Cruzámo-nos há dias, à porta de minha casa. Pelos vistos somos vizinhos. Conversámos por uns instantes. Já não via o coronel Varela Gomes há muitos anos.
Varela Gomes foi um mito da luta oposicionista contra a ditadura. Gravemente ferido no fracassado golpe militar de Beja, na noite de 31 de dezembro de 1961, foi detido e julgado com severidade, sofrendo uma longa pena de prisão. Creio que em 1971, fui-lhe apresentado pelo Lino Bicho (que será feito deste meu velho amigo?), num almoço da esplanada da "Casa dos Frangos", em Colares - uma casa dirigida pelo Gil, um velho militante do PCP e pela sua mulher, uma divertida espanhola que teria participado pelos "rojos" na Guerra civil do seu país. Varela Gomes tinha saído da cadeia de Peniche poucos dias antes e recordo-me da sua fragilidade física.
Imediatamente após o 25 de abril, vi Varela Gomes nos corredores do palácio da Cova da Moura. Eu era adjunto da Junta de Salvação Nacional e o coronel dirigia a polémica 5ª divisão, que por ali funcionou por algumas semanas. Com o andamento da Revolução, transformou-se numa das figuras cimeiras da "esquerda militar", a ala do MFA mais próxima do PCP, vindo a ser preso depois do 25 de novembro.
A razão porque hoje falo de Varela Gomes é porque acabo de ler, na biografia de Marcelo Rebelo de Sousa, escrita por Vitor Matos, uma acusação que é totalmente falsa mas que, com regularidade, aparece publicada por aí: a de que, durante a Assembleia do MFA de 11 de março de 1975, o coronel Varela Gomes teria pedido que fosse aplicada a pena de morte aos sediciosos desse dia.
Varela Gomes pode ter todos os defeitos mais aqueles que os seus inimigos lhe queiram apontar, mas não é justo que seja acusado de uma coisa que não fez, em especial desta gravidade. É que eu estava lá, nessa Assembleia, e se alguém defendeu essa medida limite essa pessoa não foi o coronel Varela Gomes. A verdade é só uma.
21 comentários:
O Varela Gomes não estava entre os que perderam no 11 de Março nem entre os que venceram no 25 de Novembro. Nos ideais do 25 de Abril sim... Antes e depois de Abril . As coisas para ele sempre foram muito claras. Mesmo em situações de confusão onde agir ia de par com refletir. O Varela Gomes merece respeito. E a verdade também.
José Barros
Senhor Embaixador:
Vivemos um tempo que uma pessoa amiga e de grande valia neste país apelidou de «tempo detergente», isto é, em que os valores essenciais deixaram de contar ─ palavra, honra, verdade, etc. ─ ficaram fora de moda, o que conta é o «sound bite» de cada momento, que «lavará mais branco» do que o anterior.
Quantas mentiras ou meias-verdades não fizeram o seu curso e estão aí, vivinhas da costa, até que nova «verdade», que lave mais branco, seja mais eficaz para o propósito de quem a fabrica.
Lembra-se de Mário Soares ter «pisado a bandeira portuguesa em Londres»? O que é falso.
Lembra-se de Jorge Sampaio ter dito «há mais vida pala lá do défice». O que é falso.
Ele disse: «há mais vida para lá do orçamento», coisa substancialmente diferente, especialmente se se ler todo o discurso em volta da frase.
Lembrei-me agora destas, mas há tantas outras, para todos os gostos ideológicos e partidários.
Caríssimo só para dizer que também encontro muitas vezes o Coronel Varela Gomes, também somos vizinhos, e que falamos muitas vezes e muito da Annie Silva Pais, a Filha Rebelde que ele conheceu muito bem durante o PREC, e reconheço nele uma capacidade de luta e de força interior que me fascina. Nestes dias de comodismo e resignação, o Coronel é para mim um balsamo. Carlos Fragateiro
Bons tempos......os do 11 de Março de 1975!...
Voava a gaivota, as papoilas floriam, os amanhâs cantavam.......
A RDA aqi tão perto!...e Cuba, esse paraíso das Caraíbas ....?..
Muitos iam deslizando de mansinho, ficando entreportas,de acordo com a espuma da hora.....mais tarde, instalaram-se....."progrediram"...e hoje em 2013, as tetas da república estão secas !..não importa, .....arranja-s mais leite lá fora....!
Alrxandre
É fácil demonstrar: se alguém defendeu essa medida e essa pessoa não foi o visado, deve constar na ata da reunião!
interessante esclarecimento ou testemunho...
Ah, o mundo da mentira fabricada quando ela serve os desígnios para a qual foi inventada. No caso que o Sr .Embaixador cita, o seu testemunho tem importância. Mas quantos mesmo assim não acreditam porque não lhes convém? Partidarismo, cegueira política, ou simplesmente estupidez, é o mundo do vale tudo.
Neste mundo das mentiras célebres, penso no pobre Colin Powell, na ONU, com os frascos semeadores de morte, made in Saddam Hussein, dizia ele! Frascos que valeram uma guerra e centenas de milhares de mortos, estes verdadeiros, causados pelos Americanos, e não pelos frasquinhos malditos! A mentira de Estado.
Neste momento, somos bombardeados intensamente por "informações" urgentes, porque em tempos de crise tudo é urgente, e sobretudo em comunicação política uma das linhas de conduta que parece eficaz a curto prazo consiste em explicar a verdade através da mentira e os fatos pela ausência de verdade. No nosso mundo de imagens, de "imediatidade"(horreur!), a mentira é freqüentemente mais eficaz que a verdade: ela tem a vantagem sobre a verdade de poder ser inteira, explícita e contextual.
E com a crise, assistimos a montagens extraordinárias dos políticos para explicar o que todos sabemos mas que não corresponde à verdade. Existe a verdade antes de chegar ao poder e depois!
Mentir é um acto, a verdade é um estado. Em vez de nos ameaçar com as penas do inferno, a disciplina de educação cívica que existia no tempo em que fui à escola, deveria ensinar a "verdade", não como uma questão moral (porque a mentira religiosa também existe, como a mentira de estado), mas como um elemento de aprendizagem da democracia.
Aliás, gosto muito daquela expressão : " A verdade verdadeira" ! La vérité vraie! . Que tende a provar que todas as verdades não são verdadeiras! Algumas são exploráveis, outras difíceis de confessar e a maioria inacessíveis. Mas também sabemos que a "verdade verdadeira" não é sempre boa a dizer.
J. de Freitas
Conheci bem o VG, que considero um grande idealista, mas também não creio que tivesse sido ele o autor dessa proposta radical. De qualquer maneira, no calor do momento, isso não teria tanta importância e muito menos tem hoje. (...)
Domingos
Duas notas:
A defesa da verdade é dos actos mais nobres que alguém pode praticar, por tal, sem mandato nenhum que não seja a minha própria curiosidade intelectual e histórica, o meu obrigado ...
Como alguém referiu: se alguém defendeu tal medida todos os presentes sabem quem foi ..., para combater uma mentira só uma verdade da mesma magnitude ... é o que se espera (reconhecendo que no calor dos acontecimentos se dissem asneiras que a frio não se perfilham).
PS. Não me estou a ver a comprar a biografia de Marcelo Rebelo de Sousa, quando ainda não li dezenas delas sobre figuras que reputo de mais importantes e interessantes, só gostaria de saber se o livro tem a receita da Vichyssoise "tuga" ... uma sopa/puré que é servida bem quente!! Nem o Adriá se lembrou disso.
N371111
O depoimento do embaixador Seixas Costa tem o valor de um testemunho em primeira mão. Vem confirmar, com uma autoridade superior, aquilo que o próprio Mário Soares - insuspeito de simpatias por Varela Gomes - já admitira no livro de entrevistas a Dominique Pouchin. Mas Mário Soares falava por ter ouvido que Varela Gomes não só não propusera a execução dos reaccionários, mas se manifestara mesmo, "firmemente", contra alguém que pedia a cabeça dele, Soares. A biografia de Rebelo de Sousa, que não li, não deve, por esta amostra valer grande coisa.
O biógrafo de Rebelo de Sousa podia ter lido as entrevistas de Mário Soares a Dominique Pouchin. Aí afirma o entrevistado - insuspeito de qualquer simpatia por Varela Gomes - que soube da intervenção deste na dita assembleia opondo-se "firmemente" a alguém que teria pedido a cabeça dele, Soares. O depoimento do embaixador Seixas da Costa confirma, com a autoridade de testemunha credível e de primeira mão, o que já estava dito e redito em letra de forma. Pela amostra, a biografia de Rebelo de Sousa não deve valer grande coisa.
Alexandre:
Os seus comentários caracterizam-se pelo mais descabelado primarismo.
Não percebo bem qual o interesse em comentar aqui, se tudo o enoja, nada lhe interessa.
E está no seu pleno direito.
Porque não lê (em vez de tresler) o post e, especialmente, o que o originou.
A mentira num livro que, provavelmente, vindo do lado que vem, achará credível.
Um pouco de inteligência e de esforço para a usar é sempre conveniente.
Uma pequena correção: o assalto ao Regimento de Infantaria nº 3 em Beja foi em 01 de janeiro de 1961 e não a 31.
Para António Pereira:
Após ler o post , nada me enoja, apenas coloco e comento aquilo que penso sobre os conteúdos dos textos, se isso é ser primário; Sou
O meu comentário nada tinha a ver com o Sr.Varela ou com o texto do livro do Sr Marcelo.
Foi apenas um avivar das memórias desses tempos, em jeito de curta-metragem..que se tornou numa "metragem~longa".. que nos levou até hoje !
"A liberdade é a liberdade de dizer que dois e dois são quatro. Quando se concorda nisto o resto vem por si."
-George Orwell
Cumprimentos,
Alexandre
Oh Senhor Embaixador: eles são incapazes de se moverem por razões ideológicas.
Eu só posso acreditar que a falsidade contida na biografia de tão eminente personalidade da nossa vida publica resulta de um mero lapso de quem a escreveu,e a qual o biografado é alheio.
Notavel comentário de Defreitas
Alexandre:
Quando analisamos a realidade excessivamente condicionados ideologicamente dificilmente acertamos. Ou só vemos uma parte da realidade ou vemos uma parte imaginária, um «constructo» mental.
É o que se passa consigo.
Quando às últimas e graves dificuldades das contas públicas, especialmente a partir de 2009, devia ter ouvido uma pessoa tecnicamente sabedora e longe de poder ser considerada, sequer, levemente simpatizante do «reviralho esquerdóide»: precisamente João Moreira Rato, actual presidente do IGCP (Instituto de Gestão da Tesouraria e Dívida Pública), nomeado por este governo, ontem no programa «Olhos nos Olhos», na TVI24, com Medina Carreira.
E porque não ler o que João Ferreira do Amaral escreveu antes e imediatamente após a nossa entrada no Euro e as funestas consequências que previu na economia e nas contas públicas?
As coisas que escreveu têm a vantagem de estar escritas (em artigos e livros), não são opiniões formadas «a posteriori». Prognósticos depois do jogo são fáceis.
Disse o Alexandre: «apenas coloco e comento aquilo que penso sobre os conteúdos dos textos» e «O meu comentário nada tinha a ver com o Sr. Varela ou com o texto do livro do Sr Marcelo».
Mas que confusão vai na sua cabeça. Mas comenta sobre o conteúdo do post e não comenta sobre o Coronel Varela Gomes e o livro sobre Marcelo?
Mas o texto não é precisamente sobre o Coronel Varela Gomes, e a falsidade (na opinião do Senhor Embaixador Seixas da Costa) da atribuição de uma intenção / opinião (fuzilamento de adversários políticos) ao Coronel Varela Gomes numa dada Assembleia Militar, estando a mais recente atribuição registada no livro sobre Marcelo»
Em que ficamos?
De que mais trata o post?
É evidente que até pode falar do cultivo da batata a propósito do post, tem essa liberdade e o Senhor Embaixador Seixas da Costa não censurará o seu comentário, mas temos que ter a noção do ridículo.
E quando temos feridas profundas que nos doem o melhor é tratarmo-nos, há médicos próprios para isso.
Outra opção é seguirmos o ditado popular: «não vás rabecão além da chinela».
Sr.António Pereira:
Não lhe roubo a sua verdade !
-Varela Gomes era um defensor da ideologia comunista, que não me diz nada.Comprrendo que a si também não se reveja nela.
-Nunca afirmei que Varela Gomes tinha sido o responsável por mandar fuzilar o pessoal do 11 de Março.
-As nossas dívidas começaram com a "governação" de Cavaco Silva, ampliadas por António Guterres e ainda mais por José Sócrates.
-Vi o programa ontem, excelente análise técnica de Moreira Rato, nunca vamos pagar a divida.
-Sobre "Vivemos um tempo que uma pessoa amiga e de grande valia neste país apelidou de «tempo detergente», isto é, em que os valores essenciais deixaram de contar ─ palavra, honra, verdade, etc. ─ ficaram fora de moda, o que conta é o «sound bite» de cada momento, que «lavará mais branco» do que o anterior",nada tenho a criticar.
Apenas acrescento, no mesmo tom irónico, não vás tu chinela além do sapateiro"!
Cumprimentos
Alexandre
Uma mentira mil vezes repetida e muitas vezes desmentida, esta da intervenção do coronel Varela Gomes na Assembleia do MFA. Ódio velho não cansa, já se sabe. Mas o que não pode haver é tolerância com esta canalha. Alguém sabe dizer-me de quem é a responsabilidade, desta vez? É do biografado, ou do biógrafo? É que andam aí umas bengaladas à espera de ser dadas nos costados de quem as merece. Mesmo que sejam só metafóricas, infelizmente. Agradeço a quem possa dar a informação. Maria Adelaide Carvalho
Amigo Vizinho e Prezado Embaixador
Foi com agrado que tomei conhecimento do seu blog do dia 18 do corrente. Em particular, pelo testemunho rectificativo sobre a minha intervenção na Assembleia (deveras histórica), na noite de 11 de Março de 1975. Tipo de atitude que é cada vez mais rara nesta República Partidária (vulgo, democrática). Por isso merece destaque e louvor; os quais aqui deixo com o meu reconhecimento.
Quanto à calúnia militante que a sociedade “politicamente correcta” mantém, a meu respeito, tomo-a como uma distinção pessoal. Com ironia q.b., a mim mesmo me apresento como um clandestino, um desterrado em terra natal. Também tenho escrito “duas ou três coisas”. Mais críticas que autobiográficas, valha a verdade; mas, mesmo assim, cumprindo o dever de dar testemunho.
Um destes dias deixo à sua porta um exemplar do meu último escrito que granjeou editor.
Com um abraço para o Bom Vizinho
João Varela Gomes
JVC não foi preso após o 25 de Novembro entrou,comigo e com Costa Martins em exilio Manuel Duran Clemente
Enviar um comentário