quinta-feira, janeiro 13, 2022

O tal…

Parece que o debate Costa-Rio já começou. Estou a jantar e a conversar sobre outras coisas que não a política. À noite verei, com interesse, mas sem pressa.

“A Arte da Guerra”


A revolta no Casaquistão, o folhetim entre a Ucrânia e o ocidente a propósito da Ucrânia e o reacender do separatismo sérvio na Bósnia-Herzegovina são os três temas que, esta semana, discuto com o jornalista António Freitas de Sousa no podcast do “Jornal Económico”, que pode ver clicando aqui: https://youtu.be/wwabaO3TyxQ

CDS

Certos eleitores do CDS devem sentir-se pouco confortáveis ao verem o seu partido, que sempre se deu ares de sereno e responsável, ser representado por um miúdo esgazeado e aos berros, com frases feitas trazidas num papel. Além de que levantar a voz denuncia sempre desespero!

quarta-feira, janeiro 12, 2022

Quem quer ser diplomata?


Conhece alguém que deseje entrar para a Carreira Diplomática? Avise-o de que vai haver, em breve, um concurso de acesso ao MNE. E que a Universidade Autónoma de Lisboa tem, uma vez mais, um curso de preparação que ajuda os candidatos a prepararem-se para esse exigente exame.

Lech Walesa


Li, há momentos, que Lech Walesa passa por sérios apuros financeiros, com uma escassa reforma e com a pandemia a ter suspendido o circuito internacional de conferências em que se apoiava financeiramente. Vende agora fotografias autografadas para sobreviver. 

Em 1998, acompanhei Jorge Sampaio na sua visita de Estado à Polónia. À margem da última cerimónia oficial, perguntei a um destacado responsável polaco, que, por acaso, conhecia bastante bem Portugal, por que razão, em nenhum dos momentos da visita, que tinha incluído receções a que tinham estado presentes dezenas de figuras da vida pública polaca, no que me pareceu ser uma relativa abrangência, nunca surgira Lech Walesa, seguramente a mais conhecida personalidade política da Polónia democrática.

Notei que o meu interlocutor ficou um pouco perplexo. Respondeu-me com duas perguntas.

A primeira foi saber se acaso Jorge Sampaio teria gostado de encontrar Walesa. Disse-lhe que não sabia, que não tinha comentado isso com o presidente, mas que, pelo interesse que colocara em conseguir uma visita ao estaleiro naval onde Walesa se notabilizara, em Gdansk, estava certo que isso teria agradado a Sampaio. O homem ficou a pensar, por um instante e fez-me uma segunda pergunta: “Vocês, em Portugal, convidam o Otelo Saraiva de Carvalho para as cerimónias oficiais, na visita de um chefe de Estado estrangeiro?”

Disse-lhe que era uma comparação com pouco sentido. Otelo nunca tivera funções de Estado no Portugal democrático, tinha tido problemas sérios com a justiça, pelo que era natural que não integrasse a “lista social” do protocolo português. Ora Walesa tinha sido presidente por cinco anos e fora um destacado Prémio Nobel da Paz, com forte prestígio internacional. Mas percebi aquela tentativa “maladroite” de criar um paralelo entre dois heróis da liberdade. E o assunto acabou por ali.

Numa outra qualidade, passei a visitar a Polónia, com alguma regularidade, já na última década. Um dia, falei a alguém de Lech Walesa. “Gostava de o conhecer?”, perguntou-me essa pessoa. Referi que, se isso pudesse ter lugar, acharia com certeza interessante. 

Meses mais tarde, já lá vão uns bons anos, essa ocasião foi-me proporcionada. Fiquei sentado ao lado de Walesa, num jantar, conversámos bastante, embora via intérprete, durante toda a refeição. Não me recordo de ter sido uma conversa particularmente fascinante. 

Walesa é uma personalidade simpática, algo histriónica, loquaz. A minha principal curiosidade era tentar ouvi-lo falar sobre figuras polacas que cruzara, como o general Jaruselski, Tadeus Mazovjecki ou Bronislaw Geremek Mas também gostava de o ver observar os principais líderes internacionais que contactara, comentar a situação política interna mais recente, as relações com os EUA e a Rússia, as questões bielorrussa e ucraniana, a sua perspetiva sobre o papel polaco na Europa, etc. Talvez tenha sido fruto da existência de um intérprete de permeio, o que corta sempre o tempo por metade, mas não guardei nada de marcante que Walesa me tenha dito, além de algumas generalidades e anedotas (no sentido anglo-saxónico de “anecdote”). E, no entanto, ele falou todo o tempo e eu costumo ter boa memória para o essencial. Guardei, mesmo assim, uma fotografia do momento.

A vida de Walesa deu muitas voltas, e não para melhor. Há tempos, vi Mikhail Gorbatchov fazer anúncios às malas Vuitton. As coisas, às vezes, não são fáceis para alguns políticos que, tendo andado na crista da onda da História, acabaram submergidos por ela, restando-lhes apenas esperar que a memória futura dessa mesma História lhes não seja madrasta.

terça-feira, janeiro 11, 2022

Jornalismo?

Foram inqualificáveis algumas das perguntas a que Jerónimo de Sousa foi sujeito por parte de certos ditos jornalistas, na conversa televisionada que hoje teve, antes do seu internamento. Que tristeza!

Nas redações, não há chefias, não há sensibilidade, ninguém ensina nada a quem, manifestamente, sabe muito pouco do “métier”?

segunda-feira, janeiro 10, 2022

Rússia

Há pouco, recebi do António Freitas de Sousa, o jornalista com quem faço, para o “Jornal Económico”, o programa “A Arte da Guerra”, a lista com a proposta dos três temas a abordar esta semana. Reparo que todos, direta ou indiretamente, se ligam à Rússia. Para aquela que alguns dizem ser uma “potência regional” (Obama dixit), não parece nada mal…

domingo, janeiro 09, 2022

Poesia no mato


Já me tinham falado no livro. Embora, como há dias me notava António Alberto Alves, o culto livreiro da “Traga-Mundos”, em Vila Real, aquilo seja “bastante mais do que um livro”. Mas já lá vamos!

Jorge Ginja foi um médico que nos deixou vai para dois anos. (Falei dele aqui). Desde os anos 80, o Jorge tinha feito de Vila Real a sua terra. 

Por ali foi figura ativa na política, na promoção cultural e, naturalmente, na sua profissão. Tinhamo-nos conhecido e ficado amigos no Teatro Universitário do Porto, em 1966/68. Fui-o, entretanto, reencontrando, a espaços, quando passava pela já também sua cidade. 

O Jorge, soube agora, tinha ficado amigo de Mário Viegas, um ator e “diseur” que teve vasta obra e curta vida. Viegas entrou para o TUP no ano em que saí do Porto, pelo que só vim a conhecê-lo (embora mal) quando, por acaso, ambos “fizémos tropa”, na Administração Militar, em Lisboa, em 1973/74.

Antes, no final dos anos 60, quando foi mobilizado para a guerra colonial, Jorge Ginja tinha pedido a Mário Viegas para gravar, em fita, um conjunto de poemas e textos teatrais que selecionou. Levou essa gravação consigo, para África.

Agora, a família de Jorge Ginja recuperou essa gravação, com 31 inéditos de Viegas. Com os poemas e os restantes textos ditos, fez-se o belíssimo livro “Voz Própria”, sintetizado no subtítulo “Poesia, Resistência e Liberdade”, editado pela “In Libris” e pela Direção-geral de Cultura do Norte. O volume integra dois CD com a declamação dos poemas e outros textos feita por Mário Viegas. O livro, ao lado de cada poema, também insere um código de leitura (QR Code) que permite ouvir essa voz num simples telemóvel. Aqui fica a explicação da razão por que, afinal, “é mais do que um livro”.

Dei esta obra a mim mesmo, como prenda de Ano Novo. Toda a gente oferece prendas no Natal, eu resolvi inovar. Fi-lo, porém, com a rara certeza de que o destinatário da oferta ficava contente ao recebê-la. Diria mesmo mais, tive tanto prazer em dar este livro como tive em recebê-lo. São coisas que dão algum trabalho mas, com imaginação e organização, se conseguem fazer.

“A Arte da Guerra”

“A Arte da Guerra”, o podcast no Youtube editado pelo “Jornal Económico”, onde semanalmente falo sobre questões internacionais com o jornalista António Freitas da Costa, passou, em 2022, a ser emitido às 11:00 horas das quintas-feiras.

Para ver e ouvir o programa, onde introduzimos algumas novidades de forma, à hora que quiser, pode sempre clicar no link que surge neste blogue, na página do Facebook do “Económico” ou nas minhas próprias páginas no Facebook ou no Twitter. 

Na primeira edição de 2022, falámos das próximas eleições presidenciais em Itália, na inesperada nova conflitualidade que surgiu na vida política no Sudão, bem como na crescente perceção de que a escolha do novo presidente da Líbia, que vem a ser adiada desde 2018, pode, uma vez mais, não acontecer.

Para ver, clique aqui.

Africa, adeus!


As guerras coloniais, as guerras do Ultramar, as guerras de libertação ou as guerras de África - cada um fique na sua, de acordo com a opção que escolher - mobilizaram a sociedade portuguesa entre 1961 e 1974, nas três frentes de combate. 

Este post não quer dar para o peditório dessa luta semântica (e peço, a bem da serenidade política, que ninguém vá por aí!). O seu objetivo é, muito simplesmente, dar conta da recente publicação, com o apoio da Câmara Municipal de Vila Real e de outras entidades, do livro “Adeus… até ao meu regresso!”. 

Trata-se de uma recolha de fotografias pessoais, intercaladas por alguma iconografia, cedidas por 56 cidadãos, oriundos do concelho de Vila Real, que estiveram mobilizados nas três frentes de combate. São, quase sempre, imagens de momentos descontraídos, mas não só, nesses anos que muito devem ter custado a passar a quem se vestiu de verde e teve uma arma na mão. Pelas páginas do livro, encontrei muita gente conhecida. 

Esta edição, sem fins lucrativos, à qual de associou a Liga dos Combatentes, presta também um homenagem às dezenas de cidadãos do concelho de Vila Real que perderam a vida nessas guerras.

Não faço ideia se, em outras localidades do país, alguém já procedeu a compilações idênticas. Nunca vi. 

Acho que esta foi uma excelente iniciativa, no centro da qual constato que esteve, além do meu velho amigo Carlos Almeida, a figura de Duarte Carvalho, um vila-realense que, nos últimos anos, se tem dedicado a publicar interessantes obras de recolha fotográfica sobre a cidade de Vila Real. Sinceros parabéns a ambos!

sábado, janeiro 08, 2022

Ao sábado, claro!


Só hoje li o “Expresso” de ontem. Ainda estou a adaptar-me à ideia de que o jornal vai passar a sair às sextas-feiras. O “Expresso”, para mim, rima com o sábado. Esta semana, o “Expresso” fez 49 anos e também faz 49 anos que, sem uma falha, eu compro o “Expresso”, isto é, os 2567 números que saíram até agora. Foi precisamente esta semana que os “hackers” fizeram um assalto informático à Impresa, proprietária do jornal e da SIC, roubando dados, tentando paralizar a sua estrutura de produção. Fazendo das fraquezas forças, o “Expresso”, tal como a SIC, conseguiu manter-se em atividade, provando uma saudável vitalidade, ou, como agora alguns dizem, a sua resiliência. Foi muito bom que assim fosse, a bem da pluralidade da informação. Nem sempre gosto do “Expresso” que semanalmente me chega, acho que o jornal vive ideologicamente muito enviezado, parece ter abandonado, sem o assumir, alguma neutralidade que lhe deu prestígio, e, tal como alguns restaurantes que conhecemos, “já não é o que era”. Valha a verdade, toda a informação está hoje muito diferente do que já foi. Para o bem e para o mal. E a nossa exigência mudou. É que, embora teimemos em dar a ideia de que continuamos a ser os mesmos, também não somos. Para o bem e para o mal, também! É a vida, que eu desejo longa ao “Expresso”.

sexta-feira, janeiro 07, 2022

Injustiça

Aconteceu com Miguel Macedo, acontece agora com Azeredo Lopes. A justiça contribuiu para a desgraça pública de figuras políticas, ao ter dado armas, com acusações insensatas, para a sua condenação, naquela que é a verdadeira primeira instância, sem apelo - a má língua de rua, os títulos indignados da imprensa, as incendiárias peças telelevisivas. E agora, constatado o seu rotundo fracasso, a essa justiça, não acontece nada? A injustiça da justiça fica sempre impune?

O adversário ausente

Dei comigo a perguntar que consequências podem resultar do embate televisivo entre António Costa e André Ventura, que acabo de ver.

Estamos perante dois “campeonatos” diferentes: não acredito que Ventura tenha conseguido deslocar sequer um voto de um eleitor que estivesse a pensar votar no PS, do mesmo modo que só por milagre alguém que estivesse inclinado a votar no Chega se convenceu, subitamente, das vantagens “do socialismo”, só por ouvir Costa. Não creio que “le coeur balance” entre o PS e o Chega no peito de muita gente.

Ventura está neste jogo para segurar o que for possível do meio milhão de votos que obteve nas presidenciais. O seu mercado eleitoral são faixas à direita que, orfãs de Passos ou de um outro PSD que fosse um seu “genérico”, se não reveem na moderação de Rui Rio, vivem irritadas com a “cumplicidade” de Marcelo com Costa e podem sentir-se tentadas a usar o voto no presidente do Chega para “partir a louça e depois logo se vê”.

Os slogans populistas e simplistas de Ventura, convocando indignações de vários matizes, têm eco em imensos ouvidos - mesmo nos de alguns que não vão votar nele: “o tipo até diz algumas verdades, mas não transmite confiança e já se sabe que não ganha”, ouve-se, às vezes. É por isso que o adversário de André Ventura, em qualquer debate, se chama, apenas e só, Rui Rio. Este é o terreiro da sua “guerra”.

O eleitorado potencial de António Costa é, como é natural, muito mais complexo.

Além do PS, que é, com razão, “taken for granted”, Costa quer ser visto, neste confronto com Ventura, como o representante da esquerda “eficaz”. Quero com isto dizer que Costa pretende vir a assegurar o apoio de muitos adeptos da Geringonça que, no passado, tendo sido capturados afetivamente pelo voto “útil” no PCP e pelo Bloco, para evitar que o PS tivesse excessivo poder, acordaram um dia com um orçamento chumbado e, tal como no PEC IV em 2011, para seu susto, pela mão da mesma esquerda em quem tinham confiado, viram aberto o caminho a um possível regresso da direita ao poder. Costa tenta demonstrar a essas pessoas, a maioria das quais votou Ana Gomes nas presidenciais, que, afinal, votar PS nas legislativas evitaria os riscos que agora se confirmaram. É o discurso do “eu não dizia?”

Mas Costa também fala para um outro eleitorado flutuante, bem mais importante em termos quantitativos, aquele que, às vezes, também vota PSD e que ele tenta agora captar com o seu estilo “statesmanlike”, forte dos galões que crê ter ganhado na luta contra a pandemia e no desenho das políticas económicas compensatórias para fazer face aos seus efeitos. Embora com destinatários de mensagem em geral diferentes dos de Ventura, também aqui o seu adversário se chama Rui Rio, face ao qual Costa pretende ser visto como um operador governativo incomparavelmente mais capaz, numa conjuntura difícil, onde “não convém arriscar”.

Ontem à noite, Rui Rio deve ter ficado com as orelhas a arder. 

quarta-feira, janeiro 05, 2022

Macron


Foi isto que Macron disse e que está a agitar a França. 

Penso como ele.

Sousa Mendes


Ao folhear a minha coleção da “Ilustração Portuguesa”, deparei com um antigo colega, conhecido de todos nós, numa notícia de 1918. O referido “elogio dos seus superiores” não se manteria, como bem sabemos, até ao termo da sua carreira.

terça-feira, janeiro 04, 2022

As teses de janeiro

Do que Rui Rio disse no debate com André Ventura ficou clara uma coisa: o PSD não fará um governo que inclua o Chega mas estará aberto a negociar o seu apoio parlamentar em troca da reinterpretação "semântica" que fará das propostas mais radicais desse partido.

Sob pena de uma revolta interna que, com toda a certeza, ameaçaria a própria liderança, uma direção do PSD nunca poderá vir a admitir, como não admitiu no Açores, que havendo a mínima possibilidade de afastar o PS do poder, isso não viesse a ocorrer apenas pelo "prurido" de poder necessitar de ter, para tal, o apoio do Chega.

O Chega, nessa circunstância, sacrificar-se-á, “por patriotismo", como única forma de afastar "o socialismo do governo", desistindo, no segundo seguinte, das suas “imprescindíveis” (se bem que implausíveis) pastas ministeriais, passando a aceitar que o PSD, num jogo de "ambiguidade construtiva", recupere pontualmente "o essencial" das suas bandeiras. O eleitorado do Chega não perdoaria a André Ventura uma atitude diferente.

Os eleitores do Chega, como Rui Rio bem sabe, não nasceram do nada: vieram, essencialmente, do eleitorado tradicional do PSD e, tal como grande parte da IL (neste caso, há que contar com caras novas), só se organizaram autonomamente pela mera razão de que Passos Coelho já não estava na liderança do PSD.

Custa-me a dizer isto por alguns amigos, mas, em face do radicalismo (diverso, mas radicalismo na mesma) que hoje o Chega e a IL representam, sou obrigado a recordar que essas linhas já estiveram dentro do PSD, isto é, o PSD era também aquilo. No final de contas, o PSD foi o partido em que André Ventura era dirigente.

Correr com eles

O meu colega e amigo Luís Filipe Castro Mendes, na sua hebdomadária tribuna opinativa no ”Diário de Notícias”, que um elementar exercício de bom gosto obriga a que nunca perdamos, faz hoje uma excelente incursão pelo que nos espera, no ano que ora já pisamos.

Pena é que tenha pousado uma grave gralha naquele belo texto, de onde respigo o excerto:

”Esperemos e lutemos por que de todos estes invernos do nosso descontentamento não venha ainda mais avassalar-nos o vírus fascista. É certo que, segundo a melhor ciência política, o fascismo nunca existiu (parece que nem na Itália...). Mas, parafraseando o provérbio, "fia-te na ciência política e não corras e verás o que te acontece!" “

Ora bem. Como é óbvio, onde está ”não corras e verás” deveria estar ”não corras com eles e verás”. É que a fórmula publicada na “folha da Moagem” dá ideia de que devemos fugir. Na realidade, eles é que devem ser corridos à nossa frente!

Estou certo que, na reedição da tarde do prestigiado periódico, o erro não deixará de ser corrigido.

segunda-feira, janeiro 03, 2022

Rio - Ventura

Rui Rio esteve bastante mal, atropelado por André Ventura, sempre à defesa, sem conseguir segurar o debate. Para o eleitorado potencial do Chega, o discurso de André Ventura funciona em pleno. A continuar neste registo embaraçado, Rui Rio não convencerá os eleitores. Foi uma boa noite para António Costa.

Mais papistas…


Em 2017, Jaime Nogueira Pinto foi convidado por um grupo de estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, para aí fazer uma palestra.

Levantou-se logo uma onda de protestos pelo facto de um “fascista” ali ir tomar a palavra, com imediatas ameaças de boicote. O movimento foi liderado por alunos tidos como afetos ao Bloco de Esquerda. A palestra, para evitar os incidentes que se anunciavam, viria a ser cancelada, numa decisão que não foi isenta de alguma polémica. (Conheço bastante bem o assunto porque, à época, eu próprio era membro do Conselho daquela Faculdade).

Lembrei-me disto, há dias, ao ver Jaime Nogueira e Fernando Rosas em ameno e urbano debate na CNN Portugal. E recordei-me, também, que, já em 2016, eu havia feito parte de um painel de debate, em Cascais, com outros dois convidados: Jaime Nogueira Pinto e … Francisco Louçã.

Afinal, constata-se que dois fundadores do Bloco de Esquerda não se sentem nada incomodados por contracenarem com Jaime Nogueira Pinto. Como, aliás, há muito tempo, conhecidos militantes do PCP - primeiro Rúben de Carvalho, agora Pedro Tadeu - dialogam com ele, com regularidade semanal, na rádio pública.

Os excitados seguidores do Bloco na FCSH na Nova, que se constata terem sido “mais papistas do que o papa”, é que são capazes de ainda não se terem dado conta disso. E se alguém os avisasse?

Debates

Ficar desobrigado de dar opinião sobre quem ganhou um debate eleitoral, muito simplesmente por não ter assistido a ele, é uma imensa sensação de liberdade, podem crer. Aconteceu-me ontem à noite.

A mensagem

Confesso que, particularmente este ano, teria gostado muito de ouvir o comentador televisivo Marcelo Rebelo de Sousa fazer a exegese crítica da mensagem de ano novo do presidente da República portuguesa que, por curiosa coincidência, é seu homónimo.

domingo, janeiro 02, 2022

Vista (2)

 … e aposto em como também não foram ao miradouro de S. Pedro de Fontes, ali perto de Santa Marta de Penaguião! 

Vista


Já foram ao miradouro (de onde se mira mesmo o Douro) de S. Domingos de Fontelo, a caminho de Armamar? Não foram, pois não?

“Vamelàver” poucos

De toda a imensão (insana!) de debates pré-eleitorais, tenciono ver uma meia dúzia, no máximo (AC-RR, RR-AV, AC-AV, CM-JS, CF-AV, RR-CF).

Dos restantes, espero que surjam, em qualquer lado, os mais notórios “soundbytes” e, se me constar que alguma coisa terá valido a pena, irei à “pesca” retroativa do que se tiver passado.

sábado, janeiro 01, 2022

Não é?

Constou-me, de fontes que me dizem ser da máxima confiança, que 2022 vai ser um ano magnífico. Inquiri sobre se os meus amigos estavam incluídos. Disseram-me que sim. Como não tenho a menor razão para desconfiar da pessoa a quem ouvi isso, até porque nunca a tinha visto antes, só posso acreditar, não é?

Em atraso


Chegamos ao dia de Ano Novo e damos conta de que ainda há cartões de Boas Festas por responder.

(a sério: uma relíquia que, há muitos anos, recebi de um amigo)

A linha da data


- Ó doutor! O boletim está mal preenchido. Falta um dia! Assim, sai prejudicado!

Eu sabia a razão pela qual aquela simpática funcionária do “quarto andar”, dos “serviços centrais” do MNE, entendia que havia um lapso no boletim de viagem que eu tinha apresentado, depois de uma deslocação a uma reunião nas Fidji, em março/abril de 1990.

A senhora tinha notado que “faltava um dia”. E era ”verdade”: tinha saído num voo de Honolulu, no Havai, na tarde de uma terça-feira e, escassas horas depois, havia aterrado em Nadi, nas Fidji, ao fim da tarde de … quarta-feira!

- Mas então o doutor onde é que dormiu na terça-feira?

Fazer entender que, no percurso entre o Havai e as Fidji, eu tinha atravessado a famosa “linha internacional de mudança de data” não era coisa fácil.

Convocando a curiosidade de algumas colegas da senhora, nas mesas ao lado, lá fui explicando que, quando se anda à volta do mundo, de oriente para ocidente, vai-se “ganhando tempo” e, ao passar aquela linha imaginária - que sai do polo norte pelo estreito de Bering para atravessar, com uns zigue-zagues, o Pacífico, até à Antártida - se muda “subitamente” de data. Ao longo daquela minha viagem à volta do mundo, os meus dias tinham tido assim cada vez mais horas, pelo que, no final, eu “perdera”, ou “ganhara”, dependendo da perspetiva, um dia.

Não acredito que a explicação tenha sido de todo convincente. Valia-me a circunstância de eu estar a pedir “um dia a menos de ajudas de custo”. Devia ser o bom e o bonito se acaso fosse o contrário!

Há pouco, quando vi, na televisão, o fogo de artifício em Sidney, na Austrália, recordei outra conversa que havia tido em Lisboa, em meados do mês de dezembro.

Foi com uma jovem, de vinte e poucos anos, que me dizia que há muito que alimentava o sonho de ir passar o início de ano à Austrália, “o sítio mais distante onde, por causa da diferença horária, cada ano novo começa”. As reportagens televisivas têm este efeito.

Disse-lhe: “Está enganada! Se quiser estar no sítio mais distante, a oriente, onde o dia 1 de janeiro começa, vá às Ilhas Menores, no Pacífico. Depois de comemorar o ano novo ali, se tiver dinheiro, apanhe um avião para o arquipélago de Kiribati. Ainda pode passar lá o resto da … véspera, do dia 31 de dezembro do ano anterior. E, assim, pode voltar a celebrar ali, de novo, … o ano novo!”

Olhou para mim com um ar de pouca crença! Vou recomendar que leia “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, de Jules Verne. Está lá tudo explicado.

quinta-feira, dezembro 30, 2021

Periscópio


Ó diabo! Uma capa sem o almirante! Isto (ainda) é permitido?

Rohmer


Ontem, à hora de jantar, numa conversa com uma familiar, falou-se, já nem sei bem porquê, do filme “Ma Nuit Chez Maud”, de Éric Rohmer. E das angústias existenciais da personagem de Jean-Louis Trintignant no filme, que, a mim, me levou a ler o “Pensées”, de Pascal, e que então me criou uma ideia mítica (um pouco falsa, vá lá!) de Clermont-Ferrand. 

As coisas são como as cerejas, vêm umas depois das outras.

Por instantes, chegou-me à memória um ciclo de cinema francês, numa sala perto da avenida de Roma, em Lisboa, no início dos anos 70, onde vi, pela primeira vez, o “Ma Nuit Chez Maud”. E recordei-me, também, dos "Contes Moraux" de Rohmer. E dos embaraços, à beira-lago, da figura de Brialy, no sempiterno "Genou de Claire". E do inesquecível "L'amour l'après-midi", de onde um amigo meu retirou o dito magnífico de que "mais vale à tarde do que nunca"...

Mas voltemos a Clermont-Ferrand. Fui lá, um dia, há 11 anos, para um encontro com a comunidade portuguesa, creio que numa festa de São João, quando era embaixador em França. 

No segundo dia, antes de regressar a Paris, consegui umas horas livres. Para espanto do simpático motorista que por ali tive, pedi-lhe para me levar a alguns pontos da cidade, que havia registado num mapa, construído pela minha memória do filme. Um deles era uma vista de um ponto alto. O que o homem suou para descobrir o sítio! Mas lá chegámos (deixo a imagem que queria recordar).

Passou-se, entretanto, pouco mais de um ano. 

Fui passar um fim de semana a casa de amigos, na Baixa Normandia. No sábado, a dona da casa convidou-nos para ir ver uma interpretação da peça musical "Carnaval des Animaux", de Saint-Saenz, num festival cultural, perto de Alençon. No palco, estava uma atriz, uma bela senhora de 67 anos. Fui-lhe apresentado no final. 

E disse-lhe: "Lembro-me de si a passear de motocicleta, em Clermont-Ferrand". "Mas eu nunca vivi em Clermont-Ferrand!", respondeu-me ela, amável. "Talvez não! Mas passeou por lá, de motocicleta. Ou não?" Reação, segundos depois: "Ah! no filme?!" e fez um largo sorriso: "Que simpático! Ainda se lembra?" Claro que lembrava! Eu lembro-me sempre do que me dá prazer.

A senhora era Marie-Christine Barrault, a inesquecível atriz de “Ma Nuit Chez Maud”. Naquele ano de 1969, nesse seu primeiro filme, aos 25 anos, tinha protagonizado algumas cenas inesquecíveis - pelo menos para mim. Depois disso, iria ter uma carreira muito diversa. Repetiu Rohmer, por exemplo, no tal "L'amour l'après-midi", fez o histórico "Cousin, cousine", esteve mesmo no "Stardust Memories", de Woody Allen, e até, hélas!, no "Le soulier de satin", de Manoel de Oliveira. 

Foi um gosto raro cruzar a memória com a vida, ainda que cinematograficamente apenas virtual. E tive então o prazar de beber, com Marie-Christine Barrault, uma cidra normanda, saudando esses tempos bons. 

Rohmer acaba aqui, por hoje? Não.

Há minutos, recebi um pedido de “amizade”, no Facebook, de José Manuel Costa, que é, nem mais nem menos, do que o Diretor da Cinemateca Nacional. Só isso? Também não. José Manuel Costa tinha acabado de colocar um “post” onde procurava saber onde poderia adquirir a caixa DVD com os filmes dos Contos das Quatro Estações. De quem? De Eric Rohmer.

Eu sei que não há coincidências. Mas, tal como as bruxas, “pero que las hay, las hay!”

quarta-feira, dezembro 29, 2021

O último “A Arte da Guerra” de 2021

Neste final de ano, o “A Arte da Guerra”, o podcast” do Jornal Económico, assume um formato diferente. Na primeira parte, é feita a escolha do “acontecimento do ano”, na segunda da “personalidade do ano”, para, na terceira parte, a conversa entre mim e o jornalista António Freitas de Sousa assentar no que podem vir a ser os pontos mais marcantes de 2022. 

Pode ver aqui.

EUA, a China e o futuro


Na CNN Portugal, ontem à noite, em conversa com Júlio Magalhães.

Pode ver aqui.

terça-feira, dezembro 28, 2021

Que título!



O meu amigo Alfredo Branco, proprietário dessa vetusta e inestimável instituição cultural do bem que é a Livraria e Papelaria Branco, em Vila Real, tinha guardada, para mim, esta oferta de Natal. 

O livro tem um título que me lembra alguma coisa, embora eu não saiba bem o quê.

segunda-feira, dezembro 27, 2021

Há gangorra no Grenal


Num final de tarde de 2007, aterrei no aeroporto de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, no Brasil. 

Durante a viagem no táxi que me conduzia ao hotel, vi passar carros com bandeiras, no que me pareceu ser o prelúdio de um qualquer evento desportivo. Perguntei ao motorista de que se tratava. O homem, pelo retrovisor, olhou para mim com cara de poucos amigos e, claramente, com algum desprezo, justificado pelo meu desconhecimento, esclareceu: "Hoje o Grêmio joga com o Inter".

Foi então que me veio à memória que, em Porto Alegre, existe uma das maiores rivalidades que opõem clubes na América Latina - quiçá mesmo do mundo. 

O Grêmio e o Internacional, ambos clubes da cidade, são, desde há bem mais de um século, adversários ferrenhos, numa conflitualidade que já produziu mortos e que deixa o clássico carioca Fla-Flu (Flamengo-Fluminense) com o estatuto de rixa de infantário. 

Quando um desses clubes gaúchos (“gaúcho” designa um originário do Rio Grande do Sul) joga com uma equipa da Argentina, um país ali ao lado pelo qual nenhum brasileiro morre de amores, há uma metade de Porto Alegre que "vira", por 90 minutos, argentina...

Nessa noite, atenta a má catadura do meu condutor, hesitei alguns segundos antes de lhe colocar a pergunta: "E o meu amigo de que clube é?" O sentimento de pena do homem para comigo acentuou-se ao ter de revelar o que devia ser óbvio: "Sou do Grêmio. Só pode, não é?!".

Já não me recordo de muito do resto da conversa, mas fixei para sempre as palavras de quase ódio com que, a certo ponto da verborreia anti-Inter por que enveredou, me falou de um filho que se tinha convertido em adepto do Inter, por via do namoro com uma jovem de uma família que era adepta do rival. "Mandei ele sair de casa na noite em que soube que se dava com gente dessa! Com roupa e tudo. Foi há quatro anos, vive noutra zona da cidade. Não quero saber dele. Nunca mais."

Chegámos ao hotel. Paguei, não lhe desejei felicidades para o jogo. À noite, na televisão, vi que o Grêmio tinha perdido. Ele não deve ter tido uma boa noite.

Hoje, pela imprensa brasileira, soube que o Grêmio desceu à segunda divisão. Entrou-se, assim, em mais um ciclo de um processo que localmente se designa por “gangorra”, expressão utilizada quando um dos clubes do “Grenal” - termo que também se usa para designar o confronto Grêmio-Internacional - se encontra numa má situação e outro num bom momento.

Que grande ”porre” de desgosto deve ter apanhado ontem aquele meu ocasional motorista de outrora!

Desmond Tutu


Morreu ontem o arcebispo anglicano sul-africano Desmond Tutu. Mandela ainda ficaria preso em Robben Island, por alguns anos mais, quando, em 1984, Tutu recebeu, no Rådhus de Oslo, o Prémio Nobel da Paz.

Os nórdicos têm uma “rightousness” que, às vezes, irrita por excesso de presunção. Porém, em matéria de sensibilidade face a situações de injustiça e desigualdade, estiveram frequentemente à frente de muito outro mundo. O Prémio Nobel da Paz, que o Comité Nobel norueguês atribui (os suecos atribuem os restantes), não obstante alguns erros de “casting”, teve o frequente mérito de ajudar a destacar alguns desses casos gritantes, contribuindo para dar eco a algumas lutas justas, ajudando mesmo, em certos casos, a resolvê-las a caminho da solução que a História veio a ter como certa. 

O regime do “apartheid” foi, com toda a certeza, uma das criações políticas mais detestáveis que essa mesma História alguma vez já acolheu (claro que houve o nazismo, eu sei). Por muitos anos, os negros sul-africanos foram considerados estrangeiros na terra onde nasceram, sujeitos a um processo de discriminação e repressão, por parte de quem se considerava superior e com o direito de definir onde e como eles podiam viver. Os “bantustões” iriam ser, nesse projeto insano, um dos produtos institucionais mais absurdos. 

A complacência com que, na Guerra Fria, o regime sul-africano foi sendo tratado por “este lado”, pelo “mundo livre”, só não raiou o cinismo porque o ultrapassou bastante em perversidade. Nunca devemos esquecer que foi uma denúncia da CIA que conduziu à detenção de Nelson Mandela - o início dos seus 27 anos de prisão. E é bom também lembrar que foi o governo de Thatcher que procurou atrasar as sanções europeias, bem como aquelas que a Comunidade dita Britânica tentou implementar, para isolar o “apartheid”, com a ajuda de uns não inocentes úteis, que nós conhecemos de ginjeira.

Desmond Tutu, de quem o ANC, que pilotava a luta contra o regime, muitas vezes divergiu, foi, por muito tempo, a figura moral que ajudou a modelar, um pouco pelo mundo, uma crescente reação, por decência básica, contra o “apartheid”. 

Com a libertação e a emergência de Mandela na vida democrática do seu país, Tutu recuou no palco político, mas nunca cedeu um milímetro na postura ética que iria manter até ao final da sua vida. Nesse importante caminho ficou a condução que fez da Comissão para a Verdade e Reconciliação, uma iniciativa que, não obstante algumas justificadas críticas às respetivas insuficiências, teve o mérito de entrar por um terreno precursor, à escala mundial.

A África do Sul que hoje existe está, seguramente, muito longe do sonho de Mandela e era, visivelmente, uma realidade com que Desmond Tutu não vivia bem. 

O arcebispo, aliás, nunca escondeu críticas a práticas locais que considerou atentatórias da democracia e do Estado de direito, da corrupção às desigualdades e aos atentados aos direitos sociais e humanos, bem como em relação à xenofobia que, para surpresa de muitos, emergiu na sociedade sul-africana. Tutu nunca se importou de ser impopular, a bela qualidade das pessoas realmentes superiores.

Devo confessar que sempre me fascinou o sorriso franco, quase galhofeiro, de Desmond Tutu. Sempre imaginei que, com isso, Tutu devesse irritar bastante os “boers” que estavam no poder que ele ajudou a derrubar. Era o sorriso de quem sabia que estava do lado certo da História.

domingo, dezembro 26, 2021

Sem vacina

Não sei se há algum lei que impeça isso, mas seria muito pedagógico se, diariamente, fosse divulgada a percentagem de pessoas que morrem por Covid que não estavam vacinadas.

O que é o tempo?


O conceito de tempo vai variando dentro de cada um de nós. Como? Com o tempo! No que me toca, tempos houve em que tinha todo o tempo do mundo, em que nem sequer sabia o que fazer para conseguir passar o tempo. O tempo andava devagar e sonolento na Vila Real desse tempo da minha juventude. O meu pai, para significar, criticamente, que o seu filho único fazia então o que lhe apetecia, dizia para a minha mãe: “Ele faz o que quer e sobra-lhe tempo!”. Nunca levei muito tempo a pensar nisso, mas sempre coloquei a frase a crédito da arte, que também fui apurando com o tempo, de fazer apenas o que me desse na gana e no tempo que eu quisesse. E, posso hoje confessar, tive bastante sucesso nisso, em quase todo o tempo da minha vida! Quando um dia me empreguei, logo depois de fazer vinte anos, passei a ter o tempo marcado pelo relógio de ponto. Fui, depois, para a tropa, onde os minutos eram fardados a verde e, claro, só esperava que aquele tempo passasse, rapidamente. Pelo meio, ainda surgiu, no tempo certo, um belo dia de Abril, que sempre rememoro dizendo: “Belos tempos!” É que já era tempo de acabar com “o tempo da outra senhora”! Depois, por bastantes anos, passei a ter o tempo ditado por quem me chefiava, em fusos horários que foram variando. Até que um dia - caramba, já não era sem tempo! - passei a ser eu a marcar os tempos de outros. Ou melhor, pensei que assim era, porque, na verdade, acabamos por ficar escravos de tempos que ingenuamente pensamos que gerimos. Com o meu trabalho a tempo certo a terminar, pensei, mas apenas por algum tempo, que seria tempo de parar de olhar tão obsessivamente as horas, que devia reganhar algum tempo perdido e devolvê-lo à vida. Uma bizarra espécie de falsa reforma em que, tempos depois, me meti trouxe-me, é verdade, um pouco mais de tempo, mas criou uma crescente ansiedade: quanto tempo terei para gozar a vida que ainda me falta viver (não gosto de dizer a que me resta)? Será que ainda vou a tempo para fazer muitas das coisas que não fiz, porque, então, nesse tempo, não tinha tempo para nada? Nos dias de hoje, ao contrário de outros tempos em que isso me era indiferente, abro a janela, de manhã, para saber o tempo que faz. É que não há tempo a perder: os dias de sol não esperam por nós, se não lhes dedicarmos, gozando-os logo, todo o tempo que ainda temos. E que dizer deste tempo de pandemia, que nos está a atazanar as horas e a fazer perder tanto tempo? Como dizia Saramago, não devemos ter pressa, mas não devemos perder tempo. Mas, afinal, o que é isto do tempo? O tempo, no fundo, é a medida da vida que ainda julgamos poder vir a ter pela frente.

(Texto inspirado numa resposta que dei num inquérito para a belíssima 25ª edição do “Anuário de Relógios e Canetas”, publicado na semana passada).

sexta-feira, dezembro 24, 2021

Um livro


Uma simpática nota no semanário "Novo", sobre um livro que, desde há semanas, está mais do que esgotado e que não terá (nunca) uma segunda edição.

quinta-feira, dezembro 23, 2021

Hermano Sanches Ruivo


Um dia de 1996, Eduardo Prado Coelho, então Conselheiro Cultural da nossa embaixada em França, disse-me que seria interessante se eu aproveitasse uma das minhas frequentes idas a Bruxelas, como secretário de Estado, para estar presente numa iniciativa de uma determinada associação de jovens portugueses e luso-descendentes em França, que estava a fazer coisas interessantes e que era desejável apoiar. 

Segui o seu conselho e assim fiz: lá estive, creio que no centro de congressos da porte Maillot, num evento da “Cap Magellan”, que era o nome dessa associação da qual, até então, eu nunca ouvira falar. Era seu principal animador um jovem beirão, Hermano Sanches Ruivo, que fora para França, muito cedo na vida, com os pais.

Treze anos depois, acabado de chegar a Paris, dessa vez como embaixador, tive Hermano Sanches Ruivo, recordo bem, como um dos primeiros visitantes em casa. 

A “Cap Magellan”, que havia sido criada em 1991, já tinha entretanto uma relevante história de realizações, no seio do associativismo da nossa comunidade, mobilizando muitos jovens. 

Hermano Sanches Ruivo, que a impulsionara e à qual permanecia ligado, a exemplo de outras figuras da comunidade portuguesa, um pouco por toda a França, tinha optado por seguir uma carreira política. 

Uma estrutura de coordenação de eleitos portugueses, que entretanto criara e animava, já não estava sozinha no terreno, espelhando uma competição política que passou a atravessar esse setor da comunidade. 

Essa era uma realidade com que a embaixada que eu dirigia se habituou, com toda a naturalidade, a viver, não sem que a nossa leitura das coisas se afastasse, por vezes, daquela que aquelas e outras estruturas do associativismo português iam alimentando. 

Hermano Sanches Ruivo revelara-se, entretanta, a figura da nossa comunidade que, creio, mais longe ascendeu na vida política francesa, assumindo mesmo, por bastante tempo, cargos de relevo na estrutura municipal de Paris. 

Acompanhei o seu trabalho com Bertrand Delanöe e, mais tarde, com Anne Hidalgo. Muitas e importantes iniciativas que, no âmbito da autarquia parisiense, foram dando destaque e projeção à comunidade portuguesa tiveram o seu entusiasmo e seu esforçado empenhamento como assinatura. Tive o ensejo e o gosto de participar em muitas dessas atividades, de as estimular e de as apoiar, mesmo depois de ter deixado de ser embaixador em França.

A vida em geral, com a vida política em particular, é feita de altos e baixos, que fazem parte da anormalidade incontrolável dos seus insondáveis ciclos. Para Hermano Sanches Ruivo, fiquei há dias a saber que os últimos tempos não estarão a ser fáceis. Só posso lamentar por ele, mas também pela comunidade portuguesa em França, para quem a sua figura foi uma referência. Só posso esperar que tudo possa vir a correr pelo melhor, no seu futuro. 

Neste tempo de festas que, para o Hermano não serão dias muito felizes, quero deixar-lhe aqui um abraço muito sincero de simpatia pessoal, deixando claro que não esqueço o muito de positivo que fez, ao longo de bastantes anos, por Portugal e pela nossa comunidade em França. E só posso desejar-lhe, como por lá se diz, “bon courage!”

quarta-feira, dezembro 22, 2021

“A Arte da Guerra”


No “A Arte da Guerra”, o podcast semanal do “Jornal Económico sobre política internacional, converso com António Freitas de Sousa sobre o “ultimato” da Rússia à Nato, as preocupações de segurança das petro-monarquias do Golfo e os primeiros sinais do novo governo alemão.

Pode ver clicando aqui.

terça-feira, dezembro 21, 2021

A fé em Fátima!


Não posso correr o risco de ler este artigo de Fátima Bonifácio. É que, como estou 1000% de acordo com aquilo que surge neste destaque, não quero perder esta oportunidade, que penso única, de, por uma vez, estar em sintonia com ela. Isso já não me acontecia desde os longínquos tempos em que a senhora era de esquerda.

Boas Festas!


A quem por aqui passa, desejo muito Boas Festas e que, em 2022, possamos ver a luz ao fundo do túnel da pandemia que nos atazana os dias.

segunda-feira, dezembro 20, 2021

Elogio da ilusão


Todos sabemos, embora finjamos que não, que, no fim do dia, tudo será muito diferente daquilo que se tinha imaginado. A realidade nunca conforta, por completo, a esperança criada. 

Porém, ao ver hoje as ruas de Santiago do Chile, onde não chove mas já choveu, pergunto-me: o que seria da vida se não houvesse ilusões?

Crônicas

O mais caro estacionamento em Lisboa é, a grande distância, na rua da Escola Politécnica. E não é cobrado pela EMEL, é pago ao balcão da Livraria da Travessa. Hoje - tragédia logo anunciada! - havia um lugar vago e parei. E lá trouxe o ” Vento Vadio”, as crónicas (“crônicas”, por lá) de Antônio Maria, um dos muitos magníficos escritores do género que o Brasil teve e tem. “É para oferta?”, perguntou-me a mascarada do lado de dentro do balcão. “Sim, é para me oferecer a mim, antes do Natal!”. 

A chamada

“Luís, vi que tinha uma chamada tua. Desculpa só agora responder! Era alguma coisa?”. “Era, Francisco. Apeteceu-me falar contigo! Só isso!”. Ser feliz é, também, ter amigos assim.

domingo, dezembro 19, 2021

Domingo

Se tivessem de passar um domingo a escrever, de raiz, um texto para um anuário, que acabou por ter mais de 20 mil carateres, perceberiam melhor a razão pela qual só posso deixar isto hoje aqui no blogue. E amanhã? Amanhã tenho de preparar e gravar o “A Arte da Guerra” e, de tarde, uma data de voltas a dar, como, por exemplo, fazer de Pai Natal antecipado. A vida não está fácil, acreditem! 

sábado, dezembro 18, 2021

“Incompetência e impopularidade. Mas não as duas…”


No Reino Unido, é vulgar os partidos da oposição obterem bons resultados nas eleições que, por qualquer razão, ocorrem, por vacatura ocasional, numa ou outra circunscrição. Essas “by-elections” podem mesmo trazer fortes surpresas.

Mas o que se passou em North Shropshire (as eleições britânicas têm sempre lugar às quintas-feiras, para quem não tenha ainda notado) criou uma pouco comum onda de choque no Partido Conservador, dirigido por Boris Johnson. É que a candidata vencedora, pertencente ao Partido Liberal-Democrata, conseguiu deslocar 34,1% do eleitorado que antes aí votava nos conservadores, um “swing” que será o terceiro pior resultado da história dos “tories”. Desde há 200 anos que os conservadores não perdiam essa circunscrição! 

Sendo verdade que “uma andorinha não faz a primavera”, a dimensão do desastre parece estar a ser olhada com muita atenção no partido derrotado. E há quem lembre que, no passado, foram este tipo de eleições parciais que aceleraram o declínio de vários primeiros-ministros, às vezes pela concentração do voto dos eleitores no candidato oposicionista melhor colocado para derrotar o do governo.

É verdade que esta humilhação não ocorreu às mãos do Partido Trabalhista, o único que, numa futura eleição geral para a Câmara dos Comuns, pode aspirar a substituir os conservadores. E, por essas bandas, há muitas dúvidas de que a liderança que sucedeu ao claramente inelegível James Corbyn, hoje protagonizada por Keir Starmer, embora de perfil mais abrangente, seja suficientemente eficaz para se sugerir como alternativa ao eleitorado. Porém, algumas sondagens já o favorecem e, em especial, o nível de rejeição a Johnson cresce a cada dia.

Os liberal-democratas, que ganharam esta eleição, são e serão um eterno terceiro partido que, nas últimas décadas, só têm conseguido obter fatias de poder quando os conservadores deles necessitam para construir maiorias. O sistema político britânico favorece claramente a bipolarização, naquilo que é visto como um modelo que preza a busca da governabilidade, em detrimento da preocupação pela legitimação representativa.

Uma caraterística curiosa do sistema britânico é o facto do poder, nos partidos, assentar nos seus deputados eleitos para a Câmara dos Comuns e não na sua máquina regional ou de coordenação nacional. É nos deputados que reside a força que permite alterar as lideranças, mesmo a meio do percurso de uma legislatura. O caso mais notório foi o de Margareth Thatcher, em 1990. Aquela que ainda hoje é reverada como a figura mais marcante do conservadorismo, depois de Churchill, foi vítima de um “golpe de mão”, que a afastou em favor de um cinzento John Major, por ser vista já como uma “liability” para a credibilidade eleitoral do seu partido. E foram precisamente os deputados que ela tinha ajudado a eleger e a solidificar no governo que a enviaram, sem cerimónias, para casa. A crueldade, na política britânica e não só, é o nome do jogo.

Mas convém lembrar que é necessário que 55 deputados se associem para que um processo de destituição de um líder e primeiro-ministro conservador se possa iniciar. E, depois, que mais de metade dessa representação parlamentar alinhe atrás de um nome alternativo. Um processo complicado.

Boris Johnson, que tinha ajudado a sapar, com alguma falta de lisura, a liderança pouco brilhante de Theresa May, revelou ser capaz, em 2019, de galvanizar as hostes conservadoras e ganhar, por um raro “landslide”, uma forte maioria nos Comuns.

Verdade seja que foi nisso bastante ajudado pelo descrédito político do líder trabalhista James Corbyn, envolvido em acusações de anti-semitismo, que muito o fragilizaram. Corbyn como que emulou, em termos ideológicos, Michael Foot, um outro líder radical que, nos anos 80, tinha apresentado ao país um programa político trabalhista que ficou conhecido, com humor britânico, como “the longest suicide note in History”. Foot acabou por condenar o “Labour” a uma longa travessia do deserto, que só acabou com Tony Blair, na verdade talvez o líder mais conservador que os trabalhistas alguma vez conseguiram produzir…

Desde a sua eleição, Boris Johnson tem mantido, e talvez agravado, um comportamento errático e extravagante, quer no estilo quer na substância. Arrogante na gestão negocial do Brexit, está a dar do Reino Unido uma imagem, que não era habitual, de um país incumpridor dos seus compromissos internacionais, não obstante essa atitude lhe poder render alguns dividendos nacionalistas e protecionistas, para consumo interno. O recuo escandaloso face a compromissos assumidos com os 27 e com Bruxelas, na questão comercial que envolve a Irlanda do Norte, leva alguns a dizer, ironicamente, que “nem o IRA fez tanto pela união das Irlandas”…

Depois de um período de “namoro” com Trump, embora sem grandes consequências práticas, Johnson conseguiu adaptar-se bem à liderança de Joe Biden (que dele tinha dito coisas bem pouco simpáticas) e, no plano internacional, apanhou uma prestigiante “boleia” na questão do acordo estratégico Aukus, que junta o Reino Unido, a Austrália e os EUA, num claro sinal de confronto com a China. O eventual sucesso da economia britânica no pós-Brexit vai depender bastante da boa vontade americana, mas já se percebeu que, em termos comerciais, a “special relationship” não parece ultrapassar generalidades e boas-vontades declaratórias.

Como dizia ontem o “The Economist”, o partido conservador, no tocante aos seus líderes, costuma “tolerar incompetência e impopularidade, mas só uma de cada vez”… E Johnson parece estar a “acumular” cada vez mais. O sentimento de desagrado face ao seu modo de governar começa a dominar as hostes conservadoras,  As “trapalhadas” das festas feitas sob confinamento, as obras feitas em Downing Street e pagas pelo partido, a sua extrema relutância em se separar de um consultor, Dominic Cummings, um homem brilhante mas “sulfuroso”, sem baias no seu comportamento incívico em tempos de pandemia - e tantas e tantas outras pequenas crises, tudo tem afetado a imagem de Johnson. Nos últimos dias, surgiu mesmo uma forte ala libertária de deputados conservadores que está a colocar em causa a legitimidade e necessidade das medidas de proteção anti-pandemia, em que o primeiro-ministro se tinha empenhado. Contestam o designado "plano B", que determina a introdução de passes sanitários para entrada em discotecas e grandes eventos, a obrigatoriedade de vacinas para profissionais de saúde e o uso de máscaras em espaços públicos fechados.

É aliás o grau de sucesso na luta contra a pandemia, bem como a eficácia das medidas para ajudar a economia neste novo recuo na abertura da vida social,  que vai servir de teste, a curto prazo, para Boris Johnson. Por ora, ele ainda pode dizer, como Mark Twain, que “as notícias sobre a sua morte são exageradas”. No final do primeiro trimestre de 2022, ver-se-á melhor se os conservadores se inclinam para escolher uma nova cara. Uma coisa é certa: dificilmente será alguém mais despenteado...

sexta-feira, dezembro 17, 2021

Bye bye Uber

Fui um bom cliente da Uber. Deixei de o ser. Os cancelamentos passaram a ser muito frequentes, os preços dispararam, a qualidade média do serviço tem vindo a piorar a olhos vistos. Estou a regressar aos táxis, só esperando que não sejam do senhor Florêncio.

Humilhação

O “perp walk” de João Rendeiro, em frente às câmaras, de algemas no pulso, constitui um ato rotineiro de deliberada humilhação dos detidos, o qual, tendo uma tradição estabelecida nos EUA, desconhecia fosse prática corrente na África do Sul.

A chinela

Na minha terra, quando se vê alguém começar a passear-se “aos ombros de si próprio”, toldado por uma crescente ambição, é costume dizer-se que essa pessoa “não se enxerga”! Até ao dia em que será mesmo preciso repetir-lhe o ditado: “ne sutor supra crepidam“.

Tiago Pitta e Cunha

 

Quando, em 2001, fui representar Portugal nas Nações Unidas, vim a encontrar, na nossa missão em Nova Iorque, Tiago Pitta e Cunha, integrado na excelente equipa que o meu antecessor, António Monteiro, tinha criado para a nossa presença no Conselho de Segurança. Conhecia o Tiago pessoalmente, mas não profissionalmente.

Com alguns desafios eleitorais imediatos e muito importantes, no seio da organização, encontrei no Tiago o “campaigner” mais eficaz que poderia ter tido. Muito graças a ele (recordo, em especial, um inédito documento de divulgação que ele conseguiu fazer elaborar em árabe!), com a sua ativa presença nas horas de interlocução que, no Indonesian Lounge da ONU, mantive com colegas, tudo somado à extrema dedicação de outros colaboradores, conseguimos ganhar todas as eleições - todas, repito, todas - que tivemos pela frente. 

Na área dos Oceanos, o Tiago tinha-se entretanto tornado num diplomata especializado, já reconhecido pelos seus pares. Mário Ruivo, a grande figura nacional nesse domínio, nunca lhe poupou elogios.

Um dia, no ano seguinte, o Tiago veio dizer-me que tinha recebido um convite para regressar a Lisboa, para integrar um gabinete ministerial, na Presidência do Conselho de Ministros, para um lugar de consultor jurídico. “Vai ficar com a questão dos oceanos?”, perguntei-lhe. Não sabia. Ia a Lisboa para um primeiro contacto. “Insista em ficar com a área dos oceanos. Não perca a experiência que ganhou”. Estou certo que ele se recordará dessa nossa conversa. No regresso, disse-me que tinha obtido uma promessa, embora ainda não muito clara, de que esse tema ficaria no seu pelouro. Esse era também o seu interesse pessoal. Felizmente isso veio a acontecer. 

Desde então, o percurso profissional de Tiago Pitta e Cunha passou a ser esse, até ter chegado à presidência da Fundação Oceano Azul, onde, ao que sei de ciência certa, está a fazer um ótimo trabalho, com reconhecimento internacional.

Há minutos, vi que lhe foi atribuído o prestigiado Prémio Pessoa, um galardão que premeia, no presente, aqueles que estão a ajudar a construir o futuro. Nada mais justo e adequado.

Um forte abraço, Tiago!

Amarelo


A cada dia, meço o humor dos deuses para comigo pela quantidade de amarelos que apanho nos semáforos.

quinta-feira, dezembro 16, 2021

“A Arte da Guerra”


Os desafios do primeiro Conselho Europeu da era pós-Merkel, as eleições presidenciais no Chile e as atribulações de Boris Johnson são os três temas que, com António Freitas de Sousa, abordo esta semana no “A Arte da Guerra”, o podcast do “Jornal Económico”, que pode ver clicando aqui.

Contra a parede


Os últimos dias não tinham sido fáceis. Uma semana de hospitalização no Pitié-Salpêtrière, para uma operação à coluna, a poucos dias do Natal de 2011, não me tinha deixado no melhor dos espíritos. O meu saudoso amigo António Silva bem me tentava animar, com um toque de humor negro: "Dá-te por feliz! Tiveste mais sorte que a Diana ..." Ela havia sido atendida naquele hospital, após o acidente.  Que raio de lembrança!

Na manhã da saída do hospital, faz hoje precisamente 10 anos, uma sexta-feira, eu estava a atravessar Paris deitado numa ambulância, de regresso à residência, quando recebi a notícia de que setores da comunidade portuguesa se preparavam para promover, nessa tarde, uma invasão de protesto das instalações do serviço de coordenação do ensino de Português em França, dependente da embaixada. Haveria, ao que se dizia, "ranchos" de crianças à frente dos manifestantes, pelo que era impensável determinar qualquer prévio resguardo policial do espaço.

Com os cortes financeiros impostos, nessa época, pela "troika", quase três mil crianças tinham ficado sem aulas, depois do "abate" de dezenas de professores. Porém, em face das instruções imperativas recebidas de Lisboa, a embaixada nada podia fazer, senão dar cumprimento à ordem. Um embaixador é "a man for all seasons".

De uma ala política do ministério, de Portugal, recebi, na ambulância, pelo telefone, a pergunta, um tanto angustiada: o que é que eu tencionava fazer? Não deixava de ter alguma graça: estava deitado numa maca, com o corpo a doer-me nas curvas e nos obstáculos das ruas parisienses, e logo me cabia a mim encontrar uma solução que evitasse o expectável espetáculo televisivo da justa revolta da comunidade, com a qual, obviamente, eu não podia dar mostras públicas da menor solidariedade, porque isso significaria a correspondente deslealdade face ao poder que, com legitimidade democrática, chefiava o serviço público que eu ali representava. Tão simples quanto isso, por muitos que alguns o possam não entender.

Terá sido então algum providencial abanão da ambulância que me despertou uma solução prática para o problema imediato: dei ordens para encerrar os serviços da coordenação do ensino de Português, iniciando os seus funcionários mais cedo o fim de semana... Era o ovo de Colombo! Com as instalações encerradas, ninguém se iria atrever a invadi-las.

À chegada à embaixada, onde desembarquei de maca, tinha uma surpresa. Um grupo de jornalistas esperava-me. Porque era importante desdramatizar a crise, decidi ter uma conversa com eles. Contudo, não podia convidá-los para uma reunião à volta de uma mesa... porque, por alguns dias, eu estava impedido fisicamente de me sentar. Assim, durante vários minutos, falei de pé, encostado a uma parede, para me aguentar, com a voz frágil de quem saía de uma hospitalização de mais de uma semana. 

Nessa noite, um amigo, telefonando-me de Portugal, desconhecedor do meu estado de saúde, perguntou: "Pareceu-me que estavas muito pálido, hoje, na televisão. O assunto não era para menos! Estavas contra a parede!". Nem ele sabia como estava certo, mas que a razão da minha palidez era outra.

quarta-feira, dezembro 15, 2021

“Unidos por uma gaveta”


Foi ontem. O auditório da Fundação Calouste Gulbenkian abarrotava. Ninguém estava ali para cumprir calendário. Sentia-se que cada um quis, com a sua presença, dar um último testemunho do apreço que tinha pela figura de Jorge Sampaio, agora que passam três meses sobre o seu desaparecimento.

Tratou-se da ocasião da apresentação do livro “Era Uma Vez Jorge Sampaio”, com textos escritos sobre ele, da autoria de 130 amigos e admiradores. Trata- se de uma bela peça, com o conhecido traço de qualidade editorial da “Tinta da China”, recheado de fotografias.

Gostava de destacar, pelo seu significado, o belo improviso que Marcelo Rebelo de Sousa fez na sessão, num registo que combinou bem a dimensão institucional com o sentimento de uma nota pessoal de amigo.

Para esse livro, escrevi um texto , intitulado “Unidos por uma gaveta”, que recupera duas histórias que já aqui tinha publicado. Para quem estiver interessado em lê-lo, ele aqui fica:

“Não fui um amigo antigo de Jorge Sampaio. Só o conheci, com toda a família, em Londres, em 1993, num jantar em casa de Ana Gomes, com António Franco também por lá. Disse-me: “Há muitos anos que ouço falar de si, a amigos comuns, mas, curiosamente, nunca nos tínhamos encontrado”.

Era verdade. Tendo ambos andado pelos corredores daquilo que viria a ser o MES, nos idos de 1974, ele como sua figura referencial e eu com uma militância muito vaga, nunca tínhamos chegado à conversa.

No ano seguinte, tendo eu já regressado a Lisboa, António Franco disse-me que Jorge Sampaio queria falar comigo. Fui a sua casa, uma noite. Informou-me ter decidido vir a apresentar uma candidatura à Presidência da República, embora isso só viesse a ser concretizado meses depois.

Pediu-me que o ajudasse a estruturar um grupo para conversas sobre questões internacionais, a reunir até às eleições. Lembro-me de algo que então me disse: "Há uma coisa muito importante: não quero nenhum papel do MNE! Quero apenas trocar ideias com quem pensa estas coisas".

Dei-lhe, dias depois, uma sugestão de lista de pessoas para o grupo a criar: Carlos Gaspar, José Filipe Moraes Cabral, José Freitas Ferraz, Luís Filipe Castro Mendes e eu próprio. Jorge Sampaio formularia o convite a cada um.

Tempos mais tarde, combinámos uma primeira reunião do grupo, em minha casa. Ao final da manhã do dia acordado, quando saía do meu andar, encontrei a empregada dos vizinhos que moravam em frente. “Esteve aí o senhor presidente, à sua procura, logo de manhã!”, disse-me. O “presidente”? O presidente da República era Mário Soares e não era plausível que viesse procurar-me a casa. “O presidente da Câmara, o Dr. Jorge Sampaio”, esclareceu ela.

Fez-se-me luz! Tinha combinado com Sampaio que ele viesse a minha casa às “nove e meia”. Só que não disse “da noite”, no pressuposto de que ele estaria ciente de que as manhãs de sábados eram sagradas para o meu sono. Sampaio terá entendido que era “da manhã” e, britânico nos costumes, lá tinha estado a essa hora, pontualmente. Eu nem tinha ouvido o toque da campainha. Telefonei-lhe, de imediato, rimo-nos do equívoco e, pelas “vinte e uma e trinta” desse mesmo dia, ali regressou ele, de novo.

Não tenho presente quantas dessas reuniões tiveram lugar, mas guardo delas muito boa memória.

Com a minha ida para o governo, meses antes da sua eleição e posse, deixei de assegurar a presença regular nesses debates. Porém, Sampaio não esqueceu a minha anterior colaboração e teve a amabilidade de me integrar no jantar que veio a oferecer em Cascais a esse seu "team" de política externa.

Pediram-me para ser eu a fazer o agradecimento final, em nome do grupo. Disse-lhe da imensa alegria que era vê-lo eleito. No final dessa curta intervenção, fiz um pedido a Jorge Sampaio. Tinha a ver com os móveis do Palácio de Belém. Imaginava que devessem ser uma imensidão, mas havia uma coisa que eu lhe solicitava que fizesse: que abrisse todas as gavetas.

Sampaio e os presentes, que incluíam as nossas mulheres, olharam para mim com algum espanto. Lá esclareci o mistério. É que, depois de Mário Soares abandonar o Palácio, numa daquelas gavetas, deveria estar algo que ali nos unia. Não fora Soares quem afirmara que “tinha metido o socialismo na gaveta"?

Mas eu estava enganado: Soares não tinha deixado para trás o conteúdo da gaveta. E se havia pessoa que dispensava essa herança, porque o socialismo era a matriz indissociável da sua forma de olhar e intervir no mundo, essa pessoa era Jorge Sampaio.”

Tarde do dia de Consoada