Ninguém pode prever, com um mínimo de certeza, os efeitos
que, da anunciada saída do Reino Unido (RU) da União Europeia (UE), resultarão
para os diversos países que fazem parte do “clube”. Uma coisa é certa : o
abandono da segunda economia da União, também o seu segundo contribuinte
líquido, a sua primeira potência militar, um relevante membro do G8, com lugar
permanente no Conselho de Segurança, não deixará de ter consequências no equilíbrio
dos “vinte e sete” restantes - também no orçamento, também nos fundos
comunitários. As consequências serão assimétricas entre os Estados membros,
pelo que a posição de cada país no quadro negocial que aí vem não será
necessariamente a mesma.
Há uns meses, os líderes europeus ofereceram ao RU um
conjunto de “facilidades”, que reforçavam as muitas “exceções” de que Londres
já beneficiava. Fizeram-no já à luz daquilo que era o denominador comum dos
interesses a salvaguardar. Na altura, tratava-se de proporcionar a Londres peças
para um argumentário que pudesse convencer os seus eleitores a decidirem-se
pela permanência na União. Com o Brexit, esse compromisso caducou, mas nele não
deixam de estar representados alguns dos pontos que nos interessam no futuro.
O Brexit será sempre um desastre para a UE. E pode sê-lo
para nós. Há assim que consensualizar linhas que permitam à diplomacia atuar
com uma retaguarda política sólida. Resta esperar que as clivagens políticas
não debilitem oportunisticamente essa nossa ação externa.
Há interesses específicos que Portugal tem de cuidar,
naquilo que vier a ser o saldo da negociação que aí vem. Mas, atenção!, quem
fará essa negociação não somos nós, é a União, através da Comissão, pelo que é
na definição do respetivo mandato negocial que o essencial dos nossos
interesses ficará, ou não, preservado. Ter a ilusão de que é possível bilateralizar
com a “Velha Aliança” algumas questões seria uma imensa ingenuidade. Aliás, só
agravaria as nossas debilidades e fragilizaria a nossa posição.
Como sempre acontece nas relações externas da UE, importa transformar
os nossos interesses em interesses europeus. Eles situam-se, no essencial, nas
questões que decorrem dos temas da livre circulação de pessoas e suas
consequências, nomeadamente em matéria das políticas sociais. É aí que devemos
concentrar esforços e isso passa, desde já, por identificar os parceiros
comunitários que comungam dessas preocupações, com os quais há que constituir,
desde muito cedo, uma rede pontual e específica de alianças.
O maior erro que Portugal poderia cometer no quadro desta
negociação seria esperar para ver o projeto de mandato que a Comissão irá
apresentar ao Estados membros, na sequência da invocação por Londres do artigo
50° do Tratado de Lisboa, que, cedo ou tarde, aí virá. É a montante dos
primeiros esboços desse mandato – que todos sabemos estar já a ser esquissado
no seio da Comissão – que a diplomacia portuguesa deve atuar. Se o fizer
isoladamente, Portugal está condenado a um rotundo fracasso, dada a sua fragilidade
e irrelevância, nos dias que correm, na máquina europeia. Para ser eficaz, a
intervenção de Portugal tem de ser imediata, junto dos Estados membros com problemas similares, avançando com propostas concretas que a Comissão deva
acolher no seu mandato, gizando posições comuns possíveis, onde os nossos
interesses (também) estejam refletidos. É preciso que a diplomacia portuguesa
entenda que a negociação do Brexit já começou. Ontem.
(Artigo hoje publicado no "Jornal de Negócios")
(Artigo hoje publicado no "Jornal de Negócios")
4 comentários:
Sim. Mas quais são, na opinião do Francisco, os interesses que Portugal deve procurar salvaguardar no Brexit? Eu não tenho para mim claro quais eles sejam.
Sim, aproveitar o momento de fraqueza e incontrolado pânico que grassa em Bruxelas.
E jogar com o pau de dois bicos.
Aproveitar a necessidade de apoio dos desavindos bifes. Que aliás em breve serão a inveja de muito boa gente.
Sim, apesar da retórica europeia de que negociações, só quando o artigo 50 for accionado, é claro que as negociações já começaram de ambos os lados. As questões de mobilidade e justiça social são fundamentais para os portugueses no Reino Unido. Como também pontos ligados ao investimento e comércio externo.
Há um assunto que nunca vejo discutido e esse interessa muito ao RU - o do ensino superior e da investigação. Acho que muitas vezes nem os próprios políticos britânicos se apercebem de que este é um grande sector da economia britânica, directa e indirectamente, pelo grau de internacionalização que tem, que por sua vez depende do seu prestígio. Directamente, os alunos de licenciatura fora da União Europeia* pagaram em média, em 2015, £12000 em propinas (no meu departamento os mestrandos de fora da UE pagam entre £17750 e £19500 neste ano lectivo - e são muitos, c. de 4/5, mais de 200 alunos). Indirectamente, pelo que consomem enquanto cá estão. E há centenas de milhares destes alunos no RU. Bem como os há da UE, quer através de Erasmus, quer frequentando cursos completos.
Num estudo já de 2011-2012, o ensino superior contribuia em c. £40 bilhões para o produto interno bruto britânico (mais, por exemplo, do que a agricultura). Dada a política seguida por sucessivos governos britânicos, o sector, ou muitas instituições no sector, dependem dos seus alunos internacionais, que vêm pelo seu prestígio. Por sua vez, o prestígio das universidades depende muito da qualidade da sua investigação e o financiamento europeu tem sido muito importante para este sector.
O Brexit levanta muitas incertezas neste sector. É difícil saber ao certo, nesta altura, como afectará o recrutamento de alunos internacionais e da UE. Sabemos já que existem muitos pontos de interrogação na inclusão de parceiros britânicos em propostas para projectos europeus, sobretudo na liderança destes, com o receio de que a inclusão de um parceiro britânico possa reduzir a hipótese de sucesso de propostas - apesar de os programas de investigação europeus financiarem há muito tempo países terceiros como a Noruega ou Israel. As próprias Universidades estão a analisar caso por caso o grau de investimento a ser reequacionado ou redirigido pelas equipas de trabalho.
Vai ser essencial ao RU manter o acesso aos programas de financiamento europeu e isso sem dúvida fará parte das negociações. Será fundamental negociar as condições de acesso de alunos da UE às Universidades britânicas e vice versa, pensando até nos cidadãos países da UE que cá estão e nos 'expats' britânicos no resto da UE. É também essencial para o RU essencial manter a imagem de prestígio que as Uiversidades têm e de estabilidade que o País possa oferecer.
*NOTA: os alunos da UE pagam as mesmas propinas que os nacionais, mas os de fora da UE, classificados como 'internacionais' pagam muito mais - a diferença pode ser entre £6500 e £17750-19500 para um mestrado, respectivamente.
Como pode o nosso país, hoje com uma soberania tão debilitada, condicionada pela vontade dos credores e aqueles que os controlam, fazer valer os seus interesses?
Junker teve há dias um Jantar com May, deve ter bebido demais, disse o que não deveria, mas foi logo fazer queixinhas a Merkel. Parece óbvio que há aqui uma preponderância do poder alemão que ultrapassa qualquer respeito por qualquer tipo de protocolo. Eu sei adivinhar o jogo alemão, é o mesmo de Merkel de sempre, na verdade subtrair aos parceiros a sua cota parte. Teria de fazer uma tese, mas qualquer pessoa menos cega perceberá que as crises têm sido gratas com a economia alemã. As crises retiram ou definitivamente ou temporariamente actores do mercado, depois disso, a cota de mercado vai sempre parar a empresas alemãs, por mais impossível que isso possa parecer. Espanta-me que Merkel não equacione a fúria que irá ser provocada num demasiado grande número de parceiros europeus, ao retirar-lhes um mercado demasiado valioso. Merkel joga na crença que uma disrupção temporária do mercado será suficiente para fazer grandes negócios no tempo de apaziguamento.
Sim, o RU vai sair da UE e isso tem consequências brutais, especialmente porque a França fica agora a única grande nação "vencedora" da II GM na UE, sendo a única com assento no concelho de segurança. A configuração da UE mudará muito. Mas também a emanticipação da Europa de Leste comandada pela Polónia (embora frágil devido às diferenças de percepção com a Rússia nos diferentes países de leste). Macron é uma não-escolha que enegrecerá a França por um mandato, face à conjuntura que se advinha, assim sendo a Jean D'Arc ganha daqui a quatro anos. Merkel ganha, é verdade, mas está demasiado raposa velha, advinham-se os seus passos, fará uma péssimo mandato. O Euro como todas as grandes uniões bancárias, acabará, espanta-me que os banqueiros não saibam já da sua natureza explosiva, que sabem, assim temos já um salve-se quem poder, que precipitará o óbvio, a sua queda.
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