Os governos não são parvos, mas, às vezes, parecem sê-lo. (Não, não vou falar de política interna).
Anda lá por fora meio mundo excitado com a movimentação dos BRICS. Relembro que tudo começou quando um fulano da Goldman Sachs juntou as primeiras letras do Brasil, Rússia, Índia e China, potências ditas emergentes, que se encontravam em reuniões de diálogo e de muito escassa cooperação, e crismou o acrónimo BRIC. (Um acrónimo, lembro, é uma sigla que se consegue ler como uma palavra). O "S" que então faltava surgiu quando a África do Sul ("South Africa") se juntou aos restantes.
Os BRICS nunca foram grande coisa. A sua identidade vinha mais do contraste com o "primeiro mundo", menos por um qualquer cimento estratégico próprio. Os BRICS nunca foram uma espécie de "G7 dos pobres", muito longe disso.
Curiosamente, foi o mundo desenvolvido que deu alguma força aos BRICS. Ao ter impulsionado, na crise financeira de 2008, essencialmente por razões de interesse próprio, a atividade até então discreta do G20, pensando que conseguia trazer para uma governança por ele tutelada os principais atores económicos do mundo, o G7 acabou por alargar o diálogo entre muitos desses Estados. No final, não seria o G7 a satelitizar os membros (não ocidentais) do G20, mas seriam os BRICS a cooptar alguns dentre eles para o seu seio, como recentemente se viu.
Mas que não haja ilusões: a identidade dos BRICS nunca igualará a do G7. É fácil explicar porquê.
A China, a que a guerra na Ucrânia obrigou a acelerar a sua dinâmica de ambição como potência, mostra uma clara intenção de utilizar os BRICS como plataforma para tal. Mas, ao contrário do G7, onde a preeminência dos Estados Unidos é não só tolerada como aceite como uma fatalidade, a China não consegue garantir no seio dos BRICS um papel de liderança indisputada. A Índia, que está no grupo por necessidade de afirmação própria, nunca irá permitir que isso aconteça.
No grupo BRICS original, a África do Sul era, manifestamente, o parceiro mais fraco, e mantem-se irrelevante no atual contexto. O Brasil combateu, sem sucesso, o alargamento dos BRICS, porque sabiamente pressentiu que a extensão do grupo iria significar a diluição do seu poder relativo. Mas viu-se vergado a flexibilizar a sua atitude pela vontade da China (não se percebeu bem se também da Índia). A Rússia, num tempo de grande dificuldade, precisa desesperadamente quem lhe suporte o estatuto de potência, pelo que o alargamento do "clube" seria conveniente à quase obsessiva e ridícula coreografia diplomática de Putin.
E assim os BRICS, nos dias de hoje, vão andando na tentativa de densificação da sua cooperação. Mas sente-se que o mundo ocidental anda cada vez mais preocupado com este diálogo acrescido. E, numa estupidez estratégica e declaratória, junta, às vezes, tudo no mesmo saco.
O tal mundo ocidental - com os Estados Unidos e a Europa à frente - tentou, na sequência da invasão russa da Ucrânia, apelar aos princípios da ordem internacional que entenderam estarem a ser violados.
Pelo belo barómetro que são as resoluções da Assembleia Geral da ONU, percebeu-se que esse argumentário euro-americano (com outros amigos mais ou menos íntimos) começou por ter algum sucesso junto daquilo a que alguns chamam "Sul global".
Até que um dia sucedeu o que está a suceder em torno de Israel. E esse tal "Sul global" deu-se de repente conta de que os mesmos princípios e valores que tinham sido evocados para o caso ucraniano afinal não eram aplicáveis no caso palestino. E grande parte desse Sul, com os BRICS à cabeça e com a suas opiniões públicas na base, confirmou que o ocidente tinha dois pesos e duas medidas e que, afinal, os tais princípios e valores só prevaleciam quando serviam de suporte aos interesses geopolíticos ocidentais. E viu-se o tal ocidente, em poucos meses, a perder toda a autoridade moral que invocara na Ucrânia. Sem o afirmar, tinha afinal adoptado o conhecido princípio de Groucho Marx: "Estes são os meus princípios. Se não gostarem, tenho outros".
Mesmo com os seus limites, o sucesso organizativo dos BRICS, gerando outros movimentos de agregação e simpatia a Sul, confronta visivelmente o mundo ocidental. Mas acaba por ser o resultado de uma crescente hipocrisia por parte deste. Agora, aguentem-se!
Os governos não são parvos, mas, às vezes, parecem sê-lo. Ou fazer de nós parvos.
28 comentários:
Muito boa noite
Respeitando, SEMPRE, a opinião de outrem, a minha é a de que este seu texto é um retrato brilhante do nosso mundo, da geopolítica à hipocrisia. Interesses, sempre.
António R. Cabral
Parece-me zero teoria da conspiração e até bastante óbvio que o "alargamento" do conflito ucraniano ao médio oriente aconteceu a pedido do presidente russo, que encomendou ao amigo Irão que puxasse os cordelinhos de todos os fantoches que tem na região, sabendo perfeitamente que os EUA iam ter que partilhar armamento com Israel. O facto de isso também dar um jeitão ao presidente de Israel para não ir de cana foi um factor adicional.
Dito isso, parece-me que a coisa continua a não correr tão bem como os comunas por cá e noutras latitudes. E mesmo o Guterres que aparentemente gosta do papel de fantoche, é irrelevante e consigo leva as Nações Unidas...
Mas os que por cá gostam deste estado de coisas, e que estão do lado dos de lá, fazem-me e gostam porque estão no conforto dos regimes democráticos capitalistas defendidos pela NATO...
Um pouco como os países que se incluem na CPLP. "nunca foram grande coisa"
Reflexão muito interessante e seguramente fundamentada na sua enorme experiência. Permito-me só a minha hesitação sobre a posição do Brasil. É que os conselhos a Lula de Celso Amorim sobre a política externa do Brasil são nalgumas matérias algo ambíguos (e longe de reuniram o consenso no Itamaraty)
"...se não gostarem, tenho outros." lapidar.
Uma boa análise. E simples de entender.
Quem não percebe as situações nunca as pode analisar de forma simples.
E isto tudo sem contar com os que defendem Israel e a Ucrânia nem por isso (ainda que não o admitam) e os que defendem a Ucrânia mas Israel nem por isso (ainda que também não o admitam), a baralharem tudo porque ninguém sabe muito bem com o que pode contar a seguir.
Temos assim os “novos” BRICS que neste momento têm 4/8 (metade) da população mundial, empurrados por uma demografia viçosa, e o “velho” Ocidente que neste momento tem 1/8 da população mundial travados, por uma demografia murchosa.
A China acordou, a Índia está a acordar e os “parvos” de que fala roncam no sofá porque só querem chegar à noite e acordar no dia seguinte, logo se vê porque já não vai dar para mais.
Ao anónimo da 01:24, transcrevo este despacho: "BRASILIA, Aug 2 (Reuters) - Brazil has resisted gathering momentum in the BRICS group of major emerging economies to add more member countries, but debate over admission criteria seems inevitable at this month's summit, three Brazilian government officials told Reuters."
Sempre tive e defendi uma opinião próxima dessa com amigos meus que defendem os BRICS como fim da preeminência USA (ocidental) no mundo.
Realmente, estando notoriamente a China de XI Ping a querer ser o substituto dos USA no médio-longo prazo como é possível que países que se têm todas como grandes potências regionais e, sobretudo, a Índia que desde já pode ombrear com a China e desde há muito disputa questões de guerra fronteiriças com a mesma China e fala e escreve em inglês, vai consentir submeter-se à economia, à moeda, à língua, à escrita, à cultura confucionista?
Mais, quase o mesmo para a África do Sul e como se relacionarão xiitas do Irão com sunitas da Arábia Saudita e como vai a Rússia imperial de Putin e de sempre sujeitar-se ao império chinês com quem tem milhares de Kms de fronteiras cobiçadas pelos chineses?
Sempre notei aos meus amigos que penso que os BRICS são uma oportunidade que os grandes países do mundo se querem servir para fazer grandes trocas de comércio e negócios e, simultaneamente, libertarem-se dos condicionalismos que os USA através da moeda e do seu vasto mercado sempre conseguem impor globalmente.
jose neves
Bom dia. Vamos lá então olhar para estas coisas com olhos de ver. Numa cidade de um país que está “internacionalmente isolado” estão reunidos durante três dias delegações de alto nível de 24 países. Presentes estão também vinte líderes políticos máximos, tais como o da China, Índia, África do Sul, etc. Lula não foi porque teve um acidente, mas enviou o seu chanceler. Após o acordo obtido, neste quadro multilateral, entre Irão e Arábia Saudita (já há algum tempo, mediante os bons ofícios sino-russos), a China e a Índia sentam-se agora à mesa para finalizar um importantíssimo acordo que põe fim a uma disputa territorial que envenenava a relação entre ambos os países. Enquanto isso, são assinados inúmeros acordos comerciais e desenhadas políticas económico-financeiras de largo alcance, tendentes a resolver os problemas de pagamentos colocados pelas "restrições" do sistema Swift e, em última análise, políticas que vão aprofundar ainda mais a “desdolerização” em curso. Cereja no topo do bolo: amanhã, tudo o indica, o senhor António Guterres deslocar-se-á a território Russo para se encontrar com o senhor Vladimir Putin. Na noite informal do primeiro dia houve direito a Kalinka (não uma porcaria qualquer como taylor swift), que se revelou um sucesso, até entre os líderes árabes presentes. E vem o senhor falar-nos da “identidade” do G7 e de “coreografias diplomáticas” ridículas. Sim, sim, pois, pois. Entendo, entendo.
Excelente "artigo", concordo inteiramente com tudo o que diz Francisco e explicou algumas coisas que eu não sabia.
Muito obrigado
Hoje de manhã, na insuspeita folhe de couve chamada The Guardian. Estão furiosos com o Guterres e com o adeus ao dólar. O ponto a que isto chegou. Como é que era mesmo? Tennis elbow? ^_^
Peço desculpa senhor embaixador, mas não resisto, terá que ter em linha de conta que, on and on, é apenas mais uma metáfora na parede. ^_^
Grande análise! Muito obrigado senhor Embaixador.
"...confirmou que o ocidente tinha dois pesos e duas medidas..." - mais cego é quem não quer ver!
Tony Fedup
O anónimo da 1:24 fui eu (por lapso faltou assinar). Registo o despacho da Reuters e as notícias recentes sobre a oposição do Brasil às parcerias dos BRICs com a Venezuela e a Nicarágua. Felizmente o Itamaraty não dome! E fica a minha retratação pelo erro de análise.
Senhor embaixador, o seu mundo está em estado vegetativo. Quanto aos Brics “estão verdes não prestam”. Sejam o sejam é com eles que teremos que nos entender sem termos de perfilhar os valores de muitos deles.
A Rússia, num tempo de grande dificuldade
Não sei onde vê o Francisco esse tempo de grande dificuldade. A Rússia está com a economia a crescer a 3% ao ano; só um único país (a Polónia) da União Europeia atinge esse número. Gostaria mesmo que o Francisco nos explicasse em que aspetos da Rússia vê "grande dificuldade".
Pelo belo barómetro que são as resoluções da Assembleia Geral da ONU, percebeu-se que esse argumentário euro-americano começou por ter algum sucesso junto d[o] "Sul global".
O barómetro das Nações Unidas não é bom. O barómetro correto são as relações comerciais e financeiras com a Rússia. Que países do "Sul Global" deixaram de ter relações com a Rússia desde 2022? Praticamente nenhuns, diria eu.
É claro que nas Nações Unidas quase todos votaram contra a invasão da Ucrânia, mas praticamente ninguém, exceto os vassalos dos EUA, decidiu cortar relações com a Rússia por causa disso.
Segundo Alexander Mercouris, no seu podcast de ontem (22.10.2024), os jornais ingleses todos, sem exceção, referem-se ao encontro de vários líderes que está a ter lugar em Kazan mas jamais mencionam que se trata de uma cimeira dos BRICs. Ou seja, de acordo com esses jornais, por mero acaso deu na telha a diversos líderes internacionais irem todos a Kazan no mesmo dia - não há qualquer referência a terem lá ido por causa dos BRICs.
Não sei se é verdade mas, se fôr, é sintomático.
Senhor Embaixador : Quando o « fulano » Jim O’Neil , chefe economista da Goldman Sachs , juntou as primeiras letras do Brasil, Rússia, Índia e China, para formar o acrónimo BRIC, ao qual se juntou mais tarde a letra “S” da África do Sul ,da maneira que muito bem explicou, para formar o BRICS, talvez tenha identificado neste agregado mais “cimento estratégico próprio” que aquilo que Sr. escreve .
.Assim, quando escreve:” Curiosamente, foi o mundo desenvolvido que deu alguma força aos BRICS “
Eu tinha pensado que este grupo de países , com base em características comuns, provavelmente dominaria a economia mundial do século que acabava de abrir.
Creio que é o sonho de centenas de milhões de indivíduos no planeta, fartos da hegemonia americana que, como mito bem o Sr.escreve: “G7, onde a preeminência dos Estados Unidos é não só tolerada como aceite como uma fatalidade”.
Com efeito, os quatro países têm características comuns que lhes poderá permitir posicionar-se no topo do ranking das potências económicas mundiais em poucas décadas:
Estatuto de economias em desenvolvimento, uma grande população, um vasto território, recursos estratégicos abundantes recursos naturais e perspectivas de um forte crescimento do PIB e da participação no comércio mundial.
Quanto à África do Sul, proporcionar a representação ao continente africano no contexto do grupo que aspira a liderar o Sul Global, talvez esteja por trás deste convite. E na África os recursos são imensos.
Escreve e muito bem que, “E assim os BRICS, nos dias de hoje, vão andando na tentativa de densificação da sua cooperação. Mas sente-se que o mundo ocidental anda cada vez mais preocupado com este diálogo acrescido. E, numa estupidez estratégica e declaratória, junta, às vezes, tudo no mesmo saco.”
Ocidente mais preocupado?” Anda, anda.
E o sistema mediático ocidental não diz tudo o que sabe ! Por exemplo:
A criação do Transportador Internacional do Corredor Norte Sul (Insct) É um projecto de infra-estruturas multimédia, naval, ferroviária e rodoviária que abrange 7.200 km entre a Índia, o Irão, o Azerbaijão, a Ásia Central, a Rússia e a Europa, interligado à rota ferroviária meridional da Rota da Seda Chinesa.
O corredor de transporte internacional Norte-Sul entrou em funcionamento a 7 de Julho de 2022, quando a empresa russa RZD Logistics anunciou ter transportado com sucesso a sua primeira carga para a Índia através desta infra-estrutura multimédia, que, segundo um estudo realizado pela Federação dos Transitários Associações da Índia (FFFAI), 30% de poupança e é 40% mais curta que a rota do Suez
A rota centra-se principalmente na transferência de mercadorias ao longo do eixo estratégico Índia-Irão-Azerbaijão-Rússia, como alternativa à rota mais longa e cara do Canal do Suez, e é de particular importância geopolítica e geoestratégica para a Rússia e o Irão, ambos de que estão sujeitos a sanções dos EUA.
Pode escrever-se o que se quiser sobre os ditos BRICS, quer na imprensa inglesa, sempre enviesada e com zero credibilidade no que respeita à Rússia/Ucrânia, ou por cá nos nossos “media”, ou noutros países vassalos dos EUA, mas, a verdade é que, hoje, quer se goste ou não, os BRICS são uma realidade (menos homogénea que o G-7, facilmente compreensível, pois neste grupo 1 país comanda as hostes, os outros 6 são servos da gleba dos EUA). Aos poucos, foram cimentando um determinado conjunto de interesses, criaram um Banco (e até uma sucursal desse Banco, sediado na África do Sul), com sede na China (actualmente a ser presidido por Dilma Russef) e pesam mais economicamente e em termos de PIB do que aqueles 7 manjericos do G. Entretanto, a Arábia Saudita decidiu “desprender-se” de algum modo dos “petrodolares” e as suas trocas comerciais com a China já são realizadas na moeda chinesa. E, recentemente, alguns países aderiram aos tais BRICS. E seguramente outros se lhe juntarão. E outros e outros. A Turquia, ao que li, teria interesse, num futuro próximo, em aderir igualmente. E um dia, quem sabe, ainda criarão uma moeda própria para transações comerciais. O que colocaria a moeda do Império (EUA) em risco e por junto a sua economia (o Mundo agradeceria). Não me admiraria nada que tal viesse um dia a suceder. Quanto à Rússia, a sua economia está melhor e não acusa os constrangimentos que o sacrossanto Ocidente esperaria, através das sanções (sanções que não impõe aos genocidas de Israel). Como referem alguns meios de comunicação social ocidentais, com pesar, naturalmente.
Um Post, este seu, que li com interesse.
a) P. Rufino
Fazer de nós parvos, é o mais certo!
Schröder mais um sem número de altos dirigentes políticos, de diversos países ocidentais, com cargos bem destacados em empresas russas e de outros brics, estão aí como prova.
Depois a UE evidência mais assertiva dita por Lula da Silva: “é inadmissível o país maior produtor e exportador mundial de proteína tenha milhões de pessoas passando fome”.
Carneiro
Gostava de saber a opinião do Sr. Embaixador sobre a partiipação de António Guterres na Cimeira dos Brics na Rússia, o lado de Putin.
Luis Lavoura disse às 15:21 : « encontro de vários líderes que está a ter lugar em Kazan mas jamais mencionam que se trata de uma cimeira dos BRICs.”.
Tem razão. António Guterres também já lá chegou, o que não agradou a Zelensky, que critica furiosamente esta visita do Secretário-geral da ONU. Zelensky quer assim auto nomear-se controlador das relações internacionais.
Espero que António Guterres é bem protegido! Não devemos esquecer o Conde Folke Bernadotte.
Será que os BRICS – o acrónimo parece desactualizado face à adesão de 13 novos membros associados, mas sem direito a voto, o que curiosamente aproxima a organização, com o voto restrito aos 5 membros efectivos, ao Conselho de Segurança da ONU onde também os 5 membros permanentes possuem direito de veto sobre as decisões a tomar – podem ser política e economicamente uma possível alternativa aos Estados Unidos e à União Europeia, especialmente num quadro de um novo contexto de multipolaridade global?
Tenho dúvidas.
Em termos políticos, apesar de suas semelhanças em termos de defesa de um sistema global mais multilateral, em contraste com a actual ordem mundial dominada por Estados Unidos e seus aliados ocidentais, a verdade é que os países dos BRICS enfrentam tensões internas significativas, por exemplo, a China e a Índia têm disputas territoriais ancestrais, e há diferenças políticas entre regimes democráticos (Brasil, Índia, África do Sul) e autoritários (China, Rússia), divergências essas que limitam a coesão política do grupo.
De igual modo, quanto a uma alternativa económica. Embora representem um bloco de economias emergentes de rápido crescimento (como a Índia e China) e juntos representem mais de um quarto do PIB mundial (ultrapassando já o dos países do G7) e cerca de 40% da população mundial, criando um peso económico que pode competir com o dos Estados Unidos e da União Europeia, a verdade é que não existe entre eles uma integração económica e institucional desenvolvida.
Por outro lado, conquanto os BRICS procurem reduzir a sua dependência dos EUA e UE, as suas economias estão profundamente dependentes dos mercados ocidentais, designadamente em termos de exportação, investimentos e tecnologia, e cujo acesso é predominante para o seu desenvolvimento.
Enfim e, por último, embora tenham criado em 2014 o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), cuja presidente é Dilma Rousseff, a ex-presidente brasileira, com o objectivo de reduzir a dependência das instituições financeiras, como o FMI e o Banco Mundial e do dólar nas transações internacionais, o certo é que tal pressupõe a existência de uma moeda comum (contraposta ao dólar ou ao euro) em detrimento do uso das moedas locais nas transacções comerciais entre elas. É aqui que a “porca torce o rabo” – nem a China aceita que essa moeda seja o “rublo”, nem a Rússia o “renminbi”, a China e a Rússia que seja a “rupia indiana” e assim concomitantemente entre os países dos BRICS.
Não tendo a moeda única europeia (“Euro”) conseguido equiparar-se ao “Dólar” nas transações internacionais, será que os BRICS conseguiram chegar a acordo sobre a criação de uma moeda comum, alternativa à moeda americana, nas transacções comerciais entre eles.
São estas dissonâncias internas e limitações de integração económica-financeira que dificultam a actuação dos BRIC como um verdadeiro contra-poder unido aos Estados Unidos (a supremacia económica dos EUA está indissociavelmente ligada á dolarização da economia mundial) e também, embora menos significativamente, à União Europeia.
Assim se aprende.
Claro que assistimos à construção do edifício, e estamos ao nível das fundações.
Existe um objectivo e isso é importante. E os obreiros estão à obra.
São muitas as expectativas quanto às decisões e ao rumo político que esta cimeira irá tomar, desde uma discussão sobre a reforma do sistema financeiro internacional à guerra no Médio Oriente, passando por um debate sobre as regras para a adesão de novos membros até uma reforma do sistema de pagamentos internacionais. Um sinal que não engana o peso político (e não só económico) que este grupo de países representa. A ver no final do fórum.
O facto de a cimeira se realizar na Rússia e de os líderes de países que, em conjunto, representam 45% da população mundial e um PIB (PPP) superior ao do G7 terem vindo aqui, rompe com a retórica em voga no Ocidente do "isolamento da Federação Russa" por parte da comunidade internacional.
Quando penso nas votações como as das Assembleias-gerais das Nações Unidas ou a lista de países que aderiram à política de sanções dos Estados Unidos, vê-se bem a mentira que chegou à percepção das massas aqui na Europa.
Claro que o G7 já apontou as baterias para fazer fogo sobre o BRICS. Era de esperar.
Mas o BRICS+ é o resultado de uma expansão gradual das cimeiras informais dos países BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), que nunca se viram como o pivô de um polo geopolítico nascente, política e ideologicamente homogéneo e dirigido contra outros países ou blocos geopolíticos.
Uma vez que não existe uma hierarquia de poder nas relações entre os países, este clube só pode tomar decisões por consenso.
Isto não significa que as relações de poder não existam e não sejam válidas. Creio que se trata duma metodologia de relações entre grandes países que é alternativa àquela que está em voga aqui no Ocidente onde, sob o verniz (cada vez mais rendilhado) de uma democracia que é exibida mas não praticada, oculta um sistema de relações baseado na dependência de uma "periferia" de um "centro" de comando político e militar, que anula a soberania de Estados individuais.
Deste ponto de vista, a diferença entre o modus operandi em voga entre os países BRICS+ e, por exemplo, o G7, é gritante.
Como o nosso Embaixador muito bem escreveu: “a preeminência dos Estados Unidos é não só tolerada como aceite como uma fatalidade”/
Deu-me particular prazer, a presença do secretário-geral da ONU, António Guterres, na cimeira de Kazan. Não se trata de uma novidade em si. Guterres já tinha participado na cimeira anterior na África do Sul e está habituado a participar em cimeiras com um grande número de Estados-membros da ONU, mas a sua participação hoje tem um significado especial.
E se as baterias nazis de Kiev já dispararam contra ele, não é grave!
P.Rufino nota no seu texto ,o ponto importante duma nova ordem financeira internacional .
A actual ordem financeira baseia-se num sistema institucional altamente desequilibrado que serve os interesses dos países ricos do Norte em detrimento da maioria dos países de baixo rendimento do Sul.
Um estudo do World Inequality Lab mostra que houve uma transferência líquida de riqueza dos países pobres para os ricos ao longo dos anos. As maiores economias do mundo receberam uma transferência directa de riqueza equivalente a 1% do seu PIB (1% se tivermos em conta os 20% das economias mais ricas do mundo, 2% se reduzirmos o âmbito para 10% dessas economias) dos 80% dos países mais pobres,
que são assim forçados a transferir cerca de 2-3% do seu PIB todos os anos. Montantes que poderiam ser consagrados às políticas de desenvolvimento a nível nacional. Esta transferência de riqueza é possibilitada pela centralidade do dólar no comércio internacional, privilégio que institucionaliza essa fuga de recursos dos países pobres para os países ricos.
Como superar esse sistema iníquo, por meio de acções capazes de definir uma nova ordem financeira internacional, por exemplo, através da criação de uma unidade monetária contável comum para os países BRICS.
(Já foi identificado um possível nome: " Unidade".)
Claro que assistimos à construção do edifício, e estamos ao nível das fundações.
Existe um objectivo e isso é importante. E os obreiros estão à obra.
São muitas as expectativas quanto às decisões e ao rumo político que esta cimeira irá tomar, desde uma discussão sobre a reforma do sistema financeiro internacional à guerra no Médio Oriente, passando por um debate sobre as regras para a adesão de novos membros até uma reforma do sistema de pagamentos internacionais. Um sinal que não engana o peso político (e não só económico) que este grupo de países representa. A ver no final do fórum.
O facto de a cimeira se realizar na Rússia e de os líderes de países que, em conjunto, representam 45% da população mundial e um PIB (PPP) superior ao do G7 terem vindo aqui, rompe com a retórica em voga no Ocidente do "isolamento da Federação Russa" por parte da comunidade internacional.
Quando penso nas votações como as das Assembleias-gerais das Nações Unidas ou a lista de países que aderiram à política de sanções dos Estados Unidos, vê-se bem a mentira que chegou à percepção das massas aqui na Europa.
Claro que o G7 já apontou as baterias para fazer fogo sobre o BRICS. Era de esperar.
Mas o BRICS+ é o resultado de uma expansão gradual das cimeiras informais dos países BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), que nunca se viram como o pivô de um polo geopolítico nascente, política e ideologicamente homogéneo e dirigido contra outros países ou blocos geopolíticos.
Uma vez que não existe uma hierarquia de poder nas relações entre os países, este clube só pode tomar decisões por consenso.
Isto não significa que as relações de poder não existam e não sejam válidas. Creio que se trata duma metodologia de relações entre grandes países que é alternativa àquela que está em voga aqui no Ocidente onde, sob o verniz (cada vez mais rendilhado) de uma democracia que é exibida mas não praticada, oculta um sistema de relações baseado na dependência de uma "periferia" de um "centro" de comando político e militar, que anula a soberania de Estados individuais.
Deste ponto de vista, a diferença entre o modus operandi em voga entre os países BRICS+ e, por exemplo, o G7, é gritante.
Como o nosso Embaixador muito bem escreveu: “a preeminência dos Estados Unidos é não só tolerada como aceite como uma fatalidade”/
Deu-me panicular prazer, a presença do secretário-geral da ONU, António Guterres, na cimeira de Kazan. Não se trata de uma novidade em si. Guterres já tinha participado na cimeira anterior na África do Sul e está habituado a participar em cimeiras com um grande número de Estados-membros da ONU, mas a sua participação hoje tem um significado especial.
E se as baterias nazis de Kiev já dispararam contra ele, não é grave!
P.Rufino nota no seu texto ,o ponto importante duma nova ordem financeira internacional
A actual ordem financeira baseia-se num sistema institucional altamente desequilibrado que serve os interesses dos países ricos do Norte em detrimento da maioria dos países de baixo rendimento do Sul.
Um estudo do World Inequality Lab mostra que houve uma transferência líquida de riqueza dos países pobres para os ricos ao longo dos anos. As maiores economias do mundo receberam uma transferência directa de riqueza equivalente a 1% do seu PIB (1% se tivermos em conta os 20% das economias mais ricas do mundo, 2% se reduzirmos o âmbito para 10% dessas economias) dos 80% dos países mais pobres,
que são assim forçados a transferir cerca de 2-3% do seu PIB todos os anos. Montantes que poderiam ser consagrados às políticas de desenvolvimento a nível nacional. Esta transferência de riqueza é possibilitada pela centralidade do dólar no comércio internacional, privilégio que institucionaliza essa fuga de recursos dos países pobres para os países ricos.
Como superar esse sistema iníquo, por meio de acções capazes de definir uma nova ordem financeira internacional, por exemplo, através da criação de uma unidade monetária contável comum para os países BRICS/
(Já foi identificado um possível nome: " Unidade".)
O comentàrio acima é meu.
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