domingo, julho 24, 2016

Jorge Costa Oliveira


Por um jornal, acabo de saber da morte de Jorge Costa Oliveira.

Salvo através de raríssimas exceções, as novas gerações da Administração Pública portuguesa já não podem usufruir, nos dias de hoje, do exemplo de um escol de grandes servidores públicos, que por muito tempo foram o sustentáculo, dedicado e qualificado, da máquina do Estado português. Sou do tempo de diretores-gerais que marcaram a vida de importantes departamentos, cuja palavra tinha um peso que ia muito para além da dos agentes políticos de turno. Essas figuras não sobreviviam no lugar necessariamente por apoio político, embora algumas dele usufruíssem. Muitas das vezes, eram estes "grands commis de l'Etat" quem dignificava, pela sua colaboração prestigiada, os governantes com quem trabalhavam.

Jorge Costa Oliveira era uma dessas figuras. Cruzei-me com ele, pela primeira vez, em 1975, ao tempo em que trabalhava no Gabinete Coordenador para a Cooperação, recém-entrado na diplomacia. Costa Oliveira tinha sido um quadro superior do Ministério do Ultramar, tendo desempenhado depois relevantes funções políticas no governo de Angola, nos anos 60 e 70. Era aquilo que podemos chamar um "tecnocrata afetivo", alguém que aliava um grande conhecimento técnico na área económico-financeira a uma devoção pelos projetos de desenvolvimento, fruto de um grande amor àquelas terras, que se prolongou muito para além das independências dos territórios coloniais. Viria a ser o fundador do Instituto para a Cooperação Económica (ICE), que, com a Direção-Geral de Cooperação, constituía um dos pilares da política portuguesa de cooperação para o desenvolvimento.

Durante toda a década de 80, a minha vida profissional cruzou-se frequentemente com a de Jorge Costa Oliveira. Desde logo, quando trabalhei na embaixada portuguesa em Luanda, onde tinha a meu cargo o setor da cooperação. Depois, imediatamente após a nossa entrada para as instituições europeias, quando, já em Lisboa, me coube coordenar os temas de desenvolvimento na então Direção-Geral das Comunidades Europeias, num tempo de alguma "competição" de representação institucional com o ICE, a que Costa Oliveira presidia. Com ele me lembro de ter viajado ao Luxemburgo, a Bruxelas, aos Barbados e a Nova Iorque. Finalmente, o nosso período de convivência funcional mais intenso processou-se quando, durante cerca de três anos, prestei assessoria técnica, na área da cooperação para o desenvolvimento, ao então secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Durão Barroso. No final desse período, cheguei mesmo a ser nomeado, sem no entanto ter exercido efetivamente o cargo, por ter sido entretanto colocado no estrangeiro, para as funções de diretor do serviço de Planeamento e Programação do ICE.

Neste último período, entre 1987 e 1990, tive algumas divergências, em termos estritamente técnico-políticos, com Costa Oliveira, pessoa com quem, no entanto, mantive sempre uma excelente relação de natureza pessoal. Algumas das suas propostas não mereceram a minha concordância e, em certos casos, deixei isso expresso, por escrito, em pareceres que sei que lhe não agradaram. Durão Barroso chegou a ter alguma dificuldade em arbitrar algumas dessas questões, embora deva reconhecer que Costa Oliveira ganhou a maioria dessas "guerras".

Quando, em 1990, fui trabalhar para a embaixada de Portugal em Londres, escrevi uma carta a Costa Oliveira. Fi-lo porque queria que, no final desse período muito intenso de trabalho, em que algumas dissonâncias tinham ocorrido entre nós, não ficasse a mínima sombra no plano pessoal, em especial no grande apreço que tinha pela grande figura de servidor público que ele sempre fora. A carta de resposta que recebi de Costa Oliveira foi exemplar. Para além de todos os formalismos, Costa Oliveira dizia-me que, na realidade, nós nunca tínhamos tido reais divergências. A nossa diferença pontual de perspetivas devia-se sempre, segundo ele, ao facto de, nas posições em que nos encontrávamos, termos um diferenciado acesso às informações que podiam ajudar a fundamentar os nossos juízos. Uma grande e insuperável elegância!

Tenho muita pena pelo desaparecimento do dr. Jorge Costa Oliveira.

1 comentário:

Isabel Seixas disse...

Gosto sempre da forma respeitadora como se refere às pessoas com quem interagiu, também achei interessante a forma como Este Senhor justificou a diferença como circunstancial, jogo de cinturas...

Ai Europa!

E se a Europa conseguisse deixar de ser um anão político e desse asas ao gigante económico que é?