terça-feira, julho 05, 2016

Francisco Quevedo Crespo


Acabo de me chegar a notícia da morte do Francisco Quevedo Crespo. Sabia-o doente, desde há bastante tempo, a viver na Bélgica.

Conheci o "Chico Quevedo" logo no início da minha carreira. Abrira uma vaga na embaixada de Portugal em Rabat e o embaixador Paulo Ennes, meu chefe nas "Económicas", disse-me que recomendara o meu nome ao nosso embaixador em Marrocos, Mena e Mendonça, que aceitara a sugestão. Estupidamente, recusei. Não me apetecia então sair para o estrangeiro (só o fiz, quase "à força", cerca de dois anos depois) e perdi a oportunidade de ser colocado num posto que, com Madrid, vim a constatar que me "faltou" no percurso profissional que desejaria ter tido. Surpreendentemente, o lugar foi preenchido pelo Chico Quevedo, um colega bastante mais velho, creio que já conselheiro, e que, se bem me lembro, vinha da nossa embaixada em Praga.

Um dia, num corredor das "Económicas", um homem elegante e simpático, fumando um cigarro com boquilha, aproximou-se de mim: "Você é o Seixas da Costa? Então não quis ir para Rabat?" Creio ter sido essa a primeira e última vez que nos tratámos por "você". O Chico, generoso para com o seu jovem colega, passou a tratar-me de imediato por tu. E eu retribuí.

O Francisco Quevedo era uma pessoa encantadora, casado com uma senhora belga, muito bonita e simpática, a Patty. Anos mais tarde, em 1983, "telexou-me" de S. Tomé e Príncipe para Luanda, a convidar-me para organizar a visita que o presidente Ramalho Eanes ia fazer àquele país. Tinha-lhe constado que, três anos antes, eu montara, com algum sucesso, uma operação idêntica na Noruega. E lá fui eu para S. Tomé, por alguns dias. Na memória ficou-me uma sala de cinema, com centenas de fitas Betamax, onde ele e a Patty atenuavam a "seca" daquele posto. E reforçámos o conhecimento, transformado em amizade, com ele a mandar para Lisboa, no fim da "operação Eanes", um simpático e laudatório telegrama sobre a ajuda que eu lhe prestara.

Voltámos a ver-nos na Tunísia, anos mais tarde, onde ele fora colocado como embaixador, onde a sua fabulosa coleção de Companhia das Índias dava brilho à nossa residência em Cartago, que ainda hoje continua a ser a mesma. Depois, o Chico veio para Lisboa, para as Necessidades, num tempo de reforma da estrutura funcional da "casa" que não foi fácil de implementar e que ele não apreciava muito, como me confidenciou. Recordo um agradável almoço numa belíssima casa em Sintra, onde vivia e para a qual me convidou. E creio que foi em Londres que nos vimos pela última vez, ocasião em que ele me disse uma frase que guardei: "Dizem que os fatos de Saville Row são muito caros. É falso! Duram toda a vida! Acabam por ser baratíssimos...". Nunca comprei um fato nos alfaiates clássicos de Mayfair, mas guardei a dica.

Na carreira diplomática, por andarmos por sítios distantes uns dos outros, vamo-nos perdendo. Eu perdi as conversas com o Chico há muito e, agora, perdi-o como bom amigo, para sempre. Um beijo sentido à Patty.

4 comentários:

Anónimo disse...

Comecei pelo Protocolo e não pelas Políticas pois no curso de adidos, chamou-me a atenção o porte distinto do Embaixador Quevedo. Guardo a memória de um homem elegante, reservado e distante. É um mundo com classe que vai desaparecendo.

Anónimo disse...

O MNE fez o favor de anunciar a missa por sua alma, no seu Site interno, ali na capela ao lado das Necessidades, ao que me disseram. Bom tipo, educado, refinado. Já não há disso. Pertence ao passado. É pena. A malta de hoje (e não são só os jovens, mas quem chefia hoje as Missões Diplomáticas) nada tem a ver com os "Quevedos Crespos". Um senhor!
O Mena e Mendonça! Simpático. Pena nao ter trabalhado com ele e ainda por cima em Rabat!
Abraço,
Um colega

Daniel André disse...

Boa tarde

Sabe-me dizer que foi na Quinta do Pombal que se refere quando diz "Recordo um agradável almoço numa belíssima casa em Sintra, onde vivia e para a qual me convidou.

Estou a realizar um estudo sobre a Quinta do Pombal em Sintra.

Deixo o link da minha página
http://serradesintra.net/quinta-do-pombal/

Obrigado
Daniel andré

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Daniel André. Não tendo absoluta certeza, julgo que esse almoço, num sábado ou num domingo, deve ter tido lugar em 1995. Estavam presentes apenas mais duas outras pessoas. Fiquei com a sensação, mas posso estar equivocado, de que FQC vivia ali há relativamente pouco tempo e, de certo modo, como solução improvisada. Mas, repito, falo de memória.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...