segunda-feira, setembro 15, 2025

Vamos andando!


Há muito que não acredito na treta de que o ano começa no dia primeiro de janeiro. Essa é uma conversa de quem se subordina ao calendário formal. O verdadeiro ano, como já todos percebemos, começa em setembro e acaba lá para o fim de julho. A "rentrée", esse magnífico conceito francês, que também acompanha o início do ano letivo, define o novo ciclo anual. Saem novos livros, regressam os eventos culturais, os últimos dias de setembro aconselham já o uso de "une petite laine", os jardins enchem-se de folhas, um chá no fim de tarde já se agradece. Alguns de nós trazem do agosto listas de coisas para fazer, almoços a combinar, consertos do corpo, concertos para o espírito. Neste período em que já andamos, surgem-me marcadas na agenda, pelo menos a cada dois dias, às vezes mesmo todos os dias, muitas e desvairadas coisas. Que, se fizerem por metade, já seria bem bom! E há que apressar-nos: daqui até ao Natal é um saltinho. Depois, com o Carnaval (já quase não dou por ele) e a Páscoa pelo meio, aparecem então uns meses mais longos, nos quais se pode fazer muitas coisas, como viajar, quando a vida, a bolsa e a pachorra o permitem. Para o fim desse período, lá virá julho. E, depois, são logo as férias, até ao início do novo ano, como agora. Afinal, é tudo tão simples! Ou melhor, seria simples, não fossem as chatices inesperadas que o destino caprichará em nos oferecer, com o virar das semanas. Mas, entretanto, vamos andando, não é? Eu, pelo menos, vou.

Notícias do império


Os EUA de Trump não querem aliados, querem súbditos.

domingo, setembro 14, 2025

Dualidade

O mesmo mundo que tão empenhado se mostrou em afastar a Rússia da vida desportiva internacional, como forma de condenar a invasão da Ucrânia, revela-se bastante menos lesto a punir identicamente Israel em face da chacina de Gaza. 

Por que será?

Em França como por cá


sexta-feira, setembro 12, 2025

Saúde

Do discurso de Ursula von der Leyen no Parlamento Europeu, ficou-me no ouvido algo que me preocupou: a referência a uma possível nova emergência sanitária. A Comissão Europeia, que tecnicamente é sempre muito competente, não faria este alerta de não houvesse algo concreto no ar.

Cavaco Silva


No dia de ontem, assisti a uma prestação de Aníbal Cavaco Silva, num evento na Nova SBE, organizado pelo "Financial Times", em que tive o gosto de ser convidado a intervir. Ele foi o "keynote speaker", antes do painel em que participei. 

Cavaco Silva tem 86 anos e é, nos dias de hoje, um dos políticos portugueses com mais experiência  - uma década como primeiro-ministro, outra como presidente. Nos últimos tempos, as suas esporádicas incursões públicas situam-se, frequentemente, no terreno daquilo a que os franceses chamam "politique politicienne" (política politiqueira, pode traduzir-se), coisa que não aprecio minimamente e em que entendo que ele esbanja o lugar que assegurou na história política do país, qualquer que seja a opinião que se tenha sobre esse seu tempo.

Ontem, foi uma exceção. Num discurso bem construído em inglês, Cavaco Silva fez a sua leitura dos desafios de Portugal, na Europa e no mundo, com considerações sobre o nosso papel internacional, revelando permanecer atento às grandes questões globais. Foi muito assertivo e não se escusou a emitir algumas opiniões fortes, por detrás das quais se podiam mesmo intuir algumas críticas ao atual governo, como no caso das relações com a China. Revi-me em algumas dessas opiniões  - mais do que estava à espera, confesso -, em outras não.

Nas intervenções que fiz logo em seguida, dei comigo a citar Cavaco Silva, coisa que, ao que recordo, nunca me tinha acontecido. Alguma vez havia de ser a primeira.

Todos os anos...


... pelo verão (não "pela primavera", como no livro de Sttau Monteiro), um grupo de oito amigos, quatro casais, junta-se por três dias à conversa, num local recôndito, apenas para confraternizar. Raramente saímos do mesmo sítio, quase sempre ao ar livre: por ali charlamos, rimos, comemos e bebemos, quase sem horários e, claro, sem protocolos. Sou o mais velho de todos, o que se deita e levanta mais tarde, e, a grande distância, o mais "esquerdalho", mas a política é coisa que só perpassa muito ao de leve por ali. Na tarde de hoje, iniciaremos a nossa laboriosa jornada de 2025. No final, os níveis glicémicos, de colesterol e outros índices menos salutares serão, com certeza, muito elevados, mas - que se há-de fazer! - esta vida são dois dias. Deixo a imagem da mesa de um dos pequenos almoços com que começa o dia, num "exercício" passado. Para os crentes, lembro que a inveja é o quinto pecado mortal.

História de ontem

Em 11 de setembro de 1973, foi instaurada, a ferro e fogo, a ditadura no Chile. Em 11 de setembro de 2025, foram condenados, no Brasil, aqueles que queriam abolir o processo democrático no país. Duas datas importantes para a história política da América Latina.

quinta-feira, setembro 11, 2025

Costados


Há uns meses, visitei o campo de concentração do Tarrafal. Um cidadão português integrado no grupo, discretamente mas de forma audível para alguns, comentou para a mulher: "É pena que não tenham batido aqui com os costados todos os comunas de Portugal". 

Faz hoje 52 anos, no Chile de Pinochet, houve quem pensasse da mesma forma. Convém estarmos atentos.

"A Arte da Guerra"


No podcast do Jornal Económico "A Arte da Guerra", António Freitas de Sousa e eu abordamos, esta semana, o desafio dos franceses a Emmanuel Macron, as ações ofensivas de Israel "urbi et orbi" e as provocações russas na fronteira (NATO) da Polónia.

Pode ver aqui.

Diabetes


A APDP (Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal) é uma extraordinária instituição sem fins lucrativos que, vai para um século, presta um inestimável serviço ao país. 

Dedicada a prevenir e tratar uma doença muito comum e por vezes inconscientemente descurada, a APDP desenvolve uma atividade pedagógica da maior importância, de que a sua Revista é um bom instrumento. 

Na edição deste mês, a Revista da APDP insere uma entrevista com o novo presidente da Assembleia Geral da APDP, um nome que me diz alguma coisa.

Saiba mais sobre a APDP aqui.

América, América

O assassinato de uma proeminente figura de extrema direita, nos EUA, teorizador da narrativa MAGA e muito influente junto da juventude, lança gasolina sobre a fogueira das tensões políticas. 

Trump não "matou" Charlie Kirk mas, com o seu discurso divisivo e confrontacional, polarizador da sociedade americana, tem ajudado à criação do caldo de cultura que favorece a este tipo de atos.

Conferência do "Financial Times"



... na Nova SBE.

Brasil

As fortes divergências que emergiram no julgamento de Jair Bolsonaro, no seio do Supremo Tribunal Federal brasileiro, são a demonstração mais evidente, para quem ainda tinha quaisquer dúvidas, de que o sistema judicial brasileiro usufrui de um ambiente de total liberdade e transparência, com pleno espaço para o contraditório.

quarta-feira, setembro 10, 2025

Jorge Sampaio


Morreu há quatro anos.

Ernâni Lopes



Há quinze anos, neste mesmo blogue, por ocasião da morte de Ernâni Lopes, escrevi que a sua palavra livre ia fazer muita falta a Portugal e que, se havia dias em que um país entrava de luto, aquele deveria ser um deles. 

A morte de Ernâni Lopes foi uma grande perda para Portugal, para a nossa lucidez, para o nosso patriotismo, que ele ilustrava como poucos. Foi-o também para a nossa diplomacia, onde ele exerceu, com brilho raro, funções da maior importância, que ajudaram o país em momentos negociais delicados. Foi-o, igualmente, para a política portuguesa, onde a sua coragem e a sua visão souberam afrontar momentos de rara dificuldade. Portugal deve-lhe muito.

Em parte das suas últimas duas décadas da vida, cruzei-me bastante com Ernâni Lopes, que teve a simpatia de discutir abertamente comigo algumas coisas sobre a Europa em que ambos então acreditávamos. Foi, também, o ensejo de falarmos sobre esse triângulo estratégico entre Portugal, o Brasil e a África, que tanto o entusiasmava e que ele desenvolvia nas iniciativas da SAER. Nesses e alguns outros temas, nem sempre estive de acordo com a sua leitura das coisas, mas reconhecia nela uma genuinidade que era forçoso respeitar, pela seriedade que sempre lhe estava subjacente.

Longe de uma intimidade pessoal que nunca tivemos, cedo me reconciliei ao tratamento por tu que ele generosamente me impôs desde o primeiro momento, como que a sublinhar a proximidade de algumas das ideias que partilhávamos. Recordo-me, muito em especial, dos tempos que passámos numa efémera "task force" criada, em 2003, para assessorar o primeiro-ministro de então, na fase terminal do malogrado Tratado Constitucional europeu. 

Notava-se que a participação no exercício, a que, tal como eu, não se pôde furtar, estava a ser para ele algo penosa. É que tinha sido esse mesmo governo que o não tinha autorizado a apresentar, no termo da Convenção Europeia em que ele representara Portugal, e que lançara as bases desse tratado (inspirador, no essencial, do Tratado de Lisboa), uma declaração de voto em que, de forma muito frontal, clarificava o seu afastamento (que ele achava, e bem, dever ser o de Portugal) quanto ao equívoco consenso que resultou do trabalho dos "convencionais". Talvez valesse a pena, para a história da nossa política europeia, ser agora conhecido esse projeto de declaração de voto.

No final da primeira dessas reuniões, na qual eu tinha feito uma longa e bastante crítica intervenção sobre o modo como o governo de então conduzia essa negociação, e que não me pareceu ter sido muito apreciada por quem tinha tido a iniciativa de convocar o grupo, ao sairmos do "bunker" de S. Bento, pela escada que leva ao rés-do-chão da residência oficial do primeiro-ministro, Ernâni Lopes meteu-me o braço e, com um imenso sorriso e a atitude amiga do homem de bem que era, disse-me, com a voz mais baixa que o seu vozeirão permitia: "Tiveste-os no sítio!"

Com muita pena minha, não vou poder estar no lançamento do livro que, sob a coordenação do meu amigo José Pena do Amaral, hoje homenageará Ernâni Lopes. Em especial porque tinha uma imensa curiosidade em ouvir o que irá dizer, no "discurso inaugural" de homenagem, a mesma pessoa que impediu Ernâni Lopes de apresentar o seu testemunho no termo da Convenção Europeia...

Vergonha


Esta senhora faz de conta de que só agora se deu conta do que se passa em Gaza, depois de várias dezenas de milhares de mortos e de perceber que as opiniões públicas estão indignadas. 

Que vergonha para um projeto europeu que alguns pensavam com um mínimo de decência!

Brasil

A posição do ministro do Supremo Tribunal Brasileiro, Luiz Fux, ao considerar esta instância judicial incompetente para julgar Jair Bolsonaro, não vai impedir a condenação deste. 

Mas é inegável que se trata de um facto muito relevante, quanto mais não seja porque vai confortar a narrativa americana sobre a ilegitimidade do julgamento.

Chapitô

 


Foi uma bela jornada de conversa, sob a hospitalidade de Teresa Ricou (Tété), no Chapitô, entre os artistas plásticos Jorge Martins e José de Guimarães e o cineasta Diogo Varela Silva. 

A pintura e o cinema, com as suas múltiplas interações, foram, ao final da tarde de ontem, o mote para mais uma bela conversa, com participação de uma assistência interessada e interveniente. 




O Chapitô ("É difícil lá chegar", ouve-se dizer; é falso, tem um grande parque de estacionamento ao lado) continua a ser, além de uma histórica escola de circo, um lugar deslumbrante de Lisboa, onde se come bem e se convive. 

Obrigado, Tété, pelo teu acolhimento. E parabéns pelo entusiasmo e coragem para ir em frente com o Chapitô.



Ucrânia


A atividade militar russa nos céus da Ucrânia, nas últimas 24 horas, foi assim. 

terça-feira, setembro 09, 2025

La France deux


Macron não é muito criativo. Escrevi aqui isto (que aliás era a opinião de muita gente), há dois meses.

segunda-feira, setembro 08, 2025

La France...


1. O primeiro-ministro francês François Bayrou foi amplamente derrotado na moção de confiança que apresentou ao parlamento. É a primeira vez, na V República (desde 1958), que uma moção de confiança é derrotada. Bayrou estava no lugar desde dezembro de 2024, graças a uma atitude de não-censura por parte da oposição, atitude que então tinha obtido e que agora perdeu.

2. François Bayrou está na vida política francesa há muito tempo. Ao seu nível, é, a grande distância, o político com maior experiência. Cristão-democrata, centrista, ministro várias vezes, sabe-se que tinha lutado junto de Macron para obter o cargo que agora vai deixar, sob uma impressionante impopularidade.

3. As soluções políticas imediatas em França são poucas. o mais provável é que Macron nomeie um novo PM, possivelmente da base política de onde Bayrou é originário. Outra hipótese seriam novas eleições legislativas, com o quase inevitável reforço da extrema-direita. E ainda outra, ainda mais improvável, seria a demissão de Macron.

4. Os socialistas franceses, vindos do quase "zero", parece terem encontrado um novo fôlego e mesmo uma linha própria, agora programaticamente libertos do "abraço de urso" de Jean-Luc Mélenchon, no seio do "Nouveau Front Populaire", iniciativa que, a ver bem, acabou por lhes dar a mão e ajudar à sua recuperação. Dentro do PSF, contudo, parece desenhar-se uma luta pela liderança, entre o líder parlamentar Boris.Vallaud e o primeiro-secretário Olivier Faure. E há ainda outros atores com pretensões de afirmação, como François Ruffin e Raphaël Glucksmann. "À suivre".

5. A direita republicana francesa, de tradição gaullista, mostra fraturas, como ficou claro no voto de confiança, onde houve votos para todos os gostos. O líder parlamentar Laurent Wauquiez revela dissonâncias com Bruno Retailleau, que o derrotou na eleição interna e deseja ser candidato presidencial em 2027.

6. Aliás, o cenário presidencial de 2027 não é estranho a muito daquilo que está a passar-se no parlamento. De Jean-Luc Mélenchon pode dizer-se o clássico "il ne pense qu'à ça". Marine Le Pen, com trapalhadas judiciais à mistura, corre o sério risco de ter de prescindir das suas ambições em favor de Jordan Bardella. No centro, de Gabriel Attal a Gerald Dermanin e a Édouard Philippe, não faltam nomes. Vai ter graça.

... e uma opinião para a Antena 1, aqui.

Houve alguém que um dia falou do oásis...


 

Ai "A Minha Vida"!


"Viste que o Paulo Portas promoveu, no final do seu programa dominical na TVI, uma obra do Trotsky?! Está tudo doido?" Quem me dizia isto, ao telefone, há minutos, escandalizado, era um amigo que andou pelo CDS e que agora, nas férias, não perde a festarola laranja no Pontal, com fogos ou sem eles.

Por regra, vivo sem a televisão ligada. Mas, tal como o Augusto Gil fazia, na "Balada da Neve", quando ouvia barulho lá fora, fui ver. E lá vi que, além de um romance de espionagem, Paulo Portas saudou o surgimento de (creio, mais) uma edição portuguesa do "A Minha Vida", a biografia de Lev Davidovich Bronstein, mais conhecido por Leon Troksky. Esclareceu que o lera, com proveito, há anos, a conselho de Vasco Pulido Valente. Quero crer que Francisco Louçã deve ter dado uma bela gargalhada na noite de hoje. E imagino que Miguel Portas poria aquele seu sorriso bom ao constatar que, ao fim dos tempos, "les beaux esprits se recontrent".

Nunca fui trotskista, mas sempre achei graça histórica à personagem, cuja crueldade não ficava muito distante da de Estaline, como os marinheiros de Kronstadt sentiram na pele. Li algum Trotsky mas nunca me interessou destrinçar entre as diferentes correntes trotskistas - dos lambertistas aos pablistas, passando pelos frankistas (salvo seja!) e não sei se outros. Tenho vários e bons amigos que andaram por aquele mundo e fiquei com a ideia de que, verdadeiramente, dentro de todos eles, sem exceção, ficou sempre uma réstea daquela ideologia algo elitista, saída da grande caldeira revolucionária do marxismo. Ah!, claro, quando fui à cidade do México fui de romaria à casa de Trotsky (e à de Frida Kahlo, também), ao local onde o martelo do gelo empunhado por Ramón Mercader lhe acabou os dias, a mando distante de Estaline. 

Voltemos ao "A Minha Vida". Comprei o livro em Bayonne, no final dos anos 60, numa edição do "Le Livre de Poche", que já deve jazer no fundo bibliográfico que, com o meu nome, existe na Biblioteca Municipal de Vila Real. Tinha-o sobre a mesa de cabeceira no quarto da casa de saúde da Carcereira, no Porto, quando aí fui operado a um joelho, há precisamente 55 anos. 

Num dos dias dessa semana de internamento, para minha imensa surpresa, entraram a certa altura no quarto duas freiras teresianas, que se apresentaram. Uma era a madre superiora do lar onde se alojava a então minha namorada, hoje minha mulher. Eu estava muito longe de esperar esse tão amável gesto de simpatia. Tenho ideia de que a conversa não terá sido muito longa: o meu mundo era de outro mundo. Na sua saída, reparei que o olhar da madre superiora se fixou no "Ma Vie", que estava na mesa. Já passou muito tempo sobre aquela tarde, mas, para sempre, fiquei com a impressão de que a cara da senhora se toldou um pouco, ao ver o livro que o namorado da sua acolhida tinha ali à cabeceira. Mas talvez não, talvez ela nem soubesse quem era o Trotsky, a saga extraordinária da vida errante daquele ucraniano com ar mefistofélico, a "revolução permanente", as noites com Kahlo, o ódio de Stalin, a imagem apagada nas fotografias, o "entrismo", o martelo de Mercader e outras coisas assim. Mas sabe-se lá!

domingo, setembro 07, 2025

Draga

O seu nome era Braga Condé. No MNE, chamavam-lhe "Draga" (se era Braga com "D"...). 

Era um embaixador à moda antiga. Um dia, foi chamado ao ministro. Aguardou uns minutos na sala de espera e saiu: "Espero uma hora por uma senhora, meia hora por um Chefe de Estado. A um ministro não dou mais do que 15 minutos".

João Miguel Tavares, por uma vez

 


sábado, setembro 06, 2025

RTP

Sobre a decisão do presidente do Conselho de Administração da RTP de mudar o diretor de informação da estação, lembro que ele não responde perante o governo, que não o pode afastae e que não tem a menor tutela sobre a RTP. O presidente do CA da RTP só responde perante o Conselho Geral Independente, que o nomeou. Ai é assim? Como sei isto? Integrei o Conselho Geral Independente que escolheu o presidente da RTP.

Universidade

Na polémica entre o ministro da Educação e o reitor da Universidade do Porto, vale a pena lembrar que o governante não tem competência para demitir o reitor: este só pode ser afastado pelo Conselho Geral da Universidade, que o elegeu. Ai é assim?! Como sei isso? Presidi ao Conselho Geral de uma universidade pública.

Fora dos carris

O presidente da Carris colocou o lugar à disposição e o presidente da Câmara não aceitou. Fez mal o edil e fez mal o homem da Carris, que deveria ter-se demitido e não delegar a decisão noutra pessoa. A gravidade da tragédia que se passou sob a sua tutela assim aconselhava.

Historieta a preto e branco


O título de um texto que ontem aqui publiquei, "A branca", trouxe-me à memória sonora um episódio ocorrido comigo em Luanda, em 1982, quando aí acabara de colocado na nossa embaixada. 

A vida na Luanda dessa época era muito difícil. Com a prioridade orçamental assente na guerra civil, o abastecimento era muito precário e episódico, as lojas comerciais em funcionamento eram escassas, havia falta de quase tudo. Claro que alguns, como era o caso dos diplomatas, conseguiam, por recurso ao exterior, garantir o essencial para o seu dia-a-dia. Mas a população, em geral, cada vez mais engrossada pelos muitos milhares que se refugiavam na capital, para fugir à insegurança nas províncias, vivia uma existência muito complexa.

Dias depois da minha chegada, necessitei de fazer fotografias, a-preto-e-branco, tipo passe, para alguma documentação. Onde é que haveria um fotógrafo na cidade? Alguém na embaixada me indicou uma pequena loja na velha Avenida dos Combatentes - a toponímia tivera o bom senso ou a inércia de manter o nome antigo da artéria, dado o tempo de guerra. 

Meti-me no Volkswagen "carocha" de serviço, a cair da tripeça, com buracos no fundo, por onde entravam baratas, que me havia sido distribuído e fui à procura do fotógrafo. Quando cheguei, constatei que tinha uma fila imensa à porta. O sol era muito mas, estoicamente, coloquei-me na fila e fiquei por ali, creio que uma boa meia hora, à espera da minha vez para ser atendido. Todos os olhares convergiam sobre mim. Era o único branco entre toda a gente que por ali estava. 

Quando finalmente entrei no espaço, olhei as paredes, onde havia bastantes fotografias, e reparei que todas as pessoas nelas retratadas eram negras ou mulatas. Nem um único branco. Aquela não era, visivelmente, uma loja que a população branca de Luanda utilizasse. Eu estava divertido e a achar aquilo curioso. Os outros clientes da loja, pelo modo como olhavam a "raridade" que eu ali era, também. O ambiente era simpático e o atendimento cordial, com o uso do "camarada" a ser a regra do tempo.

"Quantas fotografias quer, camarada?" Devo ter exagerado no pedido, recebendo de volta um grande sorriso e um prolongado "Iiih! Tantas?!" do meu interlocutor. E lá fui retratado, num estúdio improvisado num canto da sala. No dia seguinte, estariam prontas, fui informado.

No outro dia, passei pela loja, para levantar as fotografias. Como tudo estava já pago, atrevi-me a passar à frente da continuada fila, não escapando a alguns comentários de quantos pensariam que aquele branco estava a querer ter alguma prioridade. Mas logo expliquei e tudo foi fácil. 

Vislumbrando-me ao longe, o meu interlocutor da véspera acenou-me, voltou a sorrir e foi direito a uma caixa cheia de envelopes. Eu ainda disse o meu nome, mas ele pareceu dispensar essa indicação e, sem hesitações, retirou o envelope com as minhas fotografias. 

Comentei: "Caramba, tem boa memória!". Com os dentes muito brancos, naquela cara muito negra, radiante de simpatia, ele retorquiu-me: "Eu já tinha aqui posto um B". E apontou-me para um imenso B maiúsculo, a lápis, na face do envelope. "É um B de branco!". 

E riu, e rimos então todos, eu e os clientes à volta, todos negros ou mulatos, enquanto o raro cliente branco que eu ali tinha sido se dirigia para o decrépito Volkswagen do Exército português que usava. E que era de cor preta, claro, para esta historieta a-preto-e-branco ficar mais completa.

França


Ouvindo os tenores da política francesa, e lendo muitos comentadores, da esquerda à direita, fica a sensação de que praticamente ninguém comunga da obsessão do primeiro-ministro François Bayrou com o crescimento exponencial da dívida do país. Ora se esses eleitos vivem sem preocupações o fenómeno, por que diabo o cidadão comum se havia de angustiar? Bayrou está quase sozinho na praia. E assim ficará, a menos que a lógica seja uma batata.

Mistério


Depois de mais 16 anos a gerir este blogue, continua a escapar-me a lógica subjacente àqueles que o leem. Há semanas, voltei a suspender a publicação de comentários. Perguntei-me: será que as visitas vão diminuir? Não é que isso me preocupe muito, mas sempre é uma curiosidade estatística. Pois bem! Pelo contrário, em geral, aumentaram os visitantes-leitores, voltando a média mensal a ficar acima dos 100 mil. Ele há cada uma!

sexta-feira, setembro 05, 2025

A branca


Ao final da tarde de ontem, na FNAC Chiado, acabada que tinham sido as nossas intervenções na apresentação do livro de Sónia Sénica, a sala levantou-se para fazer a tradicional fila para a autora autografar os livros. Atenta a juventude da Sónia, tive a certeza de que ela não teria a menor dificuldade de identificar todas as pessoas, de entre amigas e conhecidas, que se apresentassem à sua frente, para obter essa dedicatória. E foi então que senti uma imensa inveja. 

Há cerca de dois anos, no termo da sessão de lançamento do meu livro "Antes que me esqueça", na Gulbenkian, passei por alguns momentos embaraçantes. De entre as dezenas de pessoas que amavelmente compraram o livro e que esperaram, algumas por quase uma hora, para eu o assinar, havia muitas que eu não conhecia: como é de regra, elas iam indicando o seu nome ou o da pessoa a quem queriam que eu dedicasse a obra. E, claro, muitas outras houve - pessoas amigas e conhecidas - que estavam em absoluto dispensadas desse ritual, porque eu sabia bem quem elas eram. 

Restava, contudo, aquele que é sempre, para mim, o temível terceiro grupo: aquelas pessoas que conhecemos "de toda a vida", algumas com quem trabalhámos de perto, que sabemos muito bem quem são, mas cujo nome, naquele preciso instante, se nos varreu, numa insuperável "branca". 

Que fazer? Alguns dirão: é fácil, basta assumir abertamente a falha de memória e pedir para serem elas a relembrar o nome. Não, não é fácil: são pessoas com quem lidámos muito de perto, gente amiga, que fez o amável esforço para ali se deslocar e honrar-nos com a sua presença e que, com toda a certeza, olham para a nossa falha como uma espécie de desconsideração - "afinal, ele nem se lembra do meu nome..."

Naquela sessão de autógrafos, passei por um imenso embaraço com quatro pessoas amigas. Era o cansaço? Talvez. Mas é essencialmente a idade, que nos faz perder a agilidade mental para lembrar os nomes. Não vale a pena estar a inventar outras desculpas. E foi o que fiz. No dia seguinte, escrevi a cada um desses amigos, com os quais tinha acontecido a "branca", e pedi-lhes desculpa pelo sucedido. Era o mínimo que podia fazer. E espero bem não me ter esquecido de algum! 

Isto não é bonito, RTP!

Ai Albion !

O governo trabalhista britânico, assente numa maioria hiper-confortável, decorrente do anterior descalabro conservador, segue de crise em crise. Agora, a ministra das Finanças e nº 2 do executivo, é obrigada a sair pela porta pequena, depois de uma moscambilha fiscal.

Fadiga?

Costa tinha maioria absoluta e, embora com alguns empurrões, caiu com estrondo, parecendo já exausto. O governo que agora por aí se arrasta, minoritário e com bengalas oportunistas para se manter em pé, dá ares de fim de mandato. Haverá alguma fadiga do material em S. Bento?

A Estrela e o nosso Jardim


Ganhem minutos (garantidos) de deslubre com a escrita ímpar de José Ferreira Fernandes, lendo, na sempre surpreendente Mensagem de Lisboa, o extraordinário texto "Como o Jardim da Estrela se tornou o "sino da minha aldeia" para cada um de nós, lisboetas".

Ver aqui.

Sónia Sénica


Tive um grande gosto em participar ontem na sessão de lançamento do livro de Sónia Sénica, "Ordem Tripolar - o mundo dos grandes poderes".

Trata-se da primeira obra de uma docente universitária com quem tive o gosto de trabalhar, durante alguns anos, na CNN - Portugal, um bem documentado estudo sobre a conjuntura internacional, com dados atualizados e uma visão muito informada e equilibrada. 

Especialista em questões da Rússia, Sónia Sénica fornece-nos a chave para a compreensão do país disruptor do "status quo" no leste europeu, analisa os fundamentos da atual narrativa do poder na China e oferece explicações e projeções para o quadro de ação da América, depois do regresso de Trump. O "elefante na sala" é, como não podia deixar de ser, uma Europa que não consegue reunir os vetores para se qualificar como um poder global.

quinta-feira, setembro 04, 2025

A culpa


Hoje é o dia adequado para recordar Jorge Coelho, o ministro que se demitiu aquando da queda da ponte de Entre-os-Rios, para que a culpa não morresse solteira.

Os amarelos

Lisboa é uma excelente marca turística. O turismo é a "galinha dos ovos de ouro" da nossa economia. A segurança, como é sabido, é um fator decisivo na seleção dos destinos turísticos. Os "amarelos da carris" - todos eles - são a cara de Lisboa. E assim devem continuar a ser.

Encomendar, de imediato, um estudo a uma entidade internacional de renome sobre o estado dos elevadores e elétricos de Lisboa teria um elevado custo, mas daria um belo sinal externo de responsabilidade e de transparência.

Depois queixem-se...


É humilhante o lugar atribuído ao representante de Trump nas negociações sobre a Ucrânia, Steve Witkoff, hoje, na mesa da "conference call" no Eliseu, entre os membros da "coalition of the willing" e o presidente americano: numa esquina da mesa, sem microfone...

Pensando bem ...

Estou a estranhar que ainda não tenha surgido por aí alguém a culpar a imigração pelo acidente do elevador. 

"A Arte da Guerra"


No podcast do "Jornal Económico", "A Arte da Guerra", falo esta semana com o jornalista António Freitas de Sousa sobre o julgamento de Jair Bolsonaro no Brasil, sobre o tema Palestina em discussão na Assembleia Geral das Nações Unidas e sobre a proeminência e possível preeminência da China no mundo alternativo à ordem tutelada pelos EUA. 

Pode ver aqui.

Espetáculo

Pelo que se conhece de Trump, apostaria que o que muito o irritou no conclave na China não foi tanto a coligação anti-EUA que ali desenhada mas, muito mais, a espetacularidade do desfile militar, contrastante com o pífio e ridículo exercício similar que a América conseguiu fazer.

quarta-feira, setembro 03, 2025

Glória


Passava-se há bem mais de meio século, todos os dias. Nos Olivais, pela manhã, apanhava o 21, o autocarro para Entrecampos. Aí saltava para o Metro, até aos Restauradores. A fila era sempre razoável, para subir no elevador da Glória. Aquilo chiava que se fartava pela ladeira acima, mas eu tinha a convição, típica dos inconscientes, de que nada aconteceria: se aquilo tinha durado décadas, não era nessas manhãs que ia falhar. Chegado ao topo, pé lesto a saltar para o passeio, começava o corta-mato em passo apressado pelo Bairro Alto. Em cima das nove e meia, lá entrava eu ofegante no meu emprego, na Caixa, no Calhariz. É que às nove e trinta e cinco, o senhor Marques recolhia o livro de ponto.

Sei lá quantas vezes, nesses meus anos de bancário, terei subido o elevador da Glória! Curiosamente, não me recordo de ter alguma vez descido por ele, como hoje acontecia com quem teve o azar de ser vítima de um estúpido acidente, como soe dizer-se. Aliás, um acidente só pode ser estúpido, porque, que se saiba, ainda não inventaram acidentes inteligentes.

Amanhã, à descida da Bica, ou no Lavra, haverá com certeza um pouco menos de turistas, sob o peso da tragédia d véspera. Talvez até em Santa Justa as filas sejam menores. A menos que, entretanto, na lógica do "casa roubada, trancas à porta", tenha sido decidida uma suspensão, para revisão geral do material. Ah! E haverá o "rigoroso inquérito", que é de regra demorar muito tempo e cujas conclusões ninguém lerá.

A vida das cidades também se faz destes acasos bem tristes. Depois, tem de seguir em frente.

De regresso às lides lisboetas

 


A nova ordem

 


A frase

Fosse Trump minimamente culto e, com certeza, depois da onda de boatos dos últimos dias, teria ironizado em público com a famosa frase de Samuel Clemens: "The reports of my death are greatly exaggerated". Mas quero crer que ele nem deve saber o verdadeiro nome Mark Twain.

terça-feira, setembro 02, 2025

O caminho para o Nobel

Trump conseguiu acrescentar uma outra "guerra" à lista daquelas que "resolveu". Com as elevadas medidas aduaneiras impostas à Índia, o presidente americano conseguiu colocar esta ao lado da China, atenuando os dissídios históricos entre os dois países. Putin sorri.

segunda-feira, setembro 01, 2025

Casa brasonada

 


Europa

O modo como Ursula von der Leyen está a atuar na questão ucraniana, deixando na sombra o presidente do Conselho Europeu, representa uma desvirtuação muito clara das competências que lhe são atribuídas pelos tratados. O governo português revê-se neste estado de coisas? 

sábado, agosto 30, 2025

Portugal no mundo

 


Índia

A Índia foi objeto de uma decisão de Donald Trump altamente punitiva, em termos de direitos aduaneiros, como sanção "secundária", por virtude da sua continuada importação de petróleo russo. A taxa aplicada à Índia surpreendeu muitos observadores. A Índia tem com os EUA relações importantes, nomeadamente em matéria de segurança (vide o Quad) e havia sido criada a ideia de que Washington seria tentado a fazer uma "discriminação positiva" face a um país que teria interesse estratégico em manter afastado da China, explorando as tensões históricas entre Pequim e Nova Delhi. Não foi isso que aconteceu. Existe agora uma grande curiosidade em perceber se a Índia vai, ou não, reagir ao gesto americano e, se sim, de que forma. 

sexta-feira, agosto 29, 2025

Oportunismo

Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Marques Mendes, nas últimas horas, foram muito claros ao aconselharem o PSD a gizar os acordos essenciais de regime ao centro, isto é, com o PS e não com o Chega. Foram recados de quem nunca esqueceu a matriz social-democrata daquela "casa", dirigidos a um líder que tem titulado uma descarada política de mimetismo com a agenda da extrema-direita. 

No entender de alguns comentadores, pelas propostas a roçar o extremismo que tem titulado, Luís Montenegro revela-se o líder mais à direita que o PSD teve em toda a sua história. Custa-me ter de dizer isto: isso seria o menos! 

O comportamento e o discurso de Montenegro não parece relevarem da elaboração de um corpo coerente de ideias mas apenas da adesão a uma narrativa tremendista e populista, na despudorada caça ao voto que entretanto migrou para o Chega. E isto, com todas as letras, só tem um nome: oportunismo.

quinta-feira, agosto 28, 2025

"Visão"


Sou suspeito, porque tenho um grande apreço pela revista "Visão", que atravessa um momento difícil, mas só um cego não reconhecerá que o seu número desta semana é uma obra de excelente jornalismo. Comprem e garanto que não se arrependerão! 

"A Arte da Guerra"


No podcast multimedia do "Jornal Económico" sobre temas internacionais, "A Arte da Guerra", o jornalista António Freitas de Sousa e eu abordamos esta semana o agravamento da situação política em França, as tensões no Brasil e o curso mais recente da administração Trump.

Pode ver aqui.

Colónia


Por muitos anos, segui o conselho de Paul McCartney, a quem um dia ouvi dizer que a melhor ocasião para ouvir música era durante uma viagem de automóvel: não somos interrompidos por nada e, se o som da aparelhagem for bom e a viatura for silenciosa, a experiência pode ser excelente. Habituei-me assim a levar comigo, em deslocações, uma pequena mala com CDs. 

Há uns meses, fui obrigado a trocar de carro e tive de enfrentar com garbo o olhar apiedado do vendedor quando me respondeu que "não, o carro já não tem leitor de CDs, vai ter de usar o Spotify". Anotei o revelador "já", colocando os meus hábitos num irremediável pretérito, pelos vistos mais do que imperfeito. Agora, a somar-se às centenas de discos de vinil que jazem (muitos deles de jazz) em Vila Real, juntar-se-ão no futuro algumas centenas de CDs, que ainda andam por Lisboa. Ambas as coleções passam a ter a mesma "utilidade" das muitas dezenas de cassettes de VHS, onde, com cuidado, reuni a "crème de la crème" da filmografia de que gostava. Estão hoje esquecidas numa cave. O mundo, de facto, está a deixar-me para trás.

Vem isto a propósito de quê? De ter agora lido que faz agora meio século que foi gravado o "Concerto de Colónia", de Keith Jarrett. Ora um dos meus acompanhantes regulares nas viagens eram/são as obras de Jerrett, nomeadamente aquele concerto (mas não só esse). Jarrett seguiu-me toda a vida e tive mesmo o gosto de ir ouvi-lo em duas atuações ao vivo. Por qualquer razão que não sei explicar, faz-me sempre muito bem ouvir Keith Jarrett. Agora, lá terá de ser em Spotify...

quarta-feira, agosto 27, 2025

"Que faire?", como perguntava o outro


Há 18 anos, o primeiro-ministro francês, François Fillon, disse uma frase que ficou célebre: "Je suis à la tête d'un État qui est en situation de faillite".

O então presidente da República, Nicolas Sarkozy, ficou furioso com a tirada do seu "colaborador". Por duas razões. A primeira é que a "tête" do Estado era ele. A segunda pelo facto de um país com a importância da França não dever dizer que está em falência.

Contudo, depois dessa retumbante declaração, nada aconteceu. A França continuou alegremente a gastar o que não tinha. A despesa pública em França representa 57.3% da riqueza nacional, um pouco invejável "record" europeu.

Na segunda-feira, o atual primeiro-ministro, François Bayrou, numa muito divulgada conferência de imprensa, disse mais ou menos a mesma coisa que Fillon, mas, desta vez, o chefe do governo tinha combinado isso com o presidente Emmanuel Macron. O objetivo era provocar um choque de realidade.

Há, no entanto, uma importante diferença entre o momento das duas declarações. Fillon tinha, à época, uma confortável maioria absoluta na Assembleia Nacional. Bayrou sobrevive numa minoria que se dilacera dentro de si mesma, já no arrancar das ambições para a sucessão de Macron, em 2027.

Vale a pena lembrar também que Fillon nada conseguiu ou quis fazer, quando tinha o parlamento na mão. Bayrou quer agora pôr em prática um programa drástico de "rigueur" sem ter um apoio parlamentar mínimo.

Entre Fillon e Bayrou houve, entretanto, oito primeiros-ministros. A situação financeira da França foi-se sempre degradando. As agências de notação dão ares de estar a ficar cada vez mais nervosas, com o serviço da dívida francesa mais caro, pela desconfiança dos mercados.

As coisas só não são mais graves "parce que c'est la France", como disse um dia Jean-Claude Juncker, então presidente da Comissão Europeia, quando perguntado por que razão a União Europeia não fazia cair sobre Paris o rigor que usou para a Grécia ou Portugal. Ou, para usar uma outra expressão consagrada, a França é "too big to fail".

Mas tudo tem um limite e os mercados podem vir a ser levados um dia a fazer a sua "revolução francesa". O exemplo da reação que tiveram perante a gestão caótica da primeira-ministra Liz Truss, no Reino Unido, revelou que mesmo uma grande economia mundial não é imune à irresponsabilidade.

Bayrou indicou que, desde há vinte anos, a cada hora que passa (24 horas por dia x 365 dias x 20 anos), a França junta 12 milhões de euros à sua dívida. 12 milhões por hora! E adiantou que talvez não fosse má ideia travar essa deriva, tentando que a França "pague o que deve".

Nessa perspetiva, há semanas, Bayrou tinha anunciado um pacote de medidas de poupança orçamental, a executar a partir de 2026. Sem surpresas, essas ideias não agradaram praticamente a ninguém. Bayrou está assim hoje com uma quota de popularidade baixíssima. Está já anunciada uma paralização total da França, promovida por meios sindicais e sociais, de protesto pelas medidas propostas por Bayrou, para o dia 10 de setembro.

O primeiro-ministro decidiu antecipar-se e, no dia 8 de setembro, vai pedir um voto de confiança na Assembleia Nacional. Partidos que, somados, representam uma clara maioria, dos dois lados do espetro político, já anunciaram que não vão votar a favor dessa confiança. A queda do governo Bayrou parece assim inevitável. Curiosamente, a isso acontecer, será a primeira vez, na V República (que vigora desde 1958), que uma moção de confiança não é aprovada. Normalmente, em França, os governos caem por moções de censura.

O que vai suceder a seguir? Macron pode voltar a dissolver o parlamento e convocar novas eleições, mas não parece que o resultado de um novo escrutínio viesse a ser muito diferente.

Macron poderia demitir-se, para provocar um "choque institucional"? Uma tal atitude não parece estar no seu feitio e, provavelmente, uma eleição presidencial antecipada (à qual Macron não poderia concorrer) só apressaria a chegada ao Eliseu de um candidato da extrema-direita.

Sim, porque com toda esta coreografia de arranjos para a sobrevivência de governos minoritários, convém ter presente que o Rassemblement National é o maior partido no atual parlamento e nada indica que vá deixar de o ser.

Se o futuro imediato vier a ser o que parece mais provável, Macron irá indigitar um novo governo.

A V República começa a parecer-se cada vez mais com a IV República.

Mas, desta vez, não há nenhum De Gaulle à vista.

terça-feira, agosto 26, 2025

Isto faz-se?!


Então isto saiu e ninguém me avisa?! A mim, orgulhoso possuidor dos 32 volumes anteriores! 

A minha síndrome do dr. Durão


Quando era miúdo, em Vila Real, vivi por uns anos em frente a uma "casa de saúde". Recordo que nela havia apenas dois médicos: o dr. Vilar e o dr. Durão. Os médicos da cidade contavam-se então pelos dedos das mãos, pelo que os seus nomes eram conhecidos de toda a gente.

Não faço ideia se, à época, eu já tinha iniciado a minha bem sucedida "carreira" de hipocondríaco, mas posso imaginar, conhecendo-me intimamente, que essa geografia me devia dar algum sossego. Tanto mais que, algumas vezes, vi esses médicos lá por casa, a acorrer a um febrão de alguém da família.

Um dia, por esse tempo de infância, ouvi uma conversa entre os meus pais em que, a certa altura, um deles terá dito que "o dr. Durão está doente". A minha mãe recordava-se de eu ter ficado muito surpreendido com essa referência. É que, até esse momento, nunca me tinha passado pela cabeça que os médicos, que nos curavam as doenças, também podiam adoecer. A dúvida que levantei era "pertinente": se eles ajudavam a prevenir e sabiam curar as doenças dos outros, por que diabo eles próprios adoeciam? Devo ter pensado que só se fosse por desleixo...

Lembrei-me ontem desta ingenuidade de infância ao ouvir casualmente, numa conversa familiar em Vila Real, que um determinado médico conhecido, por virtude de uma maleita qualquer, tinha recorrido ... a uma consulta médica! Tenho consciência de que recuei num milésimo de segundo, mas confesso que a primeira imagem que me ocorreu foi a minha velha síndrome do dr. Durão.

domingo, agosto 24, 2025

Tim Tim no Tibete


Em férias, há coisas que subitamente nos regressam à memória, como é o caso, por exemplo, de um interessante blogue que se chamava "Tim Tim no Tibete", que se sabia ser escrito por um credenciado profissional da nossa praça diplomática, uma plataforma onde houve 1795 publicações e que, sem aviso prévio ou nota póstuma, se finou no éter no dia 18 de janeiro de 2019, com um post com este poema

Amanhecer

Que um dia suceda a outro
e dissipe toda a névoa que nos faz duvidar
da consistência da terra.

Um dia que se levante à nossa frente
e solte o fio de prumo da esperança uma vez mais

até ao pôr do sol

sábado, agosto 23, 2025

Não sei


Tenho isto treinado, desde há vários anos: recuso dar opiniões sobre temas complexos, só porque "me parece". Mas não é fácil, podem crer, andar por uma região fustigada por incêndios e não ter opinião sobre o que deveria ser feito e não se faz. Porque, de facto, não sei.

sexta-feira, agosto 22, 2025

Retaliação


Dado que Trump quer dificultar o acesso dos nossos vinhos às mesas dos americanos, só nos resta uma única solução, desesperada mas patriótica: bebê-los.

Europas(s)



Aprecie-se o estado das relações entre a Polónia e a Hungria por esta "troca de galhardetes" entre os ministros dos Negócios Estrangeiros de ambos os países.

quinta-feira, agosto 21, 2025

Claustrofobia?


Não percebo como é que, havendo claustros como este, ainda há gente claustrofóbica.

Trump e Putin

A grande esperança dos europeus é que Trump se sinta enganado por Putin e se convença que, depois do Alasca, ele está outa vez a "encanar a perna à rã", não quer reunir-se com Zelensky nem deseja nada parecido com quaisquer "garantias de segurança" que lhe atem as mãos.

O encanto de Rubio

A Ucrânia e a Europa estão deliciadas com o facto de Marco Rubio ter sido encarregado por Trump da questão das "garantias de segurança". Ao que parece, Rubio tem um lugar elevado na escala de ucranofilia de quantos giram à volta de Trump.

Ouçamos Lavrov

Vale a pena estar atento ao que o MNE russo Sergei Lavrov vai dizendo em público. Com Medvdev, o "polícia mau", agora muito menos prolixo, Lavrov tem surgido como a voz mais autorizada em nome do Kremlin. Muito do que diz parece ser para ir testando a reação ocidental.

Durmam bem!


Desde 2014 que guardo esta fotografia de uma tarde de Gaza.

Vamos andando!

Há muito que não acredito na treta de que o ano começa no dia primeiro de janeiro. Essa é uma conversa de quem se subordina ao calendário fo...