo regime democrático. A certo passo da minha narrativa, pela cara dos presentes, dei-me conta de que estava a fazer verdadeira "geometria no espaço". Ninguém ouvira alguma vez falar de Pedro Moutinho, pelo que a minha historieta pessoal com este último não tinha, aos seus ouvidos, a menor relevância. Os sorrisos simpáticos que dedicavam ao que lhes dizia relevavam mais de uma piedosa tolerância do que de uma genuína atenção. Aprendi a lição. 

Talvez por isso, abstive-me de contar o episódio do "22 de Paio Pires". Mesmo em Paio Pires. 

Queijos

Parabéns ao nosso excelente queijo!  Confesso que estou muito curioso sobre o que dirá a imprensa francesa nos próximos dias.