Começavam sempre num dia como o de hoje. Um sábado de fim de julho ou início de agosto. Dia em que, nesse tempo, toda a gente partia de férias. Tenho memória viva do imenso calor ao atravessar, a pé, a ponte metálica, a caminho da estação de Vila Real, onde o meu avô materno se ia despedir de nós, metendo discretamente no meu bolso algumas notas de vinte escudos, que me aguentariam as "extravagâncias" nesse mês que começava. Depois era a hora de viagem na linha do Corgo, com receio das faúlhas do carvão, no meio do fumo da máquina que nos invadia nas curvas, que nos entravam pelos olhos e que deles só saíam com uma incómoda operação de alívio, feita com um lenço, pelos pais. Comprados na Régua os rebuçados às mulheres de avental branco, a sede por eles provocada matava-se umas estaçōes adiante, quando surgia à venda a água fresca, em bilha de barro ("Água e bilha, quinze tostões!"). Já entre o Porto e Viana, ficou-me para sempre a imagem insólita do comboio parado por instantes, inclinado em curva, na estação de Nine - a primeira palavra em inglês que o meu pai por aí me ensinou. Passava-se o tunel do Tamel e regressava a memória contada da família. Fora por ali que o meu bisavô paterno tinha morrido, ainda no século XIX, caindo de um muro, numa rixa brava, a defender uns ingleses, envolvidos nas obras do túnel, e que se haviam recusado a ajoelhar à passagem de uma procissão (será o jacobinismo hereditário?). Num filme saltitante e entrecruzado através dos ferros da ponte de Eiffel, com Santa Luzia ao fundo, surgia finalmente Viana, então ainda sem o famigerado prédio Coutinho. No cais, invariavelmente, estava à nossa espera, prescutando a carruagem certa, o meu tio Tone, com a restante família a aguardar no hall da estação - porque, por esses tempos, era necessário comprar "bilhete de gare" para ter acesso ao cais. Em "corta-mato" pelas ruas estreitas, para escapar ao calor, descia-se finalmente até à rua de Santa Clara, à casa grande do largo Vasco da Gama (dizem-me que mudou de nome), onde nos esperava o sorriso acolhedor da minha avó.
Depois, era a rotina: a praia diária no Cabedelo, as tardes na praia Norte (para "apanhar iodo") ou no Barco do Porto, as Festas, as brincadeiras com os primos, um mês diferente dos outros onze. Férias grandes? Grandes férias!
3 comentários:
Memórias felizes. Que prazer foi ler o seu texto.
Chicamigo
Connosco era um tudo nada diferente. Íamos para Santo Amaro de Oeiras pela nova Marginal, no Morris Minor do meu Pai (HF-19-48) com toda a tralha possível, desde as panelas (imprescindíveis) até às bóias. E nós, os três putos, a criada Maria e periquito da Dona Glória, a minha mãe.
O meu pai fora lá antes para alugar umao mês a vivenda Maria Alice(sempre a mesma) na rua das Alcássimas e uma barraca de praia no Senhor Salvador, banheiro e idem porque era nadador-salvador. Nada de toldos porque a barraca era mais "segura" par vestir e depir os fatos de banho - embora houvesse uma malandragem que subia um pouco a lona para ver as meninas que eram as minhas primas.
Uns dias depois chegámos nós mais a tralha completa, iam todas as componentes para a vivenda (Maria Alice, recordo) e a transportadora era criada Maria. No dia seguinte praia munidos das bóias, os baldes, as pás e outros artefactos para fazer castelos na areia. O banho era igual a todos os... banhos.
À volta o jantar feito pelo polvo Maria que só não fazia previsões dos jogos de futebol. A segui chichi e cama. Às vezes, ficava acordado as escondidas para ouvir o Pedro Moutinho a relatar o campeonato do Mundo em que a equipa portuguesa (Emídio, Raio, Edgar, Jesus Correia e Correia dos Santos) que em 1948, se não me engano, foi Campeão Nundial.
Noutras lia o"A volta ao Mundo em 80 dias, do Júlio Verne ou os vários piratas de todas as cores, bem como o Sandokan do Emílio Salgari até que chegava a Dona Glória e apagava a luz do candeeiro da mesinha de cabeceira ameaçando de usar o serviço de justiça que era a colher de pau.
No resto, tudo bem, tudo igual. Essas sim, eram as férias grandes que só duravam quatro meses - o que realmente era pouco...
Abç do Leãozão
À la recherche du Temps Perdu.
Madeleine
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