terça-feira, agosto 11, 2009
Enfim, juntos
segunda-feira, agosto 10, 2009
Memória de Agostos (II) - 1969
O ano de 1969 anunciava-se decisivo. Em Agosto de 1968, Salazar caíra da cadeira. Marcello Caetano substitui-lo-ia no mês seguinte. Começara a “primavera marcelista”, um logro político que parecia evidente para muitos, mas que, para outros, ainda era visto como uma oportunidade a explorar para a mudança no regime.
Nos meios em que, à época, me movimentava, as esperanças na “abertura” marcelista eram nulas. A confirmá-lo, se necessário fosse, estava a “não homologação” ministerial dos resultados da eleição para a direcção associativa universitária, de que eu próprio fazia parte, e que deu mesmo origem a uma divertida reunião com o ministro José Hermano Saraiva (que um dia contarei). Dentre outras movimentações, nesse importante ano político, há ainda que destacar a grave crise académica em Coimbra. O país andava bem agitado.
E iria ficar mais. Em Outubro de 1969, teriam lugar eleições para a Assembleia Nacional. As primeiras do “marcelismo”. Em Lisboa, tinha já andado envolvido em algumas movimentações preliminares, como a célebre reunião no Palácio Fronteira, onde as águas políticas da Oposição se separaram. À esquerda, ficava a maioritária CDE (Comissão Democrática Eleitoral), onde predominava o PCP, aliado a “católicos progressistas” e a franjas mais radicais. Constatada a impossibilidade de acordo, Mário Soares e os seus amigos da ASP (Acção Socialista Portuguesa) haviam criado a CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática), que concorreu isolada apenas em Lisboa, Porto e Braga. No resto do país, a escassez de recursos oposicionistas forçava à necessária unidade.
Era o caso de Vila Real. De férias na capital transmontana, sou contactado pelo António Leite (em casa de cuja avó se fizera a primeira reunião oposicionista) para integrar a estrutura local da CDE. Foi um período intenso de reuniões e mais reuniões, redacção de artigos e manifestos, agitação dos meios da juventude, alguma tensão ideológica intergeracional. Mas, algum tempo mais tarde, lá estou eu, com Otílio de Figueiredo e Délio Machado, no trio que foi fazer a apresentação formal da lista oposicionista ao Governador Civil, Torquato de Magalhães.
Esse mês de Agosto, em Vila Real, foi inesquecível. Sob a hábil e paternal liderança política de Otílio de Figueiredo, prestigiado médico e figura intelectual local, a oposição estruturava-se num leque amplamente pluralista. As clivagens políticas lisboetas, não nos sendo indiferentes, eram atenuadas pela necessidade de arrebanharmos todas as vozes contestatárias. Estas iam desde elementos que sabíamos ligados ao PCP até ao “reviralhismo” republicano tradicional, passando por figuras da esquerda moderada, que imaginávamos próximos da ASP e de Mário Soares. E, naturalmente, por lá andava algum radicalismo “esquerdalho”, a maioria sem partido, mas com muito sangue na guelra. Neste, recordo em especial o entusiasmo quase “anarca” do João "Bouquet", a grande alma da logística da CDE de Vila Real. E algumas outras figuras (não éramos muitos…) que não cabe aqui elencar.
Esse mês de Agosto de 1969 e o período que se lhe seguiu tiveram de tudo um pouco: reuniões clandestinas, incontáveis viagens pelo distrito, contactos com outros núcleos oposicionistas, discussões épicas na Gomes (o principal café da cidade), chamadas à polícia, censura de artigos na imprensa, dificuldades nas tipografias, ameaças profissionais a muitos aderentes, colagem de cartazes anónimos (fui o criador de um que apenas tinha escrita a palavra “MEDO”, impressa a preto forte, cortada por duas pinceladas de tinta vermelha), pides encartados e “bufos” locais a vigiarem a nossa sede, caravanas de propaganda ameaçadas fisicamente, frequentes insultos pelas ruas por parte de turiferários do regime, a necessidade de fotografar os cadernos eleitorais (não havia cópias distribuídas nem existiam ainda fotocópias, pelo que tivemos de fazer fotografias de todas as páginas das listas de eleitores, no Governo Civil, com um imenso custo financeiro), a impressão e distribuição dos nossos boletins de voto (para quem não saiba, cada lista eleitoral preparava então os seus próprios boletins, aqueles que iriam ingressar nas urnas, e tinha de os entregar pessoalmente a cada eleitor, porta-a-porta, porque os correios eram caros e não fiáveis!), etc.
Foi um belo mês de Agosto! Nunca mais o vou esquecer.
Nos meios em que, à época, me movimentava, as esperanças na “abertura” marcelista eram nulas. A confirmá-lo, se necessário fosse, estava a “não homologação” ministerial dos resultados da eleição para a direcção associativa universitária, de que eu próprio fazia parte, e que deu mesmo origem a uma divertida reunião com o ministro José Hermano Saraiva (que um dia contarei). Dentre outras movimentações, nesse importante ano político, há ainda que destacar a grave crise académica em Coimbra. O país andava bem agitado.
E iria ficar mais. Em Outubro de 1969, teriam lugar eleições para a Assembleia Nacional. As primeiras do “marcelismo”. Em Lisboa, tinha já andado envolvido em algumas movimentações preliminares, como a célebre reunião no Palácio Fronteira, onde as águas políticas da Oposição se separaram. À esquerda, ficava a maioritária CDE (Comissão Democrática Eleitoral), onde predominava o PCP, aliado a “católicos progressistas” e a franjas mais radicais. Constatada a impossibilidade de acordo, Mário Soares e os seus amigos da ASP (Acção Socialista Portuguesa) haviam criado a CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática), que concorreu isolada apenas em Lisboa, Porto e Braga. No resto do país, a escassez de recursos oposicionistas forçava à necessária unidade.
Era o caso de Vila Real. De férias na capital transmontana, sou contactado pelo António Leite (em casa de cuja avó se fizera a primeira reunião oposicionista) para integrar a estrutura local da CDE. Foi um período intenso de reuniões e mais reuniões, redacção de artigos e manifestos, agitação dos meios da juventude, alguma tensão ideológica intergeracional. Mas, algum tempo mais tarde, lá estou eu, com Otílio de Figueiredo e Délio Machado, no trio que foi fazer a apresentação formal da lista oposicionista ao Governador Civil, Torquato de Magalhães.
Esse mês de Agosto, em Vila Real, foi inesquecível. Sob a hábil e paternal liderança política de Otílio de Figueiredo, prestigiado médico e figura intelectual local, a oposição estruturava-se num leque amplamente pluralista. As clivagens políticas lisboetas, não nos sendo indiferentes, eram atenuadas pela necessidade de arrebanharmos todas as vozes contestatárias. Estas iam desde elementos que sabíamos ligados ao PCP até ao “reviralhismo” republicano tradicional, passando por figuras da esquerda moderada, que imaginávamos próximos da ASP e de Mário Soares. E, naturalmente, por lá andava algum radicalismo “esquerdalho”, a maioria sem partido, mas com muito sangue na guelra. Neste, recordo em especial o entusiasmo quase “anarca” do João "Bouquet", a grande alma da logística da CDE de Vila Real. E algumas outras figuras (não éramos muitos…) que não cabe aqui elencar.
Esse mês de Agosto de 1969 e o período que se lhe seguiu tiveram de tudo um pouco: reuniões clandestinas, incontáveis viagens pelo distrito, contactos com outros núcleos oposicionistas, discussões épicas na Gomes (o principal café da cidade), chamadas à polícia, censura de artigos na imprensa, dificuldades nas tipografias, ameaças profissionais a muitos aderentes, colagem de cartazes anónimos (fui o criador de um que apenas tinha escrita a palavra “MEDO”, impressa a preto forte, cortada por duas pinceladas de tinta vermelha), pides encartados e “bufos” locais a vigiarem a nossa sede, caravanas de propaganda ameaçadas fisicamente, frequentes insultos pelas ruas por parte de turiferários do regime, a necessidade de fotografar os cadernos eleitorais (não havia cópias distribuídas nem existiam ainda fotocópias, pelo que tivemos de fazer fotografias de todas as páginas das listas de eleitores, no Governo Civil, com um imenso custo financeiro), a impressão e distribuição dos nossos boletins de voto (para quem não saiba, cada lista eleitoral preparava então os seus próprios boletins, aqueles que iriam ingressar nas urnas, e tinha de os entregar pessoalmente a cada eleitor, porta-a-porta, porque os correios eram caros e não fiáveis!), etc.
Foi um belo mês de Agosto! Nunca mais o vou esquecer.
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Política portuguesa,
Vila Real
domingo, agosto 09, 2009
Paris Plage
Há alguns anos, o "maire" de Paris, Bertrand Delanoë, lançou aquilo que, à partida, parecia ser uma ideia um tanto louca: criar, durante algumas semanas de Verão, um espécie de zona balnear junto ao rio Sena, reproduzindo um ambiente de "praia". Por lá há areia, jogos, piscinas, locais de lazer, áreas de pic-nic, espectáculos musicais e de circo, brincadeiras para crianças, "bistrots" improvisados e uma imensidão de outras amenidades que garantem grande êxito à iniciativa. Interessante também é o crescente empenhamento nas dimensões ambientais, no favorecimento do acesso às pessoas com deficiência, no apoio à economia solidária.
Paris continua a ser a mais procurada cidade turística do mundo e este tipo de genialidades tem tido um papel importante para ajudar a manter esse estatuto, mesmo em tempos de crise.
Ao passar ontem pela "Paris Plage", não pude deixar de lembrar-me que, afinal, sempre haveria alguma razão para a velha frase do Maio 68: "Sous les pavés, la plage"...
Caçadores Cinco
Ninguém bate os amantes da pesca em exageros. Ou melhor, talvez só os caçadores. Aquele meu colega, um embaixador cordial e sempre bem-humorado, hoje reformado, era, de facto, e ao que se sabia, um excelente caçador. Mas, como todos os seus pares, "pintava" imenso as histórias.
Diplomata em Cuba, há algumas décadas, chegou mesmo a ir à caça com Fidel de Castro, de quem dizia, com alguma sobranceria: "O Fidel disparava muito mal. Até eu lhe emprestar a minha Purdey, nunca conseguiu caçar coisa de jeito...". Mas acrescentava: "Já o Raul, era bem melhorzinho".
A conversa que vou relatar, teve-a esse meu colega com um seu colaborador, que o conhecia há pouco tempo e que, por um acaso, não estava familiarizado com as qualidades de caçador do seu novo chefe.
Um dia, veio à baila, num diálogo entre os dois, o tema da caça e interlocutor inquiriu: "O senhor embaixador caça?!". O nosso homem abriu os olhos, como que escandalizado com o indesculpável desconhecimento que a pergunta revelava, e esclareceu, impante: "Se eu caço?! Essa agora?! Eu sou um dos três melhores caçadores da Europa!".
Porém, meio segundo depois, o embaixador teve uma hesitação: "Espera aí!" O tratamento por "tu" é a sua regra normal de relacionamento, logo que conhece alguém, o que o torna ainda mais simpático. O interlocutor, por um instante, achou que ele ia retratar-se do exagero, que a frase lhe saíra precipitada e que iria moderar a dimensão da sua importância como caçador.
E tinha toda a razão. O embaixador logo rectificou: "Eh! pá, três não, "põe" cinco. É que há dois gajos que não são federados".
A modéstia, quando sincera, mesmo que tardia, é sempre uma enorme qualidade...
Diplomata em Cuba, há algumas décadas, chegou mesmo a ir à caça com Fidel de Castro, de quem dizia, com alguma sobranceria: "O Fidel disparava muito mal. Até eu lhe emprestar a minha Purdey, nunca conseguiu caçar coisa de jeito...". Mas acrescentava: "Já o Raul, era bem melhorzinho".
A conversa que vou relatar, teve-a esse meu colega com um seu colaborador, que o conhecia há pouco tempo e que, por um acaso, não estava familiarizado com as qualidades de caçador do seu novo chefe.
Um dia, veio à baila, num diálogo entre os dois, o tema da caça e interlocutor inquiriu: "O senhor embaixador caça?!". O nosso homem abriu os olhos, como que escandalizado com o indesculpável desconhecimento que a pergunta revelava, e esclareceu, impante: "Se eu caço?! Essa agora?! Eu sou um dos três melhores caçadores da Europa!".
Porém, meio segundo depois, o embaixador teve uma hesitação: "Espera aí!" O tratamento por "tu" é a sua regra normal de relacionamento, logo que conhece alguém, o que o torna ainda mais simpático. O interlocutor, por um instante, achou que ele ia retratar-se do exagero, que a frase lhe saíra precipitada e que iria moderar a dimensão da sua importância como caçador.
E tinha toda a razão. O embaixador logo rectificou: "Eh! pá, três não, "põe" cinco. É que há dois gajos que não são federados".
A modéstia, quando sincera, mesmo que tardia, é sempre uma enorme qualidade...
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Histórias da diplomacia
sábado, agosto 08, 2009
Raul
Este blogue é pessoal, pelo que entendo que nele há sempre lugar para assinalar aquilo que respeita aos meus amigos. Mas, mesmo que assim não fosse, a desaparição de Raul Solnado teria, obrigatoriamente, que merecer uma nota de destaque.
Solnado foi uma das grandes figuras do humor português, que marcou gerações. Hoje, pelos jornais, rádios e televisões, muitos lembrarão as suas divertidas histórias em disco, as revistas do Parque, o Zip-Zip, a Cornélia, o Villaret e outras tantas aventuras de uma vida rica que a Leonor tão bem descreveu na sua biografia. Pode dizer-se que, com a sua palavra, o Raul acabou por se transformar, por assim dizer, num amigo íntimo de muitos portugueses, ao longo dos muitos anos que lhes entrou em casa. Para os mais novos, há também um Solnado televisivo e o seu magnífico retrato do polícia Covas em "A Balada da Praia dos Cães". E há, ainda, o Solnado da Casa do Artista, uma obra grande a que tanto se dedicou. E gostava de notar que, no Brasil, por onde andei uns tempos, encontrei sempre um imenso respeito em torno do nome de Raul Solnado - um dos poucos nomes da cultura contemporânea portuguesa que lá dispõe de grande popularidade.
Uma nota mais pessoal. Há muitos anos que o Raul era um dos nossos comparsas da "mesa dois" do Procópio, esse bar lisboeta onde actualizamos o país, numa tertúlia assumidamente irresponsável, marcada pela ironia e pela amizade. Tive a honra de ser, com ele e outros, co-autor da "biografia" editada do Procópio, onde procurámos desenhar as décadas de boa disposição que o "Retiro da Dona Alice" nos proporciona e a que o Raul tanto ajudou. Tivemos o Raul como integrante dos jantares que, em cada Dezembro, juntaram o pessoal da "dois" e que, este ano, se irá fazer sem ele. Na "dois", onde fica para sempre o seu retrato, desenhado pelo Chico Caruso, vamos agora perder, pelas noites, as suas belas historietas. E, mais do que isso, a sua amizade e ternura. Sem o Raul, as coisas passam a ter muito menos graça.
Solnado foi uma das grandes figuras do humor português, que marcou gerações. Hoje, pelos jornais, rádios e televisões, muitos lembrarão as suas divertidas histórias em disco, as revistas do Parque, o Zip-Zip, a Cornélia, o Villaret e outras tantas aventuras de uma vida rica que a Leonor tão bem descreveu na sua biografia. Pode dizer-se que, com a sua palavra, o Raul acabou por se transformar, por assim dizer, num amigo íntimo de muitos portugueses, ao longo dos muitos anos que lhes entrou em casa. Para os mais novos, há também um Solnado televisivo e o seu magnífico retrato do polícia Covas em "A Balada da Praia dos Cães". E há, ainda, o Solnado da Casa do Artista, uma obra grande a que tanto se dedicou. E gostava de notar que, no Brasil, por onde andei uns tempos, encontrei sempre um imenso respeito em torno do nome de Raul Solnado - um dos poucos nomes da cultura contemporânea portuguesa que lá dispõe de grande popularidade.
Uma nota mais pessoal. Há muitos anos que o Raul era um dos nossos comparsas da "mesa dois" do Procópio, esse bar lisboeta onde actualizamos o país, numa tertúlia assumidamente irresponsável, marcada pela ironia e pela amizade. Tive a honra de ser, com ele e outros, co-autor da "biografia" editada do Procópio, onde procurámos desenhar as décadas de boa disposição que o "Retiro da Dona Alice" nos proporciona e a que o Raul tanto ajudou. Tivemos o Raul como integrante dos jantares que, em cada Dezembro, juntaram o pessoal da "dois" e que, este ano, se irá fazer sem ele. Na "dois", onde fica para sempre o seu retrato, desenhado pelo Chico Caruso, vamos agora perder, pelas noites, as suas belas historietas. E, mais do que isso, a sua amizade e ternura. Sem o Raul, as coisas passam a ter muito menos graça.
sexta-feira, agosto 07, 2009
O chapéu
Uma das rotinas mais interessantes dentro do Ministério dos Negócios Estrangeiros foi, durante muitos anos, o chamado "correio de gabinete". Tratava-se de transportar uma mala diplomática, portadora de documentos de elevada confidencialidade, função de que eram quase sempre encarregados os diplomatas mais jovens. Todas as semanas, um funcionário circulava entre várias capitais, levando consigo uma pasta, fechada com selos de chumbo. Era normalmente pequena, mas também podia acontecer ter dimensões bem maiores, sendo nesse caso complicado (embora sempre obrigatório) assegurar o seu transporte na cabine dos aviões, nunca perdendo o volume de vista.
O roteiro de quem ia "de mala" foi variando, em função de diversos factores e conjunturas. Na Europa, recordo ter-me deslocado, por mais de uma vez, a Londres, Bruxelas, Viena e até a Belgrado. Madrid, Paris e Estocolmo, se bem me lembro, também foram abrangidas pelo circuito deste tipo de "malas acompanhadas". Viena era o centro de contacto com as nossas embaixadas das capitais "comunistas" e os colegas nelas colocados estavam sempre ansiosos para dar um salto à capital austríaca, para buscar ou trazer essa correspondência. Fora da Europa, ia-se a Nova Iorque e a Washington.
O roteiro de quem ia "de mala" foi variando, em função de diversos factores e conjunturas. Na Europa, recordo ter-me deslocado, por mais de uma vez, a Londres, Bruxelas, Viena e até a Belgrado. Madrid, Paris e Estocolmo, se bem me lembro, também foram abrangidas pelo circuito deste tipo de "malas acompanhadas". Viena era o centro de contacto com as nossas embaixadas das capitais "comunistas" e os colegas nelas colocados estavam sempre ansiosos para dar um salto à capital austríaca, para buscar ou trazer essa correspondência. Fora da Europa, ia-se a Nova Iorque e a Washington.
Há que confessar que era uma tarefa bastante agradável: uma semana de dispensa de serviço e uma viagem, com ajudas de custo, por cidades simpáticas, embora um pouco numa correria (em Londres ficava-se um dia mais e eramos alojados num pequeno quarto, no edifício da chancelaria). Embora houvesse como que uma escala na atribuição deste encargo, existiram sempre, no Ministério, os chamados "papa-malas", que tinham meios de obter informação prioritária sobre a indisponibilidade pontual dos funcionários escalados e, de imediato, se voluntariavam para os substituir. Às vezes, chegado o bom tempo, até diplomatas bem mais velhos, já mesmo conselheiros de embaixada, faziam um pouco discreto lóbi para "irem de mala", pela vontade de efectuarem uma bela viagem à custa do erário.
Hoje, vistas as coisas à distância, tendo a concordar que uma das vantagens concretas desta instituição dos "correios de gabinete" , num tempo em que se viajava muito menos, era ajudar a aculturar os jovens diplomatas com o mundo exterior, ainda antes de serem colocados no seu primeiro posto.
A história que vou contar, verídica e clássica nas Necessidades, passa-se em Lisboa, numa determinada repartição, creio que no início dos anos 60.
Um velho e prestigiado embaixador está à conversa numa sala onde trabalham diversos diplomatas. A certo momento, fica a saber-se que um dos jovens secretários presentes vai "de mala" na semana seguinte. O rumo da conversa, por uma qualquer razão, deriva para a questão dos trajes e fala-se de usar ou não do chapéu. O embaixador volta-se, então para o jovem secretário que irá "de mala" e inquire: "E o colega, usa chapéu?".
Ser tratado por "colega" por um embaixador "chevronné" era uma distinção que, à época, deixava os mais novos orgulhosos e, desde logo, quase obsequiosos. O rapaz, um tanto aturdido, responde que ainda não, que nunca tinha usado chapéu. O embaixador, experiente, adianta: "Meu caro amigo, usar chapéu, na Carreira, não é obrigatório. Mas é um hábito que fica sempre bem, que dá muita classe. Se o meu amigo quer um conselho, compre um chapéu. Vai ver que, em algumas ocasiões, isso lhe dará uma grande elegância".
Seduzido pela atenção que lhe era dispensada por tão alta figura da "Casa", o jovem diplomata deixa escapar que, pensando bem, vai acabar por comprar um chapéu. Aliás, recorda-se que até já tinha pensado nisso, mas nunca se tinha decidido, em definitivo. Mas agora, "já que o senhor embaixador recomenda", vai mesmo comprar um.
Nesse instante, o embaixador exclama: "Olhe lá! Lembrei-me agora: você vai a Londres! Não há melhor cidade do mundo para chapéus. Mais do que isso: estamos na época dos saldos! E, em Londres, onde você encontra estupendos chapéus é no Bates, ali na Jermyn Street. São magníficos! Porque não aproveita? Você vai estar lá dois dias, dá uma saltada ao Bates e compra um chapéu".
O jovem secretário sente-se impulsionado, entre o rápido convencimento e uma subliminar intimidação, e concede: "De facto, é uma boa ideia. Vou passar por lá e compro um chapéu.". "Faça isso, homem, faça isso, é uma bela oportunidade!", diz o embaixador, dando ares de se encaminhar para a porta de saída da sala.
De repente, porém, o embaixador estaca. E, voltando-se para o jovem colega, inquire: "Então você vai mesmo comprar o chapéu?". "Vou, vou" diz o outro, já num tom entre o decidido e o resignado, começando a estranhar a insistência. Aí, o velho diplomata lança-lhe: "E vai ao Bates? Excelente! É, de facto, a melhor opção! Aliás, dá-se uma coincidência curiosa, de que agora me recordo: eu tenho um chapéu encomendado, precisamente no Bates. Se o colega lá vai comprar o seu, podia levantar o meu chapéu e trazer-mo. Já está pago. Tem aqui talão. Fico-lhe muito grato...."
Hoje, vistas as coisas à distância, tendo a concordar que uma das vantagens concretas desta instituição dos "correios de gabinete" , num tempo em que se viajava muito menos, era ajudar a aculturar os jovens diplomatas com o mundo exterior, ainda antes de serem colocados no seu primeiro posto.
A história que vou contar, verídica e clássica nas Necessidades, passa-se em Lisboa, numa determinada repartição, creio que no início dos anos 60.
Um velho e prestigiado embaixador está à conversa numa sala onde trabalham diversos diplomatas. A certo momento, fica a saber-se que um dos jovens secretários presentes vai "de mala" na semana seguinte. O rumo da conversa, por uma qualquer razão, deriva para a questão dos trajes e fala-se de usar ou não do chapéu. O embaixador volta-se, então para o jovem secretário que irá "de mala" e inquire: "E o colega, usa chapéu?".
Ser tratado por "colega" por um embaixador "chevronné" era uma distinção que, à época, deixava os mais novos orgulhosos e, desde logo, quase obsequiosos. O rapaz, um tanto aturdido, responde que ainda não, que nunca tinha usado chapéu. O embaixador, experiente, adianta: "Meu caro amigo, usar chapéu, na Carreira, não é obrigatório. Mas é um hábito que fica sempre bem, que dá muita classe. Se o meu amigo quer um conselho, compre um chapéu. Vai ver que, em algumas ocasiões, isso lhe dará uma grande elegância".
Seduzido pela atenção que lhe era dispensada por tão alta figura da "Casa", o jovem diplomata deixa escapar que, pensando bem, vai acabar por comprar um chapéu. Aliás, recorda-se que até já tinha pensado nisso, mas nunca se tinha decidido, em definitivo. Mas agora, "já que o senhor embaixador recomenda", vai mesmo comprar um.
Nesse instante, o embaixador exclama: "Olhe lá! Lembrei-me agora: você vai a Londres! Não há melhor cidade do mundo para chapéus. Mais do que isso: estamos na época dos saldos! E, em Londres, onde você encontra estupendos chapéus é no Bates, ali na Jermyn Street. São magníficos! Porque não aproveita? Você vai estar lá dois dias, dá uma saltada ao Bates e compra um chapéu".
O jovem secretário sente-se impulsionado, entre o rápido convencimento e uma subliminar intimidação, e concede: "De facto, é uma boa ideia. Vou passar por lá e compro um chapéu.". "Faça isso, homem, faça isso, é uma bela oportunidade!", diz o embaixador, dando ares de se encaminhar para a porta de saída da sala.
De repente, porém, o embaixador estaca. E, voltando-se para o jovem colega, inquire: "Então você vai mesmo comprar o chapéu?". "Vou, vou" diz o outro, já num tom entre o decidido e o resignado, começando a estranhar a insistência. Aí, o velho diplomata lança-lhe: "E vai ao Bates? Excelente! É, de facto, a melhor opção! Aliás, dá-se uma coincidência curiosa, de que agora me recordo: eu tenho um chapéu encomendado, precisamente no Bates. Se o colega lá vai comprar o seu, podia levantar o meu chapéu e trazer-mo. Já está pago. Tem aqui talão. Fico-lhe muito grato...."
Guantánamo
Concretizando a disponibilidade anunciada em Dezembro de 2008. no sentido de poder receber prisioneiros detidos no campo americano de Guantánamo, na ilha de Cuba, sobre os quais não impendessem acusações susceptíveis de serem presentes à Justiça, o Governo português acaba de divulgar que vai acolher, no seu território, dois cidadãos de nacionalidade síria.
No comunicado há momentos emitido, Portugal anuncia que vai conceder a estes dois ex-detidos um visto especial, no quadro da sua legislação nacional. E adianta que o encerramento de Guantánamo, onde a anterior administração americana encerrou os "combatentes inimigos" a quem se recusava conceder os direitos previstos nas Convenções de Genebra, é "uma vitória para todos os que defendem e promovem o respeito pelos Direitos Humanos no quadro da luta contra o terrorismo".
Gostava de recordar que o Governo português foi o primeiro, no seio da comunidade internacional, a anunciar a sua disponibilidade de ajudar os Estados Unidos da América a pôr fim à base de detenção de Guantánamo.
Com este gesto, Portugal demonstrou saber assumir plenamente as suas responsabilidades políticas no quadro internacional e, em especial, os interesses da comunidade política e de valores que regem a relação transatlântica.
No comunicado há momentos emitido, Portugal anuncia que vai conceder a estes dois ex-detidos um visto especial, no quadro da sua legislação nacional. E adianta que o encerramento de Guantánamo, onde a anterior administração americana encerrou os "combatentes inimigos" a quem se recusava conceder os direitos previstos nas Convenções de Genebra, é "uma vitória para todos os que defendem e promovem o respeito pelos Direitos Humanos no quadro da luta contra o terrorismo".
Gostava de recordar que o Governo português foi o primeiro, no seio da comunidade internacional, a anunciar a sua disponibilidade de ajudar os Estados Unidos da América a pôr fim à base de detenção de Guantánamo.
Com este gesto, Portugal demonstrou saber assumir plenamente as suas responsabilidades políticas no quadro internacional e, em especial, os interesses da comunidade política e de valores que regem a relação transatlântica.
quinta-feira, agosto 06, 2009
Benfica
Num jogo desta sua (excelente) pré-temporada, o Benfica fez alinhar, ao que parece pela primeira vez na sua história, 11 jogadores estrangeiros. Nada a dizer, num domínio em que a nacionalidade já hoje é praticamente irrelevante, salvo no caso das naturalizações oportunistas para integrar selecções nacionais.
Só que o caso do Benfica tem, apesar de tudo, uma característica diferente. Durante muitas décadas, a equipa da Luz orgulhava-se de nunca ter recrutado jogadores estrangeiros e terá sido, em Portugal, a última a abandonar essa prática. É claro que eram outros os tempos, tempos em que o pé-de-obra colonial trazia por aí Eusébios, Colunas ou mesmo Costa Pereiras, quase a preços de saldo. A "exploração colonial" tinha estas dimensões mais benévolas.
Neste contexto, seria agora interessante reflectir sobre o que significa este fenómeno da adesão a um emblema, seja quem for que o esteja a representar. Trata-se de um curioso mas complexo processo de construção de afectividade, que deriva de uma total irracionalidade, embora favorecida por factores de natureza conjuntural (região, família, grupos). Aliás, a prova mais irrefragável dessa mesma irracionalidade, assumida frequentemente com ares de seriedade, é detectável na substância do "argumentário"- esse sim, caricatural e supostamente racional - com que o facciosismo pretende explicar as motivações profundas de uma qualquer opção clubística.
Este é um tema fascinante, com a única garantia de ser, como sabemos, o início de uma discussão sem fim.
Só que o caso do Benfica tem, apesar de tudo, uma característica diferente. Durante muitas décadas, a equipa da Luz orgulhava-se de nunca ter recrutado jogadores estrangeiros e terá sido, em Portugal, a última a abandonar essa prática. É claro que eram outros os tempos, tempos em que o pé-de-obra colonial trazia por aí Eusébios, Colunas ou mesmo Costa Pereiras, quase a preços de saldo. A "exploração colonial" tinha estas dimensões mais benévolas.
Neste contexto, seria agora interessante reflectir sobre o que significa este fenómeno da adesão a um emblema, seja quem for que o esteja a representar. Trata-se de um curioso mas complexo processo de construção de afectividade, que deriva de uma total irracionalidade, embora favorecida por factores de natureza conjuntural (região, família, grupos). Aliás, a prova mais irrefragável dessa mesma irracionalidade, assumida frequentemente com ares de seriedade, é detectável na substância do "argumentário"- esse sim, caricatural e supostamente racional - com que o facciosismo pretende explicar as motivações profundas de uma qualquer opção clubística.
Este é um tema fascinante, com a única garantia de ser, como sabemos, o início de uma discussão sem fim.
quarta-feira, agosto 05, 2009
Música
Já tinha dado por isso, em anteriores ocasiões, mas só na passada segunda-feira senti vontade de sentar-me, com alguma calma, para apreciar a música ao vivo que o belo Aeroporto do Porto oferece aos seus utentes.
Naquele ambiente por regra agitado, onde intimamente vivemos na permanente angústia de poderem ter mudado a hora e a porta de embarque, em que somos tentados a queimar tempo e dinheiro com uma nova revista internacional que (não) vamos ler ou com a compra de um perfume que (não) nos faz falta, que bom que foi perder (ou ganhar, depende da perspectiva) um quarto de hora para ouvir dois intérpretes de música portuguesa.
Curiosamente, tive muitos poucos companheiros nesta sessão, com a maioria dos passageiros a olharem à distância, como que desconfiados e temerosos de que, no final, lhes viessem estender um boné para recolha de moedas.
Da próxima vez que um atraso me apanhar no Porto, lá estarei à espera que me dêem música. Desta vez foi uma guitarra e uma viola, há meses ouvi por lá jazz e há ainda no local um piano que abre interessantes pespectivas. Humanizar lugares por natureza desumanos é uma nobre iniciativa.
Naquele ambiente por regra agitado, onde intimamente vivemos na permanente angústia de poderem ter mudado a hora e a porta de embarque, em que somos tentados a queimar tempo e dinheiro com uma nova revista internacional que (não) vamos ler ou com a compra de um perfume que (não) nos faz falta, que bom que foi perder (ou ganhar, depende da perspectiva) um quarto de hora para ouvir dois intérpretes de música portuguesa.
Curiosamente, tive muitos poucos companheiros nesta sessão, com a maioria dos passageiros a olharem à distância, como que desconfiados e temerosos de que, no final, lhes viessem estender um boné para recolha de moedas.
Da próxima vez que um atraso me apanhar no Porto, lá estarei à espera que me dêem música. Desta vez foi uma guitarra e uma viola, há meses ouvi por lá jazz e há ainda no local um piano que abre interessantes pespectivas. Humanizar lugares por natureza desumanos é uma nobre iniciativa.
Portugueses
Fui ontem a Limoges transmitir um abraço de solidariedade aos nossos compatriotas que aí estão hospitalizados, na decorrência do terrível acidente de viação que, no sábado, matou cinco pessoas, entre os quais um cidadão holandês, e deixou um grande número de feridos, alguns deles ainda em situação delicada. Antes de partir de Paris, fui avisado de outro acidente, poucas horas antes, com mais um morto e muitos feridos, desta vez na zona de Bordéus.
Este tipo de ocorrências tornou-se quase como uma sina anual dos nossos emigrantes, no seu regresso sazonal ao país. Ao longo de décadas, um imenso número de portugueses deixou o seu sonho de vida, e o dos seus familiares, pelas estradas de França, Espanha e Portugal, por razões diversas, e às vezes cumulativas, que vão desde a velocidade, a imperícia, o cansaço e outros estados físicos impróprios para a condução, bem como deficiências nas viaturas.
Campanhas de advertência têm sido levadas a cabo por entidades francesas ou da comunidade portuguesa - como foi o caso da "Cap Magellan" -, mas os seus efeitos são sempre limitados. É que alguns pensam que estas coisas acontecem apenas aos outros.
À noite, no meu regresso de Limoges, desembarquei na Gare de Austerlitz. E não pude deixar de lembrar-me que estava a chegar a Paris pela mesma estação ferroviária onde, há algumas décadas, muito provavelmente, haviam desaguado, pela primeira vez, alguns daqueles que agora desapareceram. Ironias deste destino português em França.
terça-feira, agosto 04, 2009
Memória de Agostos (I) - 1967
Uma derradeira boleia deixou-me na Porte d’Italie. Nessa manhã, tinha partido de Blois, depois de cinco dias com diversas paragens, condicionadas pelas disponibilidades de transporte. O mapa de Paris que trazia comigo, obtido no turismo francês em Portugal, era o então conhecido “Paris à vol d’oiseau”, com desenhos dos prédios e um recorte do centro da cidade que nos dava a ilusão de podermos “conhecer”, por antecipação, os monumentos e artérias principais. Mal eu sabia, ao chegar à Porte d’Italie, que a capital francesa era muito e muito mais do que isso. E ainda hoje continuo a aprender...
Eu havia preparado, com muito cuidado, essa minha saída de férias pela Europa, depois de um ano académico pouco feliz. A boleia era então um método de viagem muito comum, particularmente para quem tinha menos de 20 anos e queria conhecer o mundo europeu, sem grandes encargos, com uma mochila às costas. O Inter Rail estava para ser inventado e os tempos que então se viviam eram suficientemente calmos para gerar confiança em quem nos abria, com simpatia, as portas das suas viaturas. E, pela parte de quem solicitava boleia, o sentimento de segurança era quase generalizado. Nessa que foi a primeira de algumas viagens do género que fiz pela Europa, o meu objectivo era ir de Portugal à Noruega, com Paris como uma incontornável escala.
Cheguei aqui no dia 4 de Agosto de 1967, faz hoje precisamente 42 anos. Lembro-me de nesse dia ter apanhado, creio que pela primeira e última vez, um daqueles autocarros com uma plataforma aberta nas traseiras, que agora só se vêem nos filmes. Descobrir lugar para uma dormida compatível com aquilo que tencionava gastar, numa tarde de um Agosto turístico, revelou-se uma tarefa muito difícil. Corri “seca e meca”, mas todos os “auberges de jeunesse” que os livros indicavam estavam mais que cheios. E o final da tarde aproximava-se.
Foi então que alguém me falou do Centre International de Séjour, na Porte de Vincennes. De metro, fui lá parar, defrontando-me logo com uma fila de espera considerável. O processo de registo era assegurado por dois funcionários, cujo gesticular revelava já um certo cansaço, seguramente provocado pela pressão e pelo calor intenso do dia. Longos minutos decorreram e a fila pouco andava. A certo passo, um dos funcionários soltou uma sonora e impublicável imprecação… em castiço português. Não resisti e, lá de trás, do fundo da fila, mandei-lhe um “boa tarde”. O homem olhou-me à distância, com cara de poucos amigos, mas logo lançou, num berro: “Você aí! Avance!”. Um tanto atrapalhado, ultrapassei a longa fila, com imensa gente a protestar, a caminho do balcão. O nosso patrício, com uma lata incomensurável, mas bem olímpico no seu desplante, limitou-se a informar os contestatários, bem alto, desta vez em francês, da óbvia evidência: “Este senhor tem reserva!"
Não seria esta a última vez que ser português me traria vantagens na obtenção de dormida em Paris.
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segunda-feira, agosto 03, 2009
Fome
A visita oficial estava prestes a chegar ao fim. O jovem membro do Governo português tinha concretizado a sua primeira deslocação a África, a um país de expressão francesa. As coisas haviam corrido bastante bem e o embaixador havia decidido organizar um jantar final de “estadão”, para retirar legítimos dividendos do sucesso. Convidados para o repasto estavam, entre outras personalidades, todos os interlocutores do nosso político. Porém, a mais ansiada presença era a do homem poderoso do regime, o ministro das Finanças, com o qual não fora possível marcar um encontro, na agenda da visita. Ora a resolução de algumas questões bilaterais passava essencialmente por ele e, por essa razão, tê-lo à mesa seria muito importante.
Chegada a hora, os convidados lá foram aparecendo, alguns com a costumeira imprecisão temporal africana. Porém, mais de uma hora tinha já passado e o ministro das Finanças local não havia meio de aparecer. Comecei a detectar alguma inquietação no seio da delegação portuguesa, tanto mais que o jovem político era muito avesso a improvisos e a situações que saíam da rotina programada.
A certa altura, constatando o nervosismo crescente do nosso governante, já exausto das conversas preliminares com os seus interlocutores locais, recordo-me de ter dito ao embaixador que seria importante passarmos à mesa. “Mas falta ainda o ministro das Finanças!...”, retorquiu-me, embaraçado. Eu compreendia que era uma pena perdermos essa “cartada”, que ele preparara com tanto cuidado, mas tínhamos de acelerar as coisas, de uma vez por todas. “Vou telefonar ao ministro!”, disse. Ora aí estava uma excedente ideia. E lá desapareceu para uma sala anexa.
Regressou cinco minutos depois. Trazia na cara algum desânimo pontuado, contudo, por um sorriso enigmático. E anunciou que tínhamos de jantar sem o ministro das Finanças. O jovem político, pouco dado a absorver contrariedades, mostrou um inicial “carão”, mas era preciso ir em frente. E o jantar acabou por correr bem.
No final, despachados que foram todos os convidados, restando nos salões apenas a delegação portuguesa, alguém inquiriu: “E então por que diabo é que o ministro das Finanças não veio?”. E o nosso embaixador, já com um amplo sorriso, lá nos contou a sua conversa telefónica com o convidado faltoso.
No contacto, perguntou ao ministro se havia recebido o convite para o jantar dessa noite. A resposta foi logo surpreendente: que sim, que tinha recebido, que sabia que era para estar com um político português e que estava muito grato por ter sido convidado. Desconcertado, o embaixador perguntou-lhe: “Et à quelle heure vous avez l’intention d’arriver, M. le Ministre?”. A resposta foi magistral: « Ah!, mais non, M. l’Ambassadeur, je vais pas. Ce soir j’ai pas faim… »...
domingo, agosto 02, 2009
Camarões
Portugal tinha-se manifestado algo intransigente em aceitar uma proposta, creio que em matéria agrícola, que os países da África, Caraíbas e Pacífico (ACP) tinham apresentado, no quadro das suas negociações comerciais com as então Comunidades Europeias. Era uma situação um pouco delicada, dada a nossa conhecida atitude favorável aos acordos com os países em desenvolvimento. Porém, as instruções recebidas de Lisboa eram imperativas e não podíamos "levantar a reserva" - como se diz no linguarejar negocial.
A questão técnica era assegurada, no âmbito da delegação portuguesa àquela reunião no Luxemburgo, por um especialista cuja familiaridade com as línguas estrangeiras estava longe de ser o seu mais notório atributo. Apesar disso, achou-se importante que fosse ele a explicar as nossas razões ao presidente de turno do grupo dos países ACP, o embaixador dos Camarões em Bruxelas. E combinou-se um encontro.
Tudo correu bastante bem, o nosso homem exprimiu-se de forma razoavelmente compreensível e, o que era mais importante, ficou passada a mensagem da nossa boa-vontade e empenhamento em ser encontrada, a curto prazo, uma solução para o problema. Estava salva a honra do convento! O breve encontro terminou e, em jeito de conversa já social, o embaixador perguntou ao nosso homem: "Et vous avez déjà visité mon pays?". Com um sorriso simpático, o interlocutor português respondeu ao embaixador dos Camarões: "Non, M. l'Ambassadeur, je n'ai jamais visité les Crevettes"!
Não peçam para descrever a cara do camaronês...
sábado, agosto 01, 2009
Ásia
Só quem visitou alguns países da Ásia pode testemunhar o modo extremamente positivo como a herança histórica portuguesa aí sobreviveu. Descontadas as desventuras da descolonização dos territórios na Índia, que suscitou reacções que ainda hoje emergem acidamente em sectores residuais do tecido sócio-político de Goa, a imagem geral de Portugal nas paragens asiáticas é muito acarinhada. Mesmo em países como a Indonésia, que connosco mantiveram uma conflitualidade recente por virtude da questão de Timor-Leste, a memória portuguesa aparece citada por toda a parte e é-nos constantemente lembrada, com simpatia, a nossa contribuição no léxíco e nos costumes locais, bem como, frequentemente, no seu património arquitectónico, militar e religioso.
A imagem que um país e os seus cidadãos provoca nos outros é um importante factor constitutivo da sua identidade internacional. Por isso, quando positiva, torna-se num valor imaterial sem preço, porque, na maioria dos casos, não resulta de uma criação artificial, mas de uma longa decantação da História. E, por essa razão, é um fenómeno mais genuíno e mais duradouro.
Falo hoje desta questão porque, numa conversa, há dias, alguém me referia o facto de, aparentemente, não ter havido celebrações condignas dos 500 anos da chegada dos portugueses ao Sri Lanka. E de se aproximar, a passos largos, idêntica data relativa à Tailândia. E, ainda ontem, um amigo me falava, com entusiasmo, do que encontrou de referências portuguesas, numa sua ida recente ao Japão.
Portugal é um país cuja riqueza histórica é incomensuravelmente superior à sua capacidade de a projectar no mundo contemporâneo. Não temos meios financeiros para provocar a produção de filmes, publicações, cátedras, visitas e outras medidas de "promoção", à altura da qualidade daquilo que ficou inscrito no nosso passado. Veja-se o que fazem os espanhóis com Cristóvão Colombo, para termos um termo de comparação.
No tempo da ditadura, a História portuguesa foi utilizada como instrumento de adubamento da ideologia do regime. A hagiografia em torno de certas figuras, por vezes com um exagero que roçou o ridículo, bem como a hiperbolização megalómana dos feitos gloriosos do nosso passado foi feita, durante algumas décadas, de uma forma tão caricatural e simplista que, não raramente, acabou por afastar as pessoas do apreço que lhe era realmente devido. O papel da História portuguesa no imaginário nacional sofreu imenso com esse descarado oportunismo político e, a meu ver, isso ainda se faz sentir em muitos sectores da sociedade portuguesa.
Voltando ao que interessa: a Ásia actual, a meu ver, continua a ser um terreno magnífico para assentar uma redescoberta serena dos tempo em que os portugueses por lá andaram.
A imagem que um país e os seus cidadãos provoca nos outros é um importante factor constitutivo da sua identidade internacional. Por isso, quando positiva, torna-se num valor imaterial sem preço, porque, na maioria dos casos, não resulta de uma criação artificial, mas de uma longa decantação da História. E, por essa razão, é um fenómeno mais genuíno e mais duradouro.
Falo hoje desta questão porque, numa conversa, há dias, alguém me referia o facto de, aparentemente, não ter havido celebrações condignas dos 500 anos da chegada dos portugueses ao Sri Lanka. E de se aproximar, a passos largos, idêntica data relativa à Tailândia. E, ainda ontem, um amigo me falava, com entusiasmo, do que encontrou de referências portuguesas, numa sua ida recente ao Japão.
Portugal é um país cuja riqueza histórica é incomensuravelmente superior à sua capacidade de a projectar no mundo contemporâneo. Não temos meios financeiros para provocar a produção de filmes, publicações, cátedras, visitas e outras medidas de "promoção", à altura da qualidade daquilo que ficou inscrito no nosso passado. Veja-se o que fazem os espanhóis com Cristóvão Colombo, para termos um termo de comparação.
No tempo da ditadura, a História portuguesa foi utilizada como instrumento de adubamento da ideologia do regime. A hagiografia em torno de certas figuras, por vezes com um exagero que roçou o ridículo, bem como a hiperbolização megalómana dos feitos gloriosos do nosso passado foi feita, durante algumas décadas, de uma forma tão caricatural e simplista que, não raramente, acabou por afastar as pessoas do apreço que lhe era realmente devido. O papel da História portuguesa no imaginário nacional sofreu imenso com esse descarado oportunismo político e, a meu ver, isso ainda se faz sentir em muitos sectores da sociedade portuguesa.
Voltando ao que interessa: a Ásia actual, a meu ver, continua a ser um terreno magnífico para assentar uma redescoberta serena dos tempo em que os portugueses por lá andaram.
sexta-feira, julho 31, 2009
Luas
Ao ver reportada, há dias, a persistente existência de alguns cépticos, por esse mundo fora, que ainda não acreditam na chegada do homem à Lua, em Julho de 1969, não pude deixar de recordar um episódio anedótico anterior, passado em Portugal.
Estávamos em 1957 e a União Soviética anunciara a colocação em órbita do seu primeiro satélite, o Sputnik. Este primeiro passo na aventura espacial, hoje considerado decisivo para tudo o que se lhe seguiu, não foi muito bem visto por alguns sectores oficiais portugueses, quiçá tementes que, com esse êxito, as doutrinas políticas que emanavam de Moscovo pudessem ter o seu caminho facilitado no nosso país.
Ora uma voz da “ciência” portuguesa, o astrofísico professor Varela Cid, concluíra uma teoria sobre o tema que agradava ao regime. E recordo que aí tivemos, com direito a quadro negro e explicações a giz, a demonstração pelo nosso “sábio” luso, na nascente RTP, da "impossibilidade" prática de um satélite poder ser posto em órbita.
Estávamos em 1957 e a União Soviética anunciara a colocação em órbita do seu primeiro satélite, o Sputnik. Este primeiro passo na aventura espacial, hoje considerado decisivo para tudo o que se lhe seguiu, não foi muito bem visto por alguns sectores oficiais portugueses, quiçá tementes que, com esse êxito, as doutrinas políticas que emanavam de Moscovo pudessem ter o seu caminho facilitado no nosso país.
Ora uma voz da “ciência” portuguesa, o astrofísico professor Varela Cid, concluíra uma teoria sobre o tema que agradava ao regime. E recordo que aí tivemos, com direito a quadro negro e explicações a giz, a demonstração pelo nosso “sábio” luso, na nascente RTP, da "impossibilidade" prática de um satélite poder ser posto em órbita.
Não há limites para o ridículo.
quinta-feira, julho 30, 2009
Assinatura
Há uma velha teoria segundo a qual os diplomatas passam metade da vida a escrever aquilo que os outros assinam e uma outra metade a assinar aquilo que os outros escrevem.
As coisas não serão bem assim, mas a tendência funcional é para que isso aconteça. Por mim, continuo a esforçar-me para não dar razão à segunda parte da frase, escrevendo ainda a maioria das coisas que assino.
quarta-feira, julho 29, 2009
Estátuas
Umas férias no "Portugal profundo" dão-nos mais tempo para observar, com cuidado, o novo património escultórico que enxameia as localidades portuguesas.
Não coloco em causa a importância de dar trabalho a alguns esforçados artistas, mas confesso quee me sinto chocado pelo mau-gosto que impera em algumas cidades e vilas, frequentemente em locais com grande dignidade.
Dou o exemplo de uma terra a que estou muito ligado, Viana do Castelo: dois mostrengos estão a estragar, respectivamente, a intocável Praça da República e o Largo de S. Domingos. No primeiro caso, é uma feiíssima alegoria a uma temática brasileira. No segundo (vejam...) é uma figura a cavalo (parece um burro...), desproporcionada e monstruosa.
Não é possível lançar uma campanha nacional para abolir estes monos?
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Viana do Castelo
segunda-feira, julho 27, 2009
Bela definição
Rei Juan Carlos definindo a "profunda sintonia" entre Portugal e Espanha" na inauguração do Instituto Ibérico de Nanotecnologia: "Nem podia ser de outra maneira entre duas nações antigas, vizinhas, amigas, sócias e aliadas".
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domingo, julho 26, 2009
"Literatura"
A vida editorial francesa, para além de coisas sérias e profundas que estão na génese de uma sociedade onde o valor das coisas intelectuais é muito respeitado, tem um "outro lado", com sucesso garantido. São livros fáceis, de um género perecível, ao final de algumas semanas.de exposição. Mas é um mercado muito rentável, a julgar pelos "tops" de vendas.
Este tipo de volumes, assentes nos "affaires", é, em si mesmo, muito francês. Nos últimos anos, contudo, parece haver uma crescente tendência para se ir para além da fronteira do mero "voyeurisme" político, passando para um terreno que mistura cada vez mais a alcova com a intriga. Dir-me-ão que isso sempre existiu; é verdade, mas agora há, claramente, mais.
Curiosamente, a imprensa francesa, sempre muito atenta à "petite histoire", pareceu, durante algum tempo, relativamente imune às histórias sentimentais clandestinas, contrariando a prática da sua congénere anglo-saxónica. Agora, começa também a mudar.
Em Portugal, este género de literatura tem escassos seguidores, se excluirmos algumas "obras" de escândalo que, depois de algumas semanas de evidência, saem para lugares discretos das mesas das livrarias. Geram dinheiro, rendem fotografias, queimam reputações e enchem os egos de alguns protagonistas. Mas, felizmente, não parece fazerem escola. E ainda bem.
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sábado, julho 25, 2009
Ártico
Dormir num saco-cama, assente numa placa de esferovite directamente pousada sobre o gelo, numa tenda militar, bem a Norte do círculo polar ártico, com uma temperatura exterior de cerca de 25º negativos, é uma experiência para a qual se exige uma certa coragem. A verdade é que a tenda tinha no centro uma espécie de aquecedor, com uma chaminé que saía pelo tecto. E no seu interior, valha a verdade, a temperatura estava bem acima dos números de fora. Mesmo assim...
Estávamos num campo de treino da NATO, organizado pelas tropas norueguesas, em 1980. O dia fora longo e eu partilhava o espaço com dois colegas, um belga e um turco. Chegados à nossa tenda, enfiei-me logo no meu saco-cama, saquei de uma lanterna de bolso, que prudentemente levara comigo, e pus-me a ler o "Herald Tribune" do dia. Acompanhava-me uma pequena garrafa metálica com um belo whisky de malte, em cuja tampa, com esmero, coloquei algum gelo que raspei do chão. As recomendações NATO tinham sido estritas - nada de alcool! -, mas achei que uma pequena excepção podia ser admissível para o civil inverterado que eu era. E nem a proximidade do Pólo Norte tinha o condão de me afastar de alguns comezinhos prazeres mais cosmopolitas...
Notei que o meu amigo belga adormeceu logo e estranhei ver o turco a tentar fazê-lo fora do saco-cama. Disse-me que estava com calor e que ficaria bem assim...
Acabadas a minha dose de whisky e a leitura, adormeci também. Acordei, creio que cerca de uma hora depois, alertado pelo belga. O nosso colega turco, imprudente, ao ter-se deixado dormir fora do saco-cama, estava agora enregelado, sentia-se mal e não conseguia aquecer, nem sequer aproximando-se do aquecedor.
Que se podia fazer? Sair da tenda, à procura de ajuda, na gélida e ventosa noite ártica, era quase suicida. Adiantei uma ideia: porque não bebia o nosso amigo turco um bom trago do meu whisky? Seguramente que isso poderia ter um efeito-choque, ajudando à sua recuperação. O belga concordou que era uma boa sugestão. E é aí que o turco nos surpreende: "não posso beber álcool. Sou muçulmano". E continuava a tremer de frio.
Com diplomacia e poder argumentatório - estávamos entre diplomatas - tentámos convencê-lo de que os ditames religiosos, com toda a certeza, eram passíveis de pontual derrogação quando estava em causa a salvação da vida. O whisky podia assim ser considerado, no caso vertente, como um mero medicamento - "embora bem mais saboroso do que é habitual", lembro-me de ter pensado. O turco, já um pouco em pânico, acabou por concordar em seguir a opção que lhe era oferecida: bebeu uma boa dose do meu velho malte e até repetiu... E lá aqueceu, como previsto, conseguindo dormir.
Pergunto-me, até hoje, se a minha leitura das regras religiosas muçulmanas esteve ou não correcta. E será que me posso considerar culpado se acaso o meu amigo turco, por via da minha sugestão, mudou de hábitos de vida?
Estávamos num campo de treino da NATO, organizado pelas tropas norueguesas, em 1980. O dia fora longo e eu partilhava o espaço com dois colegas, um belga e um turco. Chegados à nossa tenda, enfiei-me logo no meu saco-cama, saquei de uma lanterna de bolso, que prudentemente levara comigo, e pus-me a ler o "Herald Tribune" do dia. Acompanhava-me uma pequena garrafa metálica com um belo whisky de malte, em cuja tampa, com esmero, coloquei algum gelo que raspei do chão. As recomendações NATO tinham sido estritas - nada de alcool! -, mas achei que uma pequena excepção podia ser admissível para o civil inverterado que eu era. E nem a proximidade do Pólo Norte tinha o condão de me afastar de alguns comezinhos prazeres mais cosmopolitas...
Notei que o meu amigo belga adormeceu logo e estranhei ver o turco a tentar fazê-lo fora do saco-cama. Disse-me que estava com calor e que ficaria bem assim...
Acabadas a minha dose de whisky e a leitura, adormeci também. Acordei, creio que cerca de uma hora depois, alertado pelo belga. O nosso colega turco, imprudente, ao ter-se deixado dormir fora do saco-cama, estava agora enregelado, sentia-se mal e não conseguia aquecer, nem sequer aproximando-se do aquecedor.
Que se podia fazer? Sair da tenda, à procura de ajuda, na gélida e ventosa noite ártica, era quase suicida. Adiantei uma ideia: porque não bebia o nosso amigo turco um bom trago do meu whisky? Seguramente que isso poderia ter um efeito-choque, ajudando à sua recuperação. O belga concordou que era uma boa sugestão. E é aí que o turco nos surpreende: "não posso beber álcool. Sou muçulmano". E continuava a tremer de frio.
Com diplomacia e poder argumentatório - estávamos entre diplomatas - tentámos convencê-lo de que os ditames religiosos, com toda a certeza, eram passíveis de pontual derrogação quando estava em causa a salvação da vida. O whisky podia assim ser considerado, no caso vertente, como um mero medicamento - "embora bem mais saboroso do que é habitual", lembro-me de ter pensado. O turco, já um pouco em pânico, acabou por concordar em seguir a opção que lhe era oferecida: bebeu uma boa dose do meu velho malte e até repetiu... E lá aqueceu, como previsto, conseguindo dormir.
Pergunto-me, até hoje, se a minha leitura das regras religiosas muçulmanas esteve ou não correcta. E será que me posso considerar culpado se acaso o meu amigo turco, por via da minha sugestão, mudou de hábitos de vida?
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Adeus, "Expresso"!
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