sábado, dezembro 08, 2012

Trópicos

Na minha infância, havia lá por casa um globo metálico onde, desde muito cedo, me habituei a identificar duas linhas paralelas, cuja razão de existência útil nunca consegui que então alguém me explicasse, embora muito delas se falasse: os trópicos de Câncer e de Capricórnio. Desde cedo, porém, percebi que esses trópicos não tinham o mesmo "charme" do Equador, nem sequer dos círculos polares - ártico e antártico.

Com a vida, aprendi que "Trópico de Câncer" e "Trópico de Capricórnio" eram também títulos de dois livros de Henry Miller. Pelo primeiro, depreendi, aliás, que a vida em Paris podia ser uma coisa bem divertida. Só que Miller não era embaixador...  

Como não sou dado a astrologia e coisas assim (só acredito no que vejo e, ultimamente, quase me recuso a crer nalgumas coisas que vejo), devo dizer nunca mais pensei nesses trópicos. Até ontem. Dentro de um 4x4, ao olhar para o mapa de uma região por onde ando, dei-me conta de que acabava de atravessar o trópico de Câncer. Não foi coisa que particularmente me excitasse, mas referi o facto às pessoas que comigo viajavam e, sem surpresa, deparei-me com uma completa indiferença. Concluí, assim, que isto de trópicos já não é o que era.

Por associação de ideias, recordei-me que, por uma legislação diplomática já antiga, era dada uma pequena majoração, em matéria de tempo de serviço para a aposentação, a quem tivesse prestado serviço em postos situados um determinado número de "graus" a norte e a sul do trópico de Capricórnio (15º, creio eu)*. (Coisa similar acontecia a quem tivesse servido em países em "guerra civil ou guerra internacional"). Será que isto ainda se pratica? Ou será que, nos dias que vivemos, lá para os lados da praça das Cebolas e da Sul-e-Sueste ainda são aceites estas regras favoráveis a quem foi obrigado a labutar por zonas difíceis? Ou será que também tudo isto já foi derrogado pela única lei que não há dúvidas de estar em vigor - a da excecionalidade?

Por que é que me lembrei disto agora? Sei lá! Ia dizer, como o dizia Vinicius de Moraes, "porque hoje é sábado", mas nem sequer isso é verdade: já é domingo! Aproveitem-no!

(*Um comentador avisado corrigiu-me, entretanto. Leia-se o comentário)

22 comentários:

Anónimo disse...

Também me fez lembrar dias tranquilos em clichy.

jj.amarante disse...

Estou habituado a que a maioria das pessoas não se interesse por geografia mas julgaria que haveria um pouco mais desse tipo de interesse no corpo diplomático.

O Equador é uma linha mais notável do que os trópicos, mas não vejo diferença de importância relativa entre estes e os círculos polares.

E tenho uma explicação simples sobre o que significam os trópicos: são paralelos entre os quais o sol passa uma ou mais vezes por ano pela vertical do lugar, ou dito de outra forma, em que a sombra de uma vara vertical desaparece. Acima dos trópicos isso nunca acontece.

Alcipe disse...

Julgo que ainda está em vigor (xiu!) , mas é preciso ir tratar disso na Caixa Geral de Aposentações. Conheço (e tu também) quem o tenha feito.

Abraço. Viste a "Baçus, mulher de Ali, pastora de camelas/uma noite ao fulgor das rútilas estrelas"? Sonhava encontrá-la...

Um abraço

a) Alcipe

patricio branco disse...

é um facto que há uma idade, quando começamos a despertar para a geografia e a compreendê-la, em que os globos terrestres se tornam fascinantes. percebemos que há outras terras alem da nossa e que muitas estão situadas abaixo ou acima dessas linhas com esses curiosos nomes, de cancer e de capricornio, pertencem tambem a constelações.
nos antigos globos, dos anos 30, 40 e 50, havia mesmo o simbolismo das cores, o que era rosado eram colonias inglesas, o que era verde azeitona portuguesas, acho que era assim. no globo comparava-se tambem o tamanho dos paises, alguns quase nem apareciam, a sua forma, os que eram ilhas, os mares azuis, as diferenças de altitude, o globo permitia isso, mostrava e ensinava, permitia viagens imaginárias.
curiosa mas cientifica a explicação da existencia dos trópicos por j amarante. o que estava entre os tropicos era tambem sinónimo de calor, florestas densas, chuvas, outros animais, outras gentes.
o equador era outra coisa, pelo meu lado sempre gostei mais dos trópicos que do equador que era assim como a cintura do mundo significando apenas o maximo de calor. mas era interessante que ele passasse por s. tomé.
em algumas profissões, militares, diplomatas, funcionários publicos em missão, estar numa certa posição de latitude dá sim direito a majoração temporal, como se tivesse trabalhado mais 1 ano ou 2, ainda está em vigor, não duvido, só que os interessados têm de requerer e pagar os descontos correspondentes a essa percentagem de tempo suplementar, e se actualmente adianta, com todas as reviravoltas nestas coisas das reformas e pensões e as continuas mudanças de regras que fazem com que já não haja regras a não ser essa da excepcionalidade continua, sabe-se lá!
de facto, fazer rodar o globo no seu eixo com um impulso dos dedos já não é o que era.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Alcipe: só pelo sábio Google cheguei ao Gonçalves Crespo citado. Baçus é um nome horroroso...

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro JJ Marante: veja o contexto temporal do texto, pf

Isabel Soares disse...

Meu caro senhor,
Caí no "Trópicos" por puro acidente de percurso, mas já que aqui estou, permita que lhe diga com ironia e amarga graça:"obrigado a labutar por zonas difíceis" é o "Zé" que por este retângulo se desgasta em imaginação para sobreviver às tempestades das decisões governativas.
Acredite que é muito mais desgastante viajar pelo globo (a vista já me vai faltando) do que andar de jipe por essas paragens.
Aprecie a paisagem e seja feliz. Ah! e já agora, faça o favor de perdoar a minha irreverência.
Isabel

ARD disse...

Oh Alcipe que tanto sabe: o critério geográfico pde acumular-se com a situação bélica?
Se Ougadougou significa, p.e., mais um ano e uma guerrazita mais dois, quanto vale uma guerra em Ougadougou?

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Isabel: ironize à vontade, esta é uma tribuna livre. Estou onde estou "em gozo de uma merecida vilegiatura" (como outrora escrevia o jornal da minha terra)", sem um cêntimo de encargos para o Estado e descontando dias nas minhas férias. Sou feliz por poder tê-las? Claro que sou!

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador
Há um lado pragmático, feito de presente, algum passado e de futuro, que me agrada muito em si.
A vida é como é, tiram-se conclusões, anda-se para a frente, mantém-se o sentido apurado do humor e finalmente "vive-se". Gosto e tento ser assim!

Julia Macias-Valet disse...

Quando ontem à noite li o post nao comentei (porque estava a ver o concurso de Miss France com as minhas filhas...e ha prioridades na vida :-))))
mas pensei como o Alcipe : se calhar era melhor nao fazer muitas perguntas, nao vá o diabo tece-las... ;-)

Quanto aos Trópicos tirando os do Claude que sao Tristes...todos têm o seu interesse mas eu tenho uma preferência pelo de Capricórnio porque la diz a poeta que : Nao existe pecado do lado de baixo do Equador :-)))

Divirta-se que a vida sao 3 dias e 2 sao o Carnaval...e esse so vale a pena no Equador ;-)

Julia Macias-Valet disse...

Oups...

Ou sera... a VIDA SAO 2 DIAS ? e o Carnaval sao 3 ?

Anyway...divirta-se !!!

Alcipe disse...

A guerra é mais complicado: só conta se se esteve em pleno teatro de guerra. Mas a disposição existe.

patricio branco disse...

do ECD:
Artigo 34.o
Bonificações
1 — A requerimento do interessado, nas contagens do tempo de serviço efectivamente prestado para efeitos
de aposentação são incluídas as bonificações a seguir
indicadas:
a) 20%nos postos diplomáticos e consulares situados entre os paralelos 15 N. e 15 S.;
b) 15%nos postos diplomáticos e consulares situados entre os paralelos 15 N. e 30 N. e 15 S.
e 30 S., sendo estas percentagens reduzidas de 5% quando a altitude dos postos for superior
a 1000 m e inferior a 2000 m;
c) 25% em país em guerra civil ou guerra internacional.
2 — A percentagem referida na alínea c) do número
anterior não é acumulável com as das alíneas a) e b),
mas prevalece sobre elas.

Helena Oneto disse...

Carissimo Senhor Embaixador,

1) Subscrevo inteiramente o comentario da nossa querida amiga Helena Sacadura Cabral a quem dou, uma vez mais, os parabéns pelo seu aniversario.

2) Atravessei algumas vezes o Equador e os dois tropicos por ar, mar e terra. Por terra, atravessei o Tropico de Câncer de geep, de camelo e também num 4X4. As travessias maritimas e terrestres dessas linhas invisiveis foram escaldantes e marcaram a minha vida de menina. Torrida, como a cor que ilustra esta sua viagam tropical, e a que mais me marcou, ha muitos anos, foi a que fiz com H. Miller.
Desejo-lhe uma continuação de boas férias ai. Aqui faz “un froid de canard”!

Anónimo disse...

"...ultimamente, quase me recuso a crer nalgumas coisas que vejo"

Também eu, também eu. Há por aí mais alguém? Sim? Fico mais sossegado!

Um abraço,
ZB

Isabel Seixas disse...


Vilegiatura

O sossego da noite, na vilegiatura no alto;
O sossego, que mais aprofunda
O ladrar esparso dos cães de guarda na noite;
O silêncio, que mais se acentua,
Porque zumbe ou murmura uma coisa nenhuma no escuro…
(...)
Que vida idílica, se fosse outra pessoa que a tivesse
Com o zumbido ou murmúrio monótono de nada
Sob o céu sardento de estrelas,(...)

Vim para aqui repousar,
Mas esqueci-me de me deixar lá em casa,(...)

Álvaro de Campos

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Patrício Branco: isto de funcionar "de memória", sem o apoio dos textos, leva-nos a erros. Ainda bem que lembrou a legislação exata. Eu que estive colocado num posto onde cumularia a guerra civil e a localização geográfica nunca me dei ao cuidado de pedir a tal majoração. Porquê? Porque, embora a legislação sobre as aposentações seja uma espécie de "movimg target", eu já vou a caminho dos 42 anos de serviço público. Tempo demais, é o que é...

Anónimo disse...

«Só acredito no que vejo (...)...» Pitágoras também acreditava só no que via, só que via mais. Viu aqueles números irracionais que tanto perturbaram os Gregos... Também ficaram conhecidos por "números mudos", "números cegos", "números surdos" ou ainda por "números que perderam a razão". E deram um Teorema e peras! Claro que a vida em Paris é mesmo divertida! Claro que os seus amigos não valorizam o Trópico de Cancer porque não devem fazer uns dias de férias no Porto Santo.

Blondewithaphd disse...

Eu sempre fui mais pelo Trópico de Capricórnio...

Helena Sacadura Cabral disse...

Porto Santo é um dos paraísos na terra que eu conheci felizmente antes de ser descoberta pelo Continente em época estival.

Mas concordo com a nossa Blonde. Sou mais pelo Trópico de Capricórnio...

Anónimo disse...

O Porto Santo do Vicente Jorge Silva e da Drª Helena S. Cabral ainda se pode reviver em Setembro. Já abalaram os veraneantes. Fica o mar quentinho, na mesma, a espraiar-se num dos melhores areais do mundo (parece que há mais dois idênticos no: Japão e Canadá). Se formos ao mar bem cedo as nossas companheiras são as cagarras que aos primeiros raios do sol saem dos ninhos com aqueles filhotes atrevidos que passam mesmo à nossa beira. Depois é caminhar - como terá feito Colombo quando olhava na direcção oeste... - e, chega-se à Calheta aonde as lapas grelhadas devem estar à nossa espera. De regresso a "rúcula da moda" que não é senão as nossa "serralhas" estão nos novos menus dos turistas. Por mim faço em casa um cuscus acompanhado das serralhas que se apanham nos caminhos da Camacha. O cuscus é mais moreno daquele que se come em Paris. É feito das aparas do trigo que são torradas numa chapa quente que se vai borrifando com galhos de segurelha molhada até secar. Para quem tiver problemas com as articulações aconselho vivamente que entre as 11.00 e as 13.30h se enfiem na areia até transpirarem. Passa-se de seguida para outro monte de areia quente repetindo o mesmo até fartar... Houve em tempos legislação nos serviços de saúde para estas idas à areia do Porto Santo com receita passada pelos médicos. Creiam que é possível guardar do Porto Santo a saúde necessária para os trababalhos porque passamos depois de que o avião arranca quase mesmo à meia-noite a lembrar o "outro dia". Experimentem!

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...