Uma vez, há já bastante tempo, fiz uma viagem de carro, entre Paris e Vila Real. Saía, por esses dias, de quatro anos de embaixador em França. E, de imediato, ia reformar-me (pensava eu). Passava a ter livres todos os dias da vida que restava à minha frente. Havia decidido fazer dois "stopovers", em Bordéus e Bilbao. Faria o percurso de regresso em três dias. Era um período fora das épocas altas, pelo que iríamos marcando os hotéis pelo Booking, apenas horas antes. Saídos de Paris com neve, o dia foi-se compondo e chegámos a Bordéus logo ao início da tarde. Tanto tempo por ali? Mudámos de ideias: íamos dormir a Biarritz. Perdíamos o jantar que eu tinha imaginado no La Tupina, de que eu gostava quase tanto como Chirac, mas ganhávamos umas horas. Chegados à zona basca francesa, lembro-me de termos feito, já com a calma de quem vai por ali assentar o dia, a estrada da Corniche, enquanto decidíamos o hotel onde ficar. Talvez desse mesmo para, na manhã do dia seguinte, dar uma saltada a Urt, ao cemitério onde está sepultado Roland Barthes, uma das minhas estimações. De repente, ele há cada uma!, deu-me um vaipe. E se fôssemos dormir a San Sebastián?! Há quanto tempo ali não parávamos. Tinha saudades daquela orla marítima. No caminho, com a noite já a cair, pôs-se a hipótese de "saltarmos" um dia e, afinal, ir dormir logo a Bilbao. Contudo, não tínhamos reservado bilhetes para ir visitar o Guggenheim. Haveria vagas, na manhã seguinte? A interrogação absolvia-me o ânimo. Parámos a jantar num restaurante de estrada, à entrada da cidade. Enquanto ainda olhava os hotéis possíveis em Bilbao, um pensamento comodista atacou-me: mas, afinal, quanto é que faltava para chegar a Portugal? Por Puebla de Sanabria a Chaves era "um saltinho"! (Lembrei-me de uma boleia que, nos anos 70, tinha apanhado pela velha estrada por aí, com um taxista português, numa tirada direta, de Dax às Pedras Salgadas). E assim fomos. Pouco passava das 11 da noite (tínhamos, entretanto, ganhado a hora de diferença), lembro-me bem, estávamos a entrar num confortável quarto do Palace Hotel do Vidago (quem não é daqui diz "de Vidago", quem é diz "do Vidago"). Minutos depois, desci ao bar, para "atestar" qualquer coisa. Recordo a sensação de estar um pouco "elétrico": tinham sido mais de 12 horas a conduzir. Se alguém, dias antes, me tivesse aventado a ideia de fazer uma viagem direta para Portugal, chamaria a isso uma insensatez. Mas foi assim, faz, daqui a uns dias, precisamente 12 anos.
Ontem, fui ao hotel "do Vidago" para um chá com torradas, depois de uma épica travessia da serra da Padrela, desde Valpaços a Loivos, com o termómetro colado nos zero graus. O carro é o mesmo da viagem de 2013. Com mais 250 mil quilómetros, claro. A escadaria central do hotel ainda está natalícia, como se vê.