quarta-feira, dezembro 19, 2012

A diplomacia de Salazar

"A diplomacia de Salazar (1932-1949)" é um excelente trabalho de investigação feito pelo meu colega Bernardo Futscher Pereira, recentemente editado pela Dom Quixote.

O livro é redigido num estilo fluente e de muito agradável leitura, sem recurso a academismos pesados ou a um "oficialês" em que muitos de nós, diplomatas, por vezes incorremos. Quase diria que estamos perante uma escrita tributária de uma boa escola jornalística, fruto da passagem do autor por essa área, quando, de Nova Iorque, escrevia para o há muito desaparecido "O Jornal", ao tempo que o seu pai - um dos mais brilhantes nomes da nossa diplomacia - representou Portugal junto das Nações Unidas.

Este trabalho ajuda-nos a entender melhor o processo decisório de Salazar, no seio da tormenta política internacional dos anos 30 e 40 do século passado, ao tempo em que tinha como rede de trabalho um conjunto de excelentes profissionais da diplomacia, uns "de carreira" outros de origem política, que serviam a estratégia de um país que então procurava furar por entre as pingas dos conflitos europeus, da Guerra Civil de Espanha à Segunda Guerra mundial. Mas, mais do que isso, este é um livro que nos revela, de forma viva e fundamentada, as tensões dentro do regime, os seus conflitos de personalidades e de vaidades, num tempo ainda de maturação da ditadura.

Para quem se interessa pela prática diplomática, não deixa de ser interessante apreciar a condução do jogo tático a que o ditador se dedicava, na sua quase solidão de S. Bento. A gestão política dos regimes autoritários tem a "vantagem" de não ter necessidade de viver sob o "peso" do escrutínio democrático, de poder ter à mão arbitrária a polícia política e a repressão, como instrumentos que pode utilizar, de certo modo a seu bel-prazer. Salazar orientava o país no plano externo, notoriamente preocupado em preservá-lo dos efeitos dos conflitos, mas igualmente cuidando em salvar o seu regime dos "riscos" de uma contaminação democrática que podia colocar em causa o seu próprio poder.

Não faço parte de quantos, nomeadamente nos corredores das Necessidades, sempre santificaram a habilidade do ditador, embora, como profissional, não deixe de apreciar o desenho tático da sua estratégia diplomática. Talvez isso aconteça porque herdei histórias de quem ouviu os fusilamentos matinais dos "rojos" espanhóis nos muros de Tui, devolvidos pela polícia portuguesa às forças franquistas, ou porque conheço o suficiente da tragédia pessoal de Aristides de Souza Mendes, sacrificado ao cinismo da realpolitik, a qual, pelos vistos, se sobrepunha à ética de um país que se pretendia dirigido pela moral cristã. 

Como técnico da diplomacia, é-me muito interessante analisar os expedientes a que Salazar recorreu para fugir aos conflitos peninsular e mundial, mas, nem por um segundo, deixo de pensar que isso foi feito tendo como pano de fundo, por décadas, um regime sinistro. A diplomacia não é uma prática neutral, não está desligada dos princípios em que se apoia, e, em especial, não pode constituir-se numa mera lógica de fins.

12 comentários:

Helena Oneto disse...

"técnico da diplomacia" e mestre em comunicação! com uma introdução como esta, so o Senhor para me dar vontade de ler um livro sobre Salazar!

Anónimo disse...

Está nalguma moda falar de Salazar.

Porque será que não se publicam livros sobre a economia que não se desenvolveu, os meninos sem condição e sem pão a irem para a escola descalços, a intencional promoção do analfabetismo, as estradas que nem de alcatrão eram?

Esta eu não esperava de si Senhor Embaixador, natural de Trás- os -Montes.

Respeitosos cumprimentos.

Anónimo disse...

Não perdemos uma hipótese para dar destaque aos espanhóis...

Anónimo disse...

“O Diabo também tem coisas boas”… poderia ser o titulo do post. Na realidade a grande política e diplomacia surge (só ela pode surgir) quando ao mais pequeno deslize perdemos a cabecita (no sentido literal).
Julgo que o espírito dos portugueses tem a indecisão se Salazar, o ditador (ou, agora, o ditador recorrente), serviu Portugal e os portugueses, tornando-se um paradoxo, quando se tem, por adquirido (e muito bem, pelo seguro (sem qualquer ironia)), que a democracia é o regime do povo e para o povo.
E não venham dizer que, naquele tempo, já devia haver televisão a cores, net, shoppings etc.

patricio branco disse...

já folheei o livro de bfp, mas não me decidi a ler ou comprar. do folhear verifiquei que é uma boa e bonita edição o que já não é pouco e que não há narcisismos no texto em que o autor procure brilhar com teorias pessoais, intelectuais, mas sim factos e actores, documentos, personagens.
o período estudado termina em 49 o que quer dizer que a outra fase da diplomacia, a que a o s levou e tentou conduzir entre 1954-1968, india e movimentos de independencia das colónias, onu e nato, efta, ficará para mais tarde ou para outro historiador diplomático.
ainda hoje não sei se foi bom ou mau portugal ter ficado fora da 2a guerra, nessa neutralidade que se traduzia em ajudar os 2 lados até ao ultimo dia em que declarou luto nacional pela morte de hitler. teriamos sido mais cedo uma democracia se tivesse havido guerra no nosso territorio? mas hitler tambem não estaria muito interessado em ocupar a peninsula, as prioridades estavam para leste e sul e portugal e espanha eram paises amigos, mandavamos volframio, e espaços como estes tambem tinham o seu papel.
a peninsula era tambem uma unidade, franco-salazar, o bloco era sólido.

comparando salazar com outras figuras historicas, o marquês de pombal p ex, haverá muita diferença? queimar ou fritar os távoras e os alornas, reduzir a nada o rei que tinha medo dele é diferente do que fez salazar? mas são tratados pela historia de maneira diferente, não sei se por pombal ter reconstruido exemplarmente lisboa depois do terramoto e administrado bem o dinheiro do ouro do brasil, ter tido inclusivamente uma sólida politica externa na europa e colonial.
vou folhear de novo, é o tipo de livro que gostaria de ler calmamente e em casa, ocasinalmente no café, mas sem o comprar, emprestado. não é só o dinheiro, é o espaço na estante.
uma nota a propósito de a s mendes, o cônsul de bordeus, minha mulher leu há pouco uma biografia dele e ia-me por vezes contando episódios, parece que a outra face da moeda a s m era uma vida totalmente descontrolada do ponto de vista financeiro, esbanjava o dinheiro, tinha dividas, uma vida familiar/sentimental caotica, um funcionário inconstante sempre a querer mudar de posto,isto quando ainda estava no activo, antes e durante bordeus. o que não invalida a outra parte, claro, os milhares de judeus que ajudou a fugir, mas dá uma visão completa da pessoa, o homem e a obra diplomatica. já direi o nome do autor e livro(s)
sim, voltando ao esteves, tambem chamado o botas porque era isso o que calçava (pouparia no aquecimento de s bento?)é verdade que tinha diplomatas de 1a ordem como bem diz fsc, em londres, berlim, paris, roma, vaticano, madrid, alguns com caracter e espirito próprio, sendo francos e directos para com o chefe, como armindo monteiro, não meros aduladores (interessante a prática das cartas ou bilhetes pessoais que muito se usava então para expor assuntos ao chefe, mne ou p do c.)
a folhear portanto outra vez o livro em questão

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

Um presente de Natal que vou dar a mim mesmo.

Anónimo disse...

Um certo dia recebi um amigo em casa e encontrou na minha pequena biblioteca um livro com a cruz suástica em evidência. Folheou-o. Tratava sobre o “eugenismo científico de Hitler”. Colocou-o de novo na prateleira como se o livro lhe queimasse as mãos...
Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Mas lembrei-me disto por aquele meu amigo, leitor assíduo de San António, me ter dito que havia melhores leituras!
José Barros

ARD disse...

Trata-se de um excelente livro, apesar de se ocupar de um tema bastante estudado.
Além disso, elegantemente escrito, com uma fluência e num português que vão sendo cada vez mais raros.
Um apontamento: sempre achei (e, com o passar do tempo essa minha impressão muito se foi consolidando) que as pretensas "sabedoria" e "talento diplomático" de Salazar eram mais tributárias da "esperteza saloia" do que da inteligência.
Por alguma razão, uma das suas inúmeras alcunhas era "manholas".

Anónimo disse...


Ao contrário do que leio acima num comentário porventura menos conhecedor do mundo do que se edita e se vende , também se escreveu e escreve sobre os lados maus (péssimos) desses tempos .
Só que os que realmente os sentiram na pele não precisam de os ler nem os querem reviver.
E aos que não os sentiram nem viveram não convém talvez sequer tomar conhecimento ou lembrar de que aquilo acontecia ali mesmo ao lado deles .
Ficam assim meia dúzia de pessoas para os comprar nos saldos e nos alfarrabistas .
O mundo está errado ? Pois está .
Mas é neste que vivemos .

RMG

Anónimo disse...

"San António" ?

Anónimo disse...

POis é.... um livro interessante para se perceber como Portugal, um país passivo em diplomacia, se inseriu nos movimentos políticos europeus daquela época. E ainda dizem que este país esteve muitos anos de costas viradas para a Europa. É de esperar que um dia se faça também o mesmo para a inserção deste país no movimento "Europe Unie". Mas... eu não sei

patricio branco disse...

"aristides de sousa mendes, um heroi português" de josé-alain fralon, editora presença, 2007.
sobre o lado pouco conhecido da figura, o que não diz respeito ao serviço em bordeus, o autor, jornalista do monde, diz p ex que não enviava ao mne a contabilidade de consulados que dirigia, tinham de insistir, chegaram acenar com uma inspeção e sanções ou algo assim.
mas o que o livro realmente celebra, como o subtitulo diz, é o humanitario serviço que prestou a milhares de judeus que salvou de irem parar a campos de concentração e morrer no holocausto, desobedecendo a ordens superiores, e isso faz dele o heroi. mas sendo uma biografia não passa por cima doutros factos da vida dele antes de bordeus.
le juste de bordeaux titulo do livro em francês, em inglês a good man in evil times, the story of aristides sousa mendes.
baseado no livro fez se a pelicula "désobéir" há uns anos, não vi.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...