sábado, julho 02, 2016

Michel Rocard

Morreu Michel Rocard, uma das figuras mais brilhantes da esquerda francesa. Foi o criador do PSU (Partido Socialista Unificado) que, para alguns, nos quais me contava, muito inspirou essa aventura improvável que foi o nosso MES (Movimento de Esquerda Socialista).

Rocard teve um percurso interessante na vida política da França. Foi primeiro-ministro de François Mitterrand, que nunca o apreciou e desconfiava imenso da sua evidente ambição. A modernidade e o brilho da suas ideias, onde assentava uma capacidade extraordinária de olhar o futuro, com criatividade e inteligência, chegou a seduzir áreas fora do mundo socialista. Talvez por isso, o rótulo de "Rocard d'Estaing" foi-lhe colocado um dia, de forma crítica, pelos setores do PSF que sempre cuidaram em "fazer-lhe a cama", travando, com sucesso, a sua ascenção ao Eliseu.

Rocard tinha amigos portugueses, entre os quais se contava António Guterres, que muito admirava, como um dia me disse em Estrasburgo, depois de uma intervenção do primeiro-ministro português no plenário, que o deixou entusiasmado. Havia qualquer coisa de comum entre essas duas figuras.

Tive pena de, nos quatro anos que passei na embaixada em Paris, não ter procurado o seu convívio. Nunca me perdoei disso.

3 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

Michel Roccard, incarnou o “gauchismo” na esquerda, a CSG, o RMI, ( que inspirou os Portugueses), e personificou melhor que ninguém, excepto Schröder, Blair e Valls, o drama dos partidos socialistas europeus que creram nos “amanhãs que cantam” praticando uma co-gestão do capitalismo, dum lado os proprietários, do outro os trabalhadores com os seus intermediários sindicatos e partidos, para a concessão de convenções de compensação numa coabitação benéfica para todos.
Esta visão idílica do mundo dos negócios em osmose com o mundo do trabalho acabou.

Valls, que foi um dos seus colaboradores directos no governo, demonstra precisamente neste momento a nocividade da escorregadela nítida para a social-democracia, com uma parte importante do partido socialista afastado das realidades da classe social que representam e que o atraiçoam.

Michel Roccard vai ser homenageado muito largamente pela direita francesa, a começar por Sarkozy, que viam nele o “socialismo possível”, e não a “utopia”. Esta definição rocccardiana convinha perfeitamente à direita.

Creio que aqueles que esperam uma mudança radical no partido socialista não o conseguirão, deixando uma avenida larga e de fácil acesso as todas as aventuras e a todos os excessos. E se o partido não muda vai ser preciso refundar outro.

Os dias da social-democracia estão contados. Os socialistas devem perder esta ideia que colaborar com o capitalismo será favorável aos trabalhadores. O capitalismo civilizado deixou o lugar ao capitalismo selvagem, ao horror económico, que assassinou a “segunda esquerda” cara a Michel Roccard.

O lugar do dinheiro na sociedade deve ser examinado com coragem. Na esquerda também. Por isso é preciso dar de novo, ao socialismo, a sua dignidade moral.

Conservo de Michel Roccard a coragem de ter resistido a Mitterrand, que nunca foi socialista.

Anónimo disse...


Estimado Embaixador,

No meu modesto entender, Rocard ficará na História por ter sido um homem político eminentemente honesto. Foi pena ter estado pouco tempo no poder, porque Mitterrand nunca o suportou. Pela parte que me toca, não hesitaria em comprar um carro usado a Rocard... Jacques Delors será talvez o outro grande político francês que ficará na História, embora tenha sido bastante próximo de Mitterrand.

Curiosamente, pouca gente conseguia compreender o que Roccard dizia nos seus discursos em que utilizava uma linguagem bem complicada. Mas todos sabiam onde é que ele queria ir. Quase que o poderíamos comparar a Salazar, a quem, evidentemente, nunca compraria um carro usado...

Atenciosamente,

Joaquim de Freitas disse...

Pobre Michel Roccard ! Ser comparado a Salazar… Esperava ler muitas homenagens, mesmo daqueles que não o podiam suportar, mas conheço a hipocrisia que reina no mundo político! Mas esta nunca a esperei ler!

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...