quarta-feira, julho 13, 2016

Santana pôde e Theresa "may"


A crónica do nosso reino consagrou, em 2004, a subida a S. Bento do então "número dois" do PSD, Santana Lopes, por simples substituição de Durão Barroso, emigrado para Bruxelas.

Devo dizer, em pouco discreta confidência, que a opção acabou por me satisfazer bastante. Por quatro razões cumulativas: o país teve a honra de ver um dos seus na presidência da Comissão Europeia (o que por lá se passou depois já é outra história), vimo-nos livres de um péssimo primeiro-ministro, inaugurámos um governo de "trapalhadas" que nos divertiu por um ano e, finalmente, "the last but not least", isso abriu caminho à recolocação dos socialistas no poder. No que me toca, continuo a pensar que foi um belo "pacote".

Hoje, os britânicos colocaram Theresa May no nº 10 de Downing Street quase da mesma forma. Enquanto, por cá, Jorge Sampaio foi criticado (bem ou mal) pela opção feita, no Reino (cada vez menos) Unido a raínha não tugiu nem mugiu e lá vai ter de aceitar o 13° primeiro-ministro do seu reinado.

Para quem não saiba, o sistema decisório do Partido Conservador britânico tem regras muito próprias. Quem dirige o partido é o grupo parlamentar. É exclusivamente no seio deste que as decisões sobre a liderança são tomadas. O partido, à escala nacional, "não existe" como poder permanente de direção política. Às "constituencies" locais cabe apenas organizar o Congresso anual (sob controlo discreto do "central office") e escolher os deputados, mas estes, depois de eleitos, ficam de mãos livres, embora respondam permanentemente na defesa dos interesses locais, sendo julgados no final do mandato. (Uma curiosidade: muitas "constituencies" conservadoras preferem designar deputados sem ligações locais, para evitar caciquismos: os candidatos às vagas, não importando a sua origem, são-lhes propostos pelo "central office" e depois escolhidos através de um exame oral. É verdade!)

É por virtude dessa dependência parlamentar que, quando a vontade maioritária dos deputados começa a apontar numa determinada direção para a definição da liderança partidária, os contendores potenciais se afastam logo. 

Veja-se o que aconteceu a Boris Johnson ou a Michael Gove, os quais, não obstante terem sido os "vencedores" do Brexit, desapareceram quase sem combate. Já assim tinha sido em 1990, quando Michael Heseltine não conseguiu substituir Margareth Thatcher e John Major ascendeu a primeiro-ministro. 

Nos tempos mais remotos, estas decisões eram tomadas nos clubes londrinos (onde os deputados da província pernoitavam e os caciques londrinos conciliabulizavam), podendo imaginar-se que as coisas, nos dias de hoje, estejam um pouco mais profissionalizadas.

Mas, enfim, hoje é um dia de "vingança" para Santana Lopes.

10 comentários:

JS disse...

Muito bom. Didático ao melhor nível.
" ... sendo (os deputados) julgados no final do mandato. ...".

Algo como todo o 4º parágrafo devia ser divulgado, não só em establecimentos de ensino, mas também pela comunicação social antes e durante os períodos eleitorais.

É pena que a escola de pensamento dos constitucionalistas portuguêses tenha assiduamente cultivado uma noção de "democracia" exclusivamente partidocrata.

O triste resultado de 40 anos de impunidade nominal está e, pelo andar da carruagem, estará infelizmente à vista por muitos e maus anos.

PS - É só uma opinião, claro.

Anónimo disse...

E Costa pode!!! Não é a mesma coisa?
Que distorção! Os partidocratas só olham para o "umbigo"!

Luís Lavoura disse...

É por virtude dessa dependência parlamentar que, quando a vontade maioritária dos deputados começa a apontar numa determinada direção para a definição da liderança partidária, os contendores potenciais se afastam logo.

Confessor que não entendo bem este argumento.

Seja quem fôr que escolha a liderança, sejam os deputados ou seja outro "corpo" qualquer, haverá sempre uma vontade maioritária que a certa altura começará a apontar numa determinada direção. Isso não é razão para que quem seja contra essa vontade maioritária abandone logo a corrida.

Não é por serem os deputados a escolher a liderança que Johnson ou Grove se afastaram. Eles afastaram-se porque não tiveram coragem de perder na votação.

Os corajosos vão a votos mesmo sabendo que vão perder.

Francisco Seixas da Costa disse...

É muito simples, Luis Lavoura. Uma coisa é ir a votos numas eleições abertas, por exemplo, numas primárias, como foi o caso da escolha de Corbyn nos trabalhistas. Outra é uma seleção no seio do grupo parlamentar onde, ao final de escassos dias de avaliação quanto à simpatia pelas candidaturas entretanto apresentadas, se pressente logo quem vai ganhar. A prática do Partido Conservador britânico é essa, historicamente. É o que é, não o que "deve" ser.

Anónimo disse...

Senhor Embaixador

Não se esqueça que não houve votação dos militantes do Partido Conservador para escolher o seu líder, apenas porque a outra candidata que iria a votação interna desistiu, pois se se tivessem mantido as duas teria de ter lugar essa votação.

Essa opção parece-me ser a mais eficaz, nomeadamente porque permite que o Governo da Grã-Bretanha continue a funcionar, sem hiatos.

Já a opção dos trabalhistas me parece muito menos feliz, pois o esquema de eleição interna do líder pode continuar a ser uma benção para os "tories".



Jaime Santos disse...

A regra vigente nos Tories atualmente é que os diferentes candidatos a líder apresentam-se a eleições sucessivas em que o menos votado vai sendo eliminado. Quando já sobram só dois, esses apresentam-se a uma eleição em que votam todos os 150.000 militantes do Partido Conservador. Na situação presente, essa eleição final deveria fazer-se com Theresa May e Andrea Leadsom como candidatas. Sucede que esta última desistiu depois de ter dito uma data de tolices sobre a adversária na semana passada, e de ter sido grelhada pela imprensa Tory (que não queria alguém tão pouco experiente e tão à Direita). Quanto à questão de Santana, de facto o PR tinha então toda a liberdade de não aceitar a escolha do partido mais votado para PM. Sampaio poderia ter dissolvido a AR e convocado eleições antecipadas (passavam mais de seis meses das últimas eleições), mas julgou por bem não o fazer (A posteriori, pareceu-me má ideia, já que acho que Ferro Rodrigues teria sido muito melhor PM do que Sócrates, por isso discordo do Sr. Embaixador). A Rainha de Inglaterra não tem essa liberdade, é o que dá não ter legitimidade eleitoral...

Francisco Seixas da Costa disse...

À atenção de Jaime Santos

http://www.economist.com/news/britain/21702171-omens-are-not-good-leaders-who-come-power-without-winning-election-theresa-may

Anónimo disse...

O governo do Socrates foi um bonito pacote... foi foi... bem bonito... alias.. em perfeita sintoni com a etica republicana.

Jaime Santos disse...

Agradeço o link, Sr. Embaixador. Mas, embora a Sra Leadsom tivesse argumentado no momento em que desistiu que o fazia por falta de apoio dos parlamentares dos Tories, isso já era verdade na primeira volta e ela só desistiu depois da segunda (em que Gove foi eliminado, já que o outros candidatos ora foram eliminados ora desistiram antes da segunda volta). Leadsom tinha, de acordo com o Guardian, chances de ser eleita pelos militantes Tories, que são, como ela, bem mais à Direita do que a maioria do grupo parlamentar. Claro, imagino que as declarações que fez a respeito de May ao 'The Times' (por esta não ter tido filhos) caíram como sopa em mel na estratégia de desestabilização da candidatura de Leadsom levada a cabo pelo 'establishment' Conservador, mas que ela caiu sobre a espada por culpas próprias, isso acho que caiu... Claro, eu vejo isto de fora, enquanto o Sr. Embaixador provavelmente conhece bem a mentalidade vigente em Londres, por isso leva com certeza vantagem sobre mim...

Anónimo disse...

Santana may run for Lisbon Mayor - de acordo com a carta que hoje publicou.

Ai Europa!

E se a Europa conseguisse deixar de ser um anão político e desse asas ao gigante económico que é?