Quando vivi em Londres, nos anos 90, a imprensa tablóide ("popular press", como é designada) dedicava-se já a chafurdar nos casos mais sórdidos, do crime aos escândalos sexuais, tudo almofadado por fotos de garotas capitosas e fartas páginas de desporto. Porque essas são as temáticas que rendem leitores, dos bisbilhoteiros e invejosos da existência dos "rich and beautiful" aos "voyeurs" do sangue e pancada, esses jornais eram, e são, um imenso sucesso. Lembro-me que, à época, a soma das vendas dos tablóides sextuplicava o volume do "quality papers" ("Financial Times" incluído).
Os pequenos e grandes escândalos da casa real britânica foram, durante muitos anos, cuidadosamente deixados à cobertura pela "popular press", sendo mantida sobre o assunto uma espécie de pudor reverencial por parte da tal imprensa "séria", que se recusava abordá-los. Mas, um dia, essa contenção chegou ao seu limite. A novela Diana-Carlos-Camilla tornou-se tão presente em todas as conversas no reino de sua Majestade, repescada pelos "media" de todo o mundo, que a "quality press" britânica achou que não podia dar-se ao luxo, por snobeira editorial, de perder um comboio que fazia ganhar muitos leitores, que o mesmo é dizer, dinheiro.
Porém, os "quality papers" terão considerado, e bem, que não podiam tratar esses temas no mesmo registo. Foi então que, num estilo cuidadoso, "com pinças", assistimos ao espetáculo de folhas como o clássico "The Times", ou mesmo o austero "The Daily Telegraph", referirem-se a esses temas. De início, faziam-no sem chamadas de primeira página, de forma sóbria no grafismo e na construção dos títulos, parca nas fotos, cuidadosa ao extremo nas citações e fontes, sempre distanciados na abordagem dos factos. E era de morrer a rir ver então o "The Guardian" a querer mostrar ser liberal nos costumes e o "The Independent" a tentar registos sociológicos, a armar ao culto. Com o tempo, mantendo estilos diversos, sempre à luz do "interesse público" (um alibi vetusto do jornalismo quando quer pisar as "red lines"), toda a imprensa passou a tratar o assunto e os episódios que se seguiram. E isso dura até hoje.
Lembrei-me disto ao ler, há minutos, uma "opinião" de José Manuel Fernandes, no "Observador", a propósito de José Sócrates.
Faço um parêntesis para dizer que JMF é um jornalista que leio sempre, desde há vários anos, com quem mantenho uma relação pessoal bastante cordial, a quem devo algumas atenções que não esqueço. Contrariamente a imensos amigos meus, que sentem urticária à simples menção do seu nome - em especial depois de ele se ter visto no centro dessa construção sinistra que foi a "inventona" das "escutas à Presidência". Embora o país saiba que não foi principalmente JMF quem saiu pior dessa malograda manobra. Considero JMF um homem inteligente, que escreve muito bem, que tem a vantagem de ter uma agenda político-ideológica muito óbvia e transparente - fortemente contrária à minha, está bem de ver. Como profissional de imprensa, é reconhecidamente hábil, o que não foi seguramente alheio ao facto de ter sido convidado para principal responsável por essa operação de construção de um projeto jornalístico de direita, solidamente apoiado em empresariado "com agenda" (dos acionistas à publicidade) que é o "Observador", que existe como evidente objetivo de reforçar o controlo conservador na sociedade portuguesa, através dos "media", apostando principalmente na faixa etária das redes sociais. Nada que seja ilegítimo, note-se! E, vale a pena deixar claro, o "Observador" é hoje um excelente produto jornalístico, que tem a virtualidade de não meter debaixo do tapete as cartas ao serviço das quais está, no caminho para as "échéances" eleitorais de 2015 e 2016. Hoje em dia, nestas coisas, já só é enganado quem quer.
Volto, contudo, à "opinião" que ontem JMF publicou no "Observador" a propósito de José Sócrates, tendo como pretexto Ricardo Salgado. Muito me fez ela lembrar o modo como os "quality papers" britânicos agarraram, há mais de 30 anos, os temas mais delicados da família real. Também eles não usaram o estilo do "The Sun" ou do "Daily Mirror". Nesse texto, JMF revisita, mas com a arte e a elegância de escrita que é a sua, o pacote de argumentos que é típico dos "tablóides" a que temos direito, desde o "Correio da Manhã" aos "noticiários" de Manuela Moura Guedes (que devem estar aí de volta, num tempo em que se aproximam eleições). De facto, num tom pretendidamente despido de preconceitos ideológicos (os quais, no entanto, transpiram por todo o lado), JMF combina com grande maestria um conjunto de insinuações, meias-verdades e inferências oblíquas (com pequenos truques de escrita, de efeito subliminar garantido para um leitor desprevenido), ficando sempre na soleira de poder ser visto a fazer alguma acusação concreta, não vá a mão da Justiça tecê-las. Não estamos perante um artigo onde, no plano formal, possamos encontrar fragilidades deontológicas. É apenas um texto inteligente, quiçá eficaz. JMF pode ter uma certeza: terá sempre em mim um seu leitor . Porém, atento.
7 comentários:
Mas haverá alguém que não tenha uma qualquer agenda político ideológica? E, caramba, o embaixador não tem uma descarada agenda esquerdoide política ideológica embora muito temperada pela longa carreira diplomática que tem outras exigências?
Confesso que não achei muita graça ao artigo de JMF mas não tem ele direito? E o Observador não é, finalmente, um jornal que exprime as opiniões da maioria que governa, ou, pelo menos perto dela, e isso não é legítimo e desejável?
Quanto a Sócrates: problema das primárias do PS. Era de esperar.
João Vieira
cada jornal publica o que os seus leitores gostam e compram, há jornais para tudo, desporto, escandalos, economia, cultura, actualidade. os leitores do correio da manhã que fariam se não tivessem o seu jornal? e a mesma noticia pode ser dada e tratada de maneira diferente segundo o jornal, mesmo uma noticia de actrizes ou princesas, etc
quanto ao artigo ou cronica de jmf tem pouca graça, li e não aderi ao estilo, conteudo, etc
Ainda assim prefiro ouvir as prédicas do Bispo evangélico Edir Macedo, na TVRecord, pela madrugada quando estou com insónia.
É que lá no fundo JMF nunca abandonou a verborreia maniqueísta típica dos seus tempos de estalinista e do PCP(R) M-L. Só que agora os santos são outros e depois que desenvolveu uma neurose obsessiva o final é muito previsível. Já sabemos que o bandido é sempre o mesmo.
Não sou capaz de qualquer respeito por JMF. Nada tem a ver com as convicções políticas ou ideológicas do senhor, que como todas as outras, são respeitáveis.
O que não respeito é forma alarve como, na praça pública, procura impor a sua agenda sem olhar a meios; do pior que conheço da imprensa em Portugal. É um Correio da Manha (sem ~) refinado, alimentado no Público do senhor Belmiro e pelas as bandas do Pingo Doce. Exacrável.
David Caldeira
JMF alimenta-se das mãos que lhe têm pago ao longo dos tempos. No pubico só após a OPA falhada sobre a PT (começou 2 dias depois!) e mais tarde nas coutadas do Pingo Doce, o que representa uam estranha atracção por mercearias grandes.
Mas tambem se alimenta destes elogios florentinos que só não dizem que o JMF é co-autor da maior campanha de difamação alguma vez vista em Portugal.
è pena que o sr. embaixador seja tão apreciador do estilo.
Miguel
Sr. Embaixador
Foi um autêntico achado dar com o seu post.
Há muito que ansiava por poder contactar alguém que conhecesse pessoalmente o JMF e no seu caso, até, com alguma amizade pelo homem.
Ele já foi diretor de um grande jornal e a sua situação profissional tem estado em queda desde há muito.
A causa parece-me ser a obsessão doentia que ele tem pelo Sócrates.
O SR. Embaixador aconselhe-o a consultar um bom psiquiatra.
Um indivíduo de que me falaram, tinha um obsessão semelhante por um político e afinal a obsessão era devida a uma forte pulsão sexual reprimida pelo mesmo político.
Hoje em dia há muitos tratamentos disponíveis.
Gostei muito do comentário do Anónimo das 23.00. A ironia é uma arte complexa, porque escapa aos imbecis. E, com a vida, aprendi que não há nada a fazer; eles nunca aprendem ou, quando julgam que "topam" a ironia, às vezes ficam do outro "lado". E isso é muito irónico. Parabéns pelo texto.
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