Guardei comigo esta história. Nunca a contei por aqui. Agora, passados que foram mais de 18 anos, acho que o "embargo" já pode ser levantado.
Estávamos algures em 1998. Viviam-se os tempos delicados da negociação do quadro financeiro plurianual da União Europeia, para vigorar entre 2000 e 2006, a chamada Agenda 2000. Esse era, no momento, o nosso principal dossiê europeu.
Um dia, uma delegação governamental portuguesa - constituída por Guterres, Jaime Gama e eu - foi a Bruxelas, para diversos encontros com a Comissão Europeia. Já não recordo o conteúdo substantivo dos trabalhos desse dia, mas lembro-me muito bem do episódio que vou relatar.
O presidente da Comissão, Jacques Santer, ofereceu um almoço, como era de regra quando um primeiro-ministro se deslocava à Comissão. Era comissário português João de Deus Pinheiro, que ficou sentado na mesa à direita de Guterres e à minha frente. O primeuro-ministro português tinha à sua esquerda Monika Wulf-Mathies, a poderosa comissária que tratava dos fundos estruturais - a razão da nossa visita. Do outro lado da mesa, em frente a Guterres, estava Santer, que tinha Gama à sua direita e eu do outro lado. À minha esquerda sentava-se o comissário britânico Niel Kinnock, por quem passavam alguns outros interesses nacionais que importava cuidar.
O almoço decorria num tom muito agradável, sem obrigar à abordagem conjunta de dossiês técnicos (embora bilateralmente não deixássemos de os tocar, com os nossos parceiros imediatos de mesa), que haviam sido detalhadamente tratados nas reuniões de trabalho.
Santer era uma homem cordial e, com o evoluir do repasto, ia-se tornando mais prolixo e desinibido. Por isso, a conversa fluía solta, saltitando entre o francês e o inglês, o "franglais", que era então a "língua franca" das instituições comunitárias.
(Para contextualizar o que se segue, convém lembrar que o tema internacional da época era a possibilidade de Bill Clinton poder vir a ser destituído da presidência americana, por acusações de ter faltado à verdade no inquérito judicial sobre o seu "affair" com uma estagiária da Casa Branca, de seu nome Monica Lewinsky).
Num determinado momento, por um daqueles acasos que sucedem durante as refeições, um silêncio estabeleceu-se, por breves instantes, a essa animada mesa. (Os franceses têm uma expressão para designar esses raros momentos: "un ange passe"). Da minha esquerda, ouvi então Kinnock interpelar, cruzando a mesa, a sua colega alemã, sobre uma questão qualquer : "Monika! Did you...? Wulf-Mathies respondeu, creio que por um sim ou um não. George Santer fixou, à sua frente, o primeiro-ministro português, testemunha do diálogo, e resolveu "constatar", com uma pretendida graça: "Tu vois, Antonio! Nous aussi, nous avons notre Monika!". E deixou cair uma gargalhada, de visível contentamento com a "trouvaille" gracejada.
A mesa gelou. Deus Pinheiro, à minha frente, olhou para mim, numa cumplicidade de espanto. À minha esquerda, Niel Kinnock balbuciou, incrédulo: "No! He didn't say what I heard!". De soslaio, olhei para Monika Wulf-Mathies. Por um segundo, temi que um copo voasse da sua frente para a cara de Santer, comigo como provável "colateral casualty". Hábil, Guterres mudou rapidamente de conversa, tentando restabelecer a normalidade das coisas. O almoço terminaria minutos depois. Wulf-Mathies despediu-se rapidamente de Guterres e zarpou, porta fora. Pode imaginar-se como ficaram as suas relações de trabalho com Jacques Santer. Aliás, não por muito tempo. Meses mais tarde a Comissão Santer seria destituída de funções, por razões que não vêm a este caso.
Foi um momento embaraçante. Já testemunhei outros, mas este foi dos mais curiosos.
3 comentários:
As coisas que o excesso de vinho faz...
Provavelmente Santer só se apercebeu da dimensão da asneira depois de a ter dito, esquecendo-se da razão para a fama da Sra. Lewinski. Isto digo eu que não conheci o Sr. Santer, mas que sei da tendência de certos homens (eu incluído) para meterem a pata na poça... Lá diz o povo que mais vale cair em graça do que ser engraçado...
um poste marialva revelador de frustações e preconceitos sexuais. são estas mentalidades liberais que governam a europa e nem sequer reparam nos tiros que dão nos pés.
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