Foi numa noite de Consoada como esta, há bem mais de sete décadas. Em casa da minha avó paterna, em Viana do Castelo, a família tinha estado reunida no jantar de Consoada. No dia seguinte, os meus pais e eu partiríamos de comboio para Vila Real, onde teria lugar um jantar no dia de Natal, desta vez com os meus avós maternos e a família desse lado. Foi assim, por muitos e bons anos, a geografia dos meus Natais.
Para mim, por essas horas, só havia um tema importante: os presentes. Na manhã de 25, junto ao presépio e à árvore, sabia que iriam surgir coisas que, segundo a narrativa que dominava a minha cabeça, o Pai Natal ali teria colocado durante a madrugada. E, na noite seguinte, quando chegasse a Vila Real, outro conjunto de presentes estaria à minha espera. De certo modo, eu sentia-me beneficiado, em relação a alguns dos meus primos. É que o Pai Natal faria duas deslocações por minha causa.
A noite de Consoada em Viana estava a terminar. Os meus tios começavam a despedir-se e a sair para as respetivas casas. Foi então que um primo, um ano mais velho do que eu, me chamou a um corredor interior daquela grande casa do Largo Vasco da Gama e, com um sorriso de superioridade, de quem sabia mais do que eu, me disse: "Queres ver os teus presentes?". E abriu a porta de um compartimento interior, apontando-me umas caixas coloridas. "Ai julgavas que era o Pai Natal?! Quem comprou as coisas foram os teus pais...". E, imagino que contente com a minha cara, correu e desapareceu de cena.
Não me lembro de ter sentido um grande desapontamento, como hoje seria bonito dizer. Não posso mesmo excluir que a revelação tivesse apenas confirmado alguma coisa que eu já suspeitasse, talvez mesmo uma dúvida sobre dificuldade logística da imensa tarefa do Pai Natal. De uma coisa tenho a certeza: custou-me imenso a adormecer. Não terá sido pela desilusão induzida pelo gesto do meu primo, mas apenas porque passei algum tempo a magicar que diabo estaria dentro daquelas caixas. Dali a horas, contar-me-iam, como habitualmente, a história de que tudo se ficava a dever à gentileza anual de um errante tipo de barbas brancas. Intimamente, devo ter-me sentido mais forte perante os meus pais: é que eles não sabiam que eu já sabia a verdade!

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