António Vitorino e Augusto Santos Silva, o primeiro há dias, o segundo hoje, anunciaram não irem avançar com uma candidatura presidencial. Se acaso o tivessem feito, seriam acusados de se terem colocado no "mercado" político de António José Seguro, que tem no terreno, desde há já algum tempo, uma candidatura própria. A desistência de ambos revelou um grande sentido de responsabilidade, procurando evitar a divisão da esquerda e do centro-esquerda.
À direita, "les jeux sont faits". Gouveia e Melo arrebanhará, com naturalidade, todo o eleitorado populista e de direita, moderada e extrema, ficando por definir o momento em que o voto do Chega se lhe colará. A vítima direta será o candidado oficial do PSD, Luís Marques Mendes, cujos votantes também parecem seduzidos, cada vez mais, a vogarem pelas águas do almirante.
À esquerda, não obstante toda a consideração pessoal e política que merece a figura de António Filipe, ficou hoje claro que o único candidato que se apresenta como um claro contraponto a Gouveia e Melo é António José Seguro.
Conheço António José Seguro há bastantes anos. Fomos colegas de governo, onde ele foi secretário de Estado e ministro, trabalhámos de perto quando liderou os socialistas no Parlamento Europeu, a seu convite colaborei na iniciativa "Novo Rumo", com a qual o Partido Socialista procurou desenhar, em tempos difíceis do governo de "coligação" PSD-Troika, uma alternativa ao "passismo".
Em 2011, Seguro foi herdeiro de um partido que fora copiosamente derrotado nas eleições, depois de ter assinado o "memorando de entendimento" a que o colapso financeiro tinha forçado a gestão de José Sócrates. Ao seu lado, se a expressão se deve aqui utilizar sem ironia, Seguro teve um grupo parlamentar desenhado pelo seu derrotado antecessor, e que nunca lhe facilitou a vida.
Com a passagem do tempo e com o surgimento de resultados políticos tidos por insuficientes, o seu difícil papel começou a ser contestado dentro do PS. Uma pulsão em favor de António Costa foi crescentemente tomando conta do partido. Em face dessa pressão e do desafio de Costa, António José Seguro tomou a corajosa decisão de organizar uma votação, aberta a simpatizantes, para um tira-teimas em termos do nome do futuro líder.
A resposta dos votantes foi a escolha de António Costa. Seguro abandonou, com dignidade, a liderança, remetendo-se ao silêncio a partir de então. Antes disso, porém, cometeu, a meu ver, um erro grave: nos debates públicos com António Costa utilizou uma linguagem confrontacional que se afastou radicalmente da serenidade da imagem que era a sua. Não havia necessidade - e muitos de nós dissemos-lhe então isso, com a frontalidade que se deve aos próximos. A meu ver, esse foi o seu único mas grande erro.
António José Seguro esteve por uma década num quase silêncio. Afastou-se da política ativa e dedicou- se so ensino. Aos 63 anos, ao aproximar-se a mudança de ciclo em Belém, decidiu, com toda a legitimidade, ensaiar um regresso à vida pública, apresentando-se como candidato presidencial.
Não começou por assegurar a unanimidade dentro do Partido Socialista, bem como de pessoas próximas do partido, como foi o meu caso. Há meses, deixei aqui claro que a minha primeira opção ia, preferencialmente, para outras hipóteses. Contudo, não se tendo qualquer dessas candidaturas concretizado, não tenho hoje a menor dúvida em afirmar que o meu voto, em janeiro de 2026, irá para António José Seguro. E, com toda a liberdade de quem já não é militante, ouso esperar que o Partido Socialista se una em torno da sua candidatura. Vir a ter um Belém um comprovado democrata, uma personalidade equilibrada, íntegra, com forte e comprovada experiência, nacional e europeia, com uma incontestada capacidade de diálogo e bom conhecimento dos mecanismos políticos do Estado, é algo em que vale a pena apostar.