Estávamos no início dos anos 90. Eu era diplomata em Londres. Uma das regras de ouro da condição diplomática - como, aliás, de qualquer outro serviço público - é não utilizar as funções que se ocupam em interesse próprio. Por isso, devo dizer que hesitei um pouco em usufruir do cargo que conjunturalmente exercia, como "encarregado de negócios" (o diplomata que exerce a chefia da embaixada, na ausência do embaixador), para lidar com aquele assunto. A questão, porém, não era estritamente pessoal. Em bom rigor, tinha mesmo uma dimensão nacional, quiçá patriótica. Dependia da perspetiva com que fosse encarada. Assim, arranjei coragem perante mim mesmo e decidi passar à ação, tanto mais que aquela era excelente oportunidade para tratar de um tema que há muitos anos me perturbava.
Preparei uma série de cartas, todas idênticas, com os timbres necessários da embaixada, identifiquei bem os destinatários a quem deveria dirigir-me no grande número de jornais, em Londres e em outros locais do Reino Unido, que pretendia influenciar e enviei-as. Nelas dava conta, ambiguamente em meu nome - cuidei em não dizer que o fazia por instruções do governo que representava -, do facto dessa publicação (tal como todas as outras), com uma insistência que se revelava maçadora e desagradável, identificar por sistema uma determinada instituição portuguesa por um nome que não correspondia à designação correta da mesma. Deixava em aberto a possibilidade desse flagrante erro ser produto de um hábito enraizado, eventualmente inspirado por entidades internacionais, mas pedia a melhor atenção do jornal para o problema, confiando no seu juízo prudente. Enviei, em anexo, documentação em apoio à tese defendida. Fiz o mesmo para a Reuters, para a BBC e para alguns outros canais, de televisão e rádio.
Pelo menos nesse tempo, os ingleses ainda levavam as embaixadas estrangeiras relativamente "a sério" e, talvez por isso ou talvez pela justeza objetiva da diligência, o "minister counsellor" que eu então era, revestido das funções de "deputy chief of mission", recebeu nas semanas seguintes várias respostas amáveis, umas mais positivas do que outras, quanto à promessa de irem ser tomadas medidas retificativas da tal reiterada prática que incomodava a embaixada, mas todas sempre muito compreensivas quanto à razoabilidade do meu pedido. E, de facto, pelo menos num bom punhado de casos, o assunto foi corrigido.
Mas que "diabo" de questão era essa?, perguntar-se-á legitimamente o leitor, nesta fase do texto. Pois bem, era o pedido para que as habituais referências a um tal "Sporting Lisbon" passassem a ser corrigidas pela utilização do nome correto da prestigiosa agremiação desportiva portuguesa - Sporting Clube de Portugal. Na minha missiva, antecipando a dificuldade da utilização do nome por extenso, eu sugeria mesmo a utilização de "Sporting Portugal" ou simplesmente de "Sporting". Creio que não havia ninguém de Braga ou da Covilhã, lá pela embaixada...
As coisas entretanto evoluíram. Julgo que por justa insistência das direções leoninas junto da UEFA, esta organização deixou de recorrer ao aberrante "Sporting Lisbon" e quase toda a imprensa internacional mudou de prática. Ontem, nas mãos de Casillas, na abertura do sorteio da "Champions", lá estava, bem à vista, o nome correto e completo do clube. As designações geograficamente mais redutoras, marcadas por nomes de localidades, foram na ocasião utilizadas para duas outras agremiações, cujo nome não vem ao caso referir.
Terá sido abuso de poder? Foi utilização indevida de uma posição? Será. Mas, mesmo que houvesse consequências disciplinares, já prescreveu. Ah! E fez-se justiça, que é o mais importante.
6 comentários:
Abuso de poder?!!! Como assim? Os sportinguistas não são portugueses? O Sporting não é uma instituição nacional, tão merecedora do apoio da nossa diplomacia como, sei lá, o Grupo Espírito Santo? Fez muito bem, senhor Embaixador.
A este propósito não resisto a contar-lhe uma história: um desses génios financeiros que pululam na nossa próspera pátria, de sua graça António Nogueira Leite, observou certa vez indignado que por ocasião de um jogo da nossa Selecção na Holanda, a bandeira portuguesa tinha sido colocada no estádio … ao contrário !!! (como, aliás, também sucedeu uma vez com a nossa bandeira em … cala-te, boca!). Pois o competente gestor Nogueira Leite logo culpou dessa gravíssima falha a Embaixada de Portugal na Haia, que tinha a obrigação elementar de ir de nariz para o ar ver se as bandeiras estavam direitas no estádio holandês! "Para que serve então a nossa diplomacia?" bradava o ilustre economista...
Aí tem, senhor Embaixador, alguém que compreenderá o seu afã, enquanto encarregado de negócios em Londres, em prol da justa designação do Sporting Clube de Portugal!
Viva o Sporting!
a) Henrique de Menezes Vasconcellos (Vinhais)
é bom precisar as coisas, os nomes correctos, esclarecer, e isso entrará nas competencias duma embaixada e dum diplomata, como foi o caso. sporting de portugal, é assim,foram oportunas e uteis as cartas
No tempo que medeia entre dizer Sport e dizer Sporting, o Eusébio marca um golo.
a) Jaime Graça
Senhor Embaixador: não sou adepto do Sporting-nem de qualquer outro clube- mas entendo que teve toda a razão na diligencia.
Permita-me aproveitar a ocasião para lhe referir que relativamente a cidade da Póvoa de Varzim,é frquente"os analfabetos profissionais" que por aí pululam nos jornais, rádios e televisões, digam "Póvoa do Varzim"; ainda nesta semana assim se podia ler na "Visão".
Mas, talvez mais espantoso, ou não, é que num documento emitido regularmente por um ministério esse erro,há anos, se verifique.
Convenhamos que, perante isto, os ingleses até mereciam compreensão.
Talvez siga o exemplo que hoje nos deixa.
Muito bem!
A foto está demais,fez bem em corrigir a imprecisão até pelo rigor de linguagem, claro.
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