sábado, maio 04, 2019

Wishful thinking

O dia de ontem acabou dominado por um bom e firme discurso de António Costa, em que cuidou em atenuar discretamente as culpas dos parceiros da geringonça (quiçá na esperança de não fechar as portas a um futuro novo acordo), passando o essencial do ónus da crise para a direita, pelo que esta agora revelou de incoerência e de irresponsabilidade. Com esta atitude de oportunismo demagógico, à cata da popularidade fácil no importante eleitorado que os professores representam, mesmo com o risco de desencadearem uma bola de neve de reivindicações em setores similares, PSD e CDS desmascararam-se, alienaram a imagem de responsabilidade a que queriam colar-se pelos alegados méritos da governação nos tempos da troika, e, ao fazê-lo, deram ao PS, de mão beijada, um inesperado trunfo, permitindo-lhe poder ter sólidas razões para se afirmar como o partido do rigor financeiro, do respeito pelos compromissos europeus, à cabeça de um governo que, não obstante isso, conseguiu concretizar algumas medidas de atenuação dos sofrimentos, à escala daquilo que era exequível. O PS, cuja campanha europeia ia da banalidade às ruas da amargura, retomou assim a iniciativa política, num registo de Estado. Costa ganhou e, para alguns mais otimistas, pode mesmo voltar a sonhar com a maioria absoluta, PSD e CDS degradaram visivelmente a sua imagem, BE e PCP foram apenas coerentes e previsíveis. Em 24 horas, o PS conseguiu um salto de credibilidade que pode dar-lhe uma segunda vida e fundamentos para um reforço da vitória eleitoral que já seria sempre a sua.

O que acabo de escrever, no longo parágrafo anterior, reproduz uma narrativa comum. Mas nem tudo o que está nesse texto constitui, necessariamente, a minha opinião sobre o que, de facto, se está a passar, embora ali se espelhe muito daquilo que eu gostaria que viesse a acontecer. Os anglo-saxónicos chamam a este tipo de exercícios - um pensamento comandado pelos desejos - “wishful thinking”.

15 comentários:

Anónimo disse...

Nem o marketing do PS iria tão longe! Cuidado com a propaganda enganosa

Anónimo disse...

Conseguido exemplo de a diplomatica arte do não desagradar, nem a gregos nem a troianos. Subtil.
Desta vez será possível escolher a (viciada) pista em que burro e Ferrari se defrontarão?.

Pedro F. Correia disse...

Solicito paciência permitindo-me desviar a atenção do artigo. Estou com pavio curto... Por falar em "oportunismo demagógico" este pareceu-me à escala planetária:

https://www.zerohedge.com/news/2019-05-02/hillary-clinton-asks-china-steal-trumps-tax-returnshttps://www.zerohedge.com/news/2019-05-02/hillary-clinton-asks-china-steal-trumps-tax-returns

«Ask China...???» Does she knows the tech of his own country?»

Está (quase) tudo doido?

Anónimo disse...

é triste e sempre uma constante que acho perigosa porque dá origem à pobreza, que as decisões do país e acordos entre órgãos do governo se façam tendo como objetivo critérios de poder e de benefícios para certas classes de cidadãos em detrimento de outras categorias e do futuro dos nossos filhos

Jaime Santos disse...

O registo irónico nem sempre é o mais esclarecedor. Qual é então a sua opinião, Sr. Embaixador? A fuga para a frente de Costa não é naturalmente isenta de riscos e, como alguém dizia, 'a month is a long time in politics'...

Zé Escorpião disse...


António Costa, com o anúncio da possível demissão, fez uma jogada de mestre. Passou as europeias, que não lhe estavam a correr bem, para segundo plano e o ónus da crise para a coligação negativa formada na AR. Aguardo com curiosidade a atuação do PR.….

aamgvieira disse...

""Quanto perderam os portugueses que trabalham no sector privado, que têm empresas ou que trabalham por conta própria nestes 9 anos, 4 meses e 2 dias?" E a nós quem nos devolve o que perdemos?"

Helena Matos,Observador

Anónimo disse...

Costa nem precisa ser bom, com a nulidade atarantada da oposição que tem. E não é bom, tem muito calo político, o que é diferente. De qualquer modo, nem o PSD nem o CDS precisavam de se enterrar neste momento, bastava uma sábia inactividade. Quanto ao resto, pessoalmente não desejo mais Geringonça, já basta. O problema são as alternativas.
No meu caso, e considero-me a pender para o liberal, acabo muitas vezes por me sentir melhor representado pelo BE e PCP, e isso não é normal. Não são, definitivamente, partidos liberais.
Nunca voto de cruz, mas começo a cansar-me de “votar útil” , e qualquer dia junto-me à maioria que não está para se incomodar a dar um pulinho às urnas. Já faltou mais.

J. I. Toscano disse...

Ensinaram-me em pequenino que nunca devemos ameaçar que nos demitimos. E quando alguém nos ameaça com isso só há uma resposta: Então demita-se!

Anónimo disse...

Costa inventou uma crise para tentar obter mais votos do que aqueles que é suposto vir a obter (em Maio, nas eleições Europeias). Mas, não creio que resultará. Hoje, quem é contra Costa, continuará a sê-lo, se calhar com mais força após esta ameaça irresponsável de demissão. Resta esperar que o PR tenha mais sentido de Estado (terá?) e não aceite a demissão de Costa e em vez de apressar as eleições legislativas para Julho, mantê-las para Outubro. Esta medida, a ser aprovada na A.R, não traz nenhuma alteração orçamental para este ano, nem mesmo, os tais 800 milhões e picos para cada ano, ao contrário do que demagogicamente Costa, Centeno e o PS nos tentam fazer crer. É lamentável esta atitude de António Costa. E de um oportunismo político revoltante. Costa não é um Estadista, mas um manobrador político.

Anónimo disse...

A 1ª vez que estou de acordo com o Sr. Vieira! Iluminou-se! A direita, entusiasmou-se e fez, contra o que sempre apregoou, sobre as contas públicas, uma grande borrada, que, penso, lhe poderá sair cara. O Dr. Costa vai sair muito bem disto tudo. Tenho essa convicção.

Anónimo disse...

Estou convencido que mais 15 ou 20 anos e a percentagem de pessoas que vota vai ser residual tal a qualidade que temos tido de governantes.

Joaquim de Freitas disse...

Seria um enorme tiro no pé, se a Direita, nesta manobra de aliança com a Esquerda (PC+ BE), oferecia a maioria absoluta ao PS nas próximas eleições.
Assim aconteceu ao Chirac quando dissolveu a Assembleia Nacional francesa, para salvar o seu PM, Alain Juppé, mal amado da época, dos seus próprios deputados, que dominavam a dita Assembleia com 80%, e que acabou por dar a maioria à Esquerda ‘(Jospin), nas eleições legislativas seguintes… Nunca se viu isso antes, na 5° Republica nem em França.

Anónimo disse...

A isto se costuma chamar lucidez: "O que acabo de escrever (...) reproduz uma narrativa (...). Mas nem tudo o que está nesse texto constitui, necessariamente, a minha opinião sobre o que, de facto, se está a passar, embora ali se espelhe muito daquilo que eu gostaria que viesse a acontecer." Porém, em vez de lucidez também pode apodar-se de prosa à superfície. Penderão estas e outras opiniões das emoções que o espetador tenha desenvolvido relativamente ao que o Senhor Embaixador diz, como diz, que voz tem prolongado e como se apresenta. Só menciono isto para alertar contra os perigos demagógicos contra a democracia, não suscitados por si ou pelo seu texto, nada disto, mas apenas porque me recordei dos preconceitos identitários e emoções que os acompanham, que fazem as massas pender para aqui e para ali. Para mim, em jeito de auto-crítica recordo, a propósito do muito falatório que despendi aqui, a mensagem (post não) 1307 do saudoso abrupto.blogspot.pt:

nagaki hi o saezuri taranu hibari kana

À cotovia,
Que canta sem cessar,
O dia inteiro não basta.

(Bashô, tradução de Edson Kenji Iura)
Bom dia!

Pedro F. Correia disse...

Desculpe Vossa Excelência, mas vem tão a propósito que não resisti. Resistirá o Senhor com sua moderação de mensagens...

Solicita-se reflexões (pequenas) ou referências a outros escritos para integrar numa reflexão de caráter científico:

Caderno Monárquico: Relevante: Moritz Schularick «The more financially integrated a country is, the more it aims to protect itself from the risks stemming from such...

«Exempo da ideologia que a circunstância permite. As ideologias são populares como sementes esperando a sua circunstância primaveril... Ou não será assim? Solicitam-se respostas, hipóteses diversas, etc. Abr»

Às vezes, chovia

(Texto aqui publicado em outubro de 2016, quando passaram alguns meses sem que chovesse ou ventasse em Lisboa. Mas já ninguém se lembra diss...