O espetáculo dado pelas instituições europeias, ao longo das últimas semanas, relativamente a um eventual processo sancionatório a Portugal (e à Espanha) por incumprimento, em 2015, dos limites de défice das contas públicas face às metas previstas no Pacto de Estabilidade e Crescimento, teve contornos patéticos. Não me interessa aqui a questão de fundo, mas apenas a lamentável forma desse processo.
Foi impressionante ver essas entidades convertidas em fautoras de um processo de dramatização que, qualquer que viesse a ser a sua resultante final, funcionaria sempre como um “name and shame”, com a óbvia certeza de isso acabar por ter efeitos deletérios na apreciação dos mercados. Uma prova disso? Ontem mesmo, a não aplicação das sanções reduziu fortemente o “spread” das nossas taxas de juro, o que significa que o “ruído” europeu tinha contribuído para as fazer subir.
Se, no final de contas, tudo veio a resultar na não fixação de uma sanção, que sentido teve então toda aquela coreografia – da Comissão para o eurogrupo, desde para o Ecofin e volta –, o espetáculo das declarações ameaçadoras, a estranha mistura dos “desvios” de 2015 com as desconfianças relativas a 2016?
Dir-se-á que é a “liturgia” do processo europeu. Talvez, mas compete às instituições proteger os interesses dos Estados e não atuar de forma a não prejudicá-los, como danos colaterais da bizarria do seu mecanismo decisório.
Há já bastantes anos, fui testemunha silenciosa de uma curiosa conversa. Um ministro das Finanças e um seu adjunto, que aliás haveria um dia de ascender a esse mesmo lugar, louvavam a ideia do Banco Central Europeu e teciam loas àquilo que consideravam ser o futuro automatismo das políticas financeiras da moeda única. Ficou-me esta frase: “Vai funcionar um pouco como na justiça. Também haverá códigos, com penas correspondentes aos delitos cometidos. O importante, neste caso, é retirar qualquer margem de discricionaridade, que pode existir na avaliação das pessoas mas não pode prevalecer no caso do comportamento dos Estados. Mais do que a justiça humana, a justiça financeira deve ser cega”.
Era assim que a mentalidade liberal via o mundo. E, provavelmente, ainda vê. Desta vez, a “justiça financeira” não foi cega. A Comissão foi forçada a assumir a sua responsabilidade política, ao decidir o óbvio e ao não arriscar adotar uma medida cuja dimensão seria imensamente desproporcionada face à quase irrelevância da falta e ao impacto social que teria. Mas, tal como os ministros nos conselhos europeus, atuou, ao longo destas semanas, com uma leviandade que revela bem quanto as instituições europeias constituem hoje uma parte muito significativa dos problemas desta Europa.
2 comentários:
A outra justiça que tem prevalecido, a descriminaria - os amigos são para as ocasiões, é principalmente defendida e aplicada nos países em que o fosso entre os "bem" na vida e os mal na vida é maior, onde a governação tem conseguido défices excessivos sucessivamente, a bancarrota é a norma e a necessidade de viver a conta do que os outros produzem é apontado como culpa...dos "outros". Estranho ? não é o socialismo a que temos direito e para o qual temos votado.
Ficamos a perceber(como se fosse necessário) quem tem moral e a quem as regras são só para cumprir se der jeito.Talvez por isso Portugal tenha uma Brigada das Colheres a volta do tacho público maior que os outros, cara , inutil e até perniciosa, por vezes.
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