quinta-feira, dezembro 20, 2012

Disponibilidade

Não sou um leitor atento dessa bíblia quotidiana que se chama "Diário da República", que até tem "cadernos" (séries) como os grandes jornais. Mas há quem seja. Por isso, a meio da manhã de hoje, essa sentinela cívica que é o meu velho amigo José Dias lá me assinalou que o referido periódico traz hoje a minha exoneração da embaixada em Paris e da UNESCO, "por passar à disponibilidade", com efeito retardado até ao meu aniversário.

Devo dizer que, ao ler o decreto, senti uma sensação curiosa. É o fim de um ciclo, neste caso, o último episódio da crónica de uma saída anunciada. A obrigatoriedade de abandonar o serviço ativo no estrangeiro aos 65 anos é algo que muitos colegas meus contestam, por acharem essa "deadline" etária menos compatível com a tendência universal para se exercerem as funções até mais tarde na vida. Como quem me conhece sabe, não comungo dessa perspetiva, por duas razões.

Em primeiro lugar, porque havendo hoje menos postos diplomáticos e consulares de carreira, tendo sido reduzidos os lugares de chefia no MNE em Lisboa e havendo um manifesto "engarrafamento" na categoria profissional que permite o acesso às chefias de missão no exterior, é para mim mais do que natural que sejam dadas possibilidades a alguns colegas de ascensão a essa titularidade. E isso, naturalmente, passa pela "saída de cena" dos mais antigos. Nada de novo, basta cumprir a lei, que tem décadas. Por isso, também não se justificam os arroubos de "jeunisme" que afetaram algumas pressurosas fontes (quase) anónimas do MNE, ao darem parangonas à baixa da média etária dos novos chefes de missão. 

Em segundo lugar, esta obrigatória passagem à "disponibilidade" - curioso conceito, mais adequado a uns dos que a outros, diga-se... -, em particular se associado à possibilidade de acesso à aposentação, abre a hipótese a alguns diplomatas de, a partir dos 65 anos, ainda terem acesso a uma "segunda vida" profissional, que permita complementar as suas pensões de aposentação, sobre cujo futuro fiscal me abstenho naturalmente de falar. Como uma lei (do anterior governo, diga-se) deixou de permitir acumular essa pensão de aposentação com qualquer prestação de serviço público, mesmo o ensino, resta a opção de enveredar pelo setor privado, a quem tiver possibilidade de o fazer. Para quem acha que aprendeu, no decurso de uma longa vida profissional, algo que ainda pode ser útil a quem o reconheça como tal, e tendo a faculdade de não sofrer, além do mais, da menor incompatibilidade, julgo que esse é um caminho mais do que legítimo.     

28 comentários:

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador
Como sempre claríssimo e oportuno. Embora sem grande vontade de rir - o dia 24 aproxima-se e com ele a memória da morte da minha Mãe nessa noite e oito meses exactos sobre a morte do meu filho mais velho -, a sua "rabecada" no jeunisme não pôde deixar de me fazer sorrir. É que estou numa fase da vida em que essa juventude mitigada - não são já tão novos assim, os pequenos -, me começa a causar algum cansaço...
Estas almas que já não são novas e ainda não são velhas perturbam-me. Helas!

António P. disse...

Caro Embaixador,
Só podia ser o Zé Dias a informá-lo em 1ª mão :)
Espero que goze bem a sua merecida "disponibilidade"!!
Cumprimentos

Anónimo disse...

Senhor Embaixador

É sempre com muito um prazer que leio as crónicas, ou como diz, "notas pouco diárias do embaixador português em França".
Confesso que sempre que surge a oportunidade, por qualquer circunstância ou episódio profissional, lá acedo às crónicas.

Então não é que hoje, apesar de já nos ter avisado, no passado 8 de novembro, com a merecida antecedência que os leitores apreciam, o Diário da República (DR) lá publicou a exoneração! Soa até a maldade!
Mas, obviamente, sabemos que é a "praxe".
Ainda bem que nos tinha avisado!

Só não entendo o recurso ao artigo 135º, alínea a) da CRP !

Votos dos maiores êxitos, quer neste final de missão quer na próxima missão, que sabemos vai ser muito útil para Portugal!

E, nesta quadra, apresento os votos de Boas Festas.
(e ficamos a saber quando é o seu aniversário, não se importa, pois não?)

patricio branco disse...

um pouco nostalgico, tudo. não é tanto a idade, é não poder continuar a fazer o que gostamos e sabemos e profissionalmente foi a nossa vida. mas outra fase chega, o centro norte-sul, trabalho com afinidades, votar ao convivio de velhos amigos, a frequencia dos sitios, escrever umas memórias, um roteiro gastronomico, etc. boas-festas e bom resto de funções em paris, ainda falta para a despedida

patricio branco disse...

e continuar com o blogue, claro

Anónimo disse...

Pois é... nunca percebi como o Estado português deita fora diplomatas com tanta experiencia aos 65 anos. Aqueles que ainda tivessem saúde poderiam e deveriam ficar na Secretaria de Estado apoiando os diplomatas mais recentes. Mas... eu não sei

Anónimo disse...

Pessoalmente defendi uma tese há nuns trinta anos atrás que combatia a reforma aos 65 anos porque pensava, e ainda penso, que aos 65 anos estamos em plena faculdade e forças para continuar em atividade.
O que defendia naquela tese era que as pessoas deviam beneficiar da reforma ao longo do percurso profissional: um ano de reforma em cada dois, três ou quatro anos de atividade, sem perda de salário. Este “retrait” rotativo da produção permitia a inserção no sistema produtivo dos desempregados e avançávamos para uma gestão social de pleno emprego.
Com esta tese fiz rir algumas pessoas. Pelo menos serviu para isso.
Todavia, com a vitória de Mitterrand em 81, houve tímidas decisões neste sentido: aumento do período de férias, redução do tempo de trabalho, possibilidade em beneficiar da reforma antes dos 65 anos... Era bem numa forma de reduzir os tempos de trabalho dos ativos que se procurava uma inserção dos outros.
Mas estas decisões foram depois postas em causa e o número de desempregados não diminuiu. Nem o número de agentes de “regulação” social: empregados de pôle emploi, psicólogos, formadores de formandos a novas oportunidades que não existem... Um autêntico exército para “enquadramento” dos desempregados.
A minha tese resolvia o problema do desemprego mas não tem qualquer interesse para o sistema de produção cuja organização já produz em excesso!
Que se lixe a gestão social!
Também agora, trinta anos depois, ao beneficiar da reforma aos 60 anos, egoisticamente, não tenho a mesma motivação para defender aquela tese tal é o sentimento de bem-estar ao beneficiar destes espaços de liberdade como nunca conheci.
José Barros.

Anónimo disse...

Para a minha empresa de parabólicas, com muita pena minha, não o posso convidar. Sei que Vossa Excelência não aprecia as parabólicas . É de lamentar, é uma perda para nós. Sinceramente

a) Feliciano da Mata, empreendedor rejuvenescidp

Helena Oneto disse...

Imagino o misto de satisfação e alivio dos signatários da sua exoneração. Eles esquecem ou não sabem que dos fracos não reza a Historia.

Bien à vous, mon cher Ambassadeur!

Anónimo disse...

Caro Francisco Seixas da Costa, espero que a iniciariva privada possa bem aproveitar o seu know how internacional.

CSC

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Dra. Helena Sacadura Cabral: O "jeunisme", maleita que passa com o tempo, é, ele próprio, produto do "jeunisme"... O melhor Natal possível para si, é o que sinceramente lhe desejo.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro António P.: tal como eu, você habituou-se à organização metódica do Zé Dias, nos tempos gloriosos da Dom Carlos. Ele é igual a si próprio. No fundo, no presente, ele é uma espécie de guardião do nosso passado.
Quanto à "disponibilidade", vou ter pouca, como irá ver.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Anónimo das 21.03: Não é maldade, pode crer! É apenas prevenção, não fosse alguém esquecer-se, na altura... Não tenho a CRP à mão, mas prometo não solicitar a fiscalização constitucional do ato. No Brasil, alguém o fez, e dizem-me foi considerada inconstitucional a limitação etária, por arbitrária e não conforme com o limite de idade para os exercício de funções públicas. Se alguém por cá se lembra, vai ser o bom e o bonito.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Patrício Branco: posso garantir-lhe que não conseguiu ser exaustivo quanto ao que tenciono fazer, se tiver saúde e paciência.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Anónimo das 22.03: mas as pessoas regressadas a Lisboa, depois dos 65 anos, ficam precisamente na Secretaria de Estado, na "disponibilidade", para outras tarefas. Outra coisa é se essas tarefas são aquilo que poderiam ser. Mas isso são outros contos.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro José Barros: è sempre muito bom beneficiar do "welfare state". E justo, quando isso é possível.

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Feliciano da Mata: eu não excluo nenhum ramo de atividade. Mas vejo que você está muito bem informado quanto à minha "alergia" à TV Cabo ou coisas similares. Heverá parabólicas em Portugal que me poupem da RTP, SIC, TVI e TPA (daqui a dias)? Se souber, sou cliente.

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Helena Oneto: não vale a pena amofinarmo-nos por tão pouco. As coisas são bem menos importantes do que parecem. Mas obrigado pelo cuidado.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro CSC: sei que sabe que eu sei que sabe alguma coisa, não sabe?

Anónimo disse...

Senhor Embaixador, votos de um Natal cheio de alegria e esperança.
Permita-me tornar extensivo os mesmos votos a todos quantos participam nos comentários e que tanto gosto de ler.

Maria Helena

Anónimo disse...

É evidente que o que eles quiseram foi publicar o decreto antes do fim do mundo ter lugar

Anónimo disse...

Com 47 permito-me, "com todo o respeito" (Professor Freitas do Amaral dixit) discordar da opinião de Sexa Embaixador. Se há uma tendência inexorável para generalizar em breve a reforma para todos aos 67, porquê uma excepção para a carreira diplomática? Não penso em mim que já cá não estarei, mas precisamente em quem está e não devia ser desaproveitado.

Isabel Seixas disse...

"segunda vida" In FSC

Há sempre
um horizonte encorajador
e estimulante
no recomeço,
principalmente para um Embaixador
aguardado com apreço,
certamente para Gestor
pelo profissional mais empreendedor
e desejado que eu conheço...




EGR disse...

Senhor Embaixador: estou certo que não faltarão solicitações para que V. Exa partilhe as suas multiplas experiencias, os seus conhecimentos enfim o que poderemos designar com o acervo de toda uma vida dedicada ao serviço do nosso país.
Seguramente o fará com o mesmo gosto,com que,apesar de todos os dissabores que naturalmente terá sofrido me parece haver fruido ao longo da sua carreira.
Pela minha parte,espero que não me prive de o continuar a ler.
Gostaria também de deixar aqui uma nota de apreço acerca dos comentários que posso ler neste espaço.
Boas Festas a todos.

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

Senhor Embaixador

Deve ser muito mau essa "coisa" do compulsivo quando ainda se tem tanto para dar.

Mas imagino que o Senhor Embaixador não vá para casa.

Torne-se critico Gastronómico. Já serviu a diplomacia, agora sirva a Gastronomia

Um abraço e um Santo Natal para si e toda a sua Familia

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro José Tomaz Mello Breyner: muito obrigado pelas suas palavras. Fico-me pela terminação: vou para a economia... Mas não largo a gastronomia, pode estar seguro. Lá o visitarei, em Fevereiro, nas Janelas Verdes - embora a Primavera alta seja o tempo adequado para o visitar.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro EGR: obrigado pelo que deixou escrito. Embora não saiba o que vai ser a minha ocupação futura de tempo, a minha intenção, "for the time being", é manter esta coluna, embora perdendo o atual subtítulo.

Anónimo disse...

Senhor Embaixador,

Hoje, estou a ler com efeitos retroactivos.

E por falar em retroactivos... Com tanta retroactividade que é habitual nos despachos, esta antecipação da passagem à "disponibilidade" só pode ser mesmo excesso de zelo por receio de esquecimento :)))

Muitas felicidades para esta nova etapa.

Isabel BP

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...