domingo, dezembro 26, 2021

O que é o tempo?


O conceito de tempo vai variando dentro de cada um de nós. Como? Com o tempo! No que me toca, tempos houve em que tinha todo o tempo do mundo, em que nem sequer sabia o que fazer para conseguir passar o tempo. O tempo andava devagar e sonolento na Vila Real desse tempo da minha juventude. O meu pai, para significar, criticamente, que o seu filho único fazia então o que lhe apetecia, dizia para a minha mãe: “Ele faz o que quer e sobra-lhe tempo!”. Nunca levei muito tempo a pensar nisso, mas sempre coloquei a frase a crédito da arte, que também fui apurando com o tempo, de fazer apenas o que me desse na gana e no tempo que eu quisesse. E, posso hoje confessar, tive bastante sucesso nisso, em quase todo o tempo da minha vida! Quando um dia me empreguei, logo depois de fazer vinte anos, passei a ter o tempo marcado pelo relógio de ponto. Fui, depois, para a tropa, onde os minutos eram fardados a verde e, claro, só esperava que aquele tempo passasse, rapidamente. Pelo meio, ainda surgiu, no tempo certo, um belo dia de Abril, que sempre rememoro dizendo: “Belos tempos!” É que já era tempo de acabar com “o tempo da outra senhora”! Depois, por bastantes anos, passei a ter o tempo ditado por quem me chefiava, em fusos horários que foram variando. Até que um dia - caramba, já não era sem tempo! - passei a ser eu a marcar os tempos de outros. Ou melhor, pensei que assim era, porque, na verdade, acabamos por ficar escravos de tempos que ingenuamente pensamos que gerimos. Com o meu trabalho a tempo certo a terminar, pensei, mas apenas por algum tempo, que seria tempo de parar de olhar tão obsessivamente as horas, que devia reganhar algum tempo perdido e devolvê-lo à vida. Uma bizarra espécie de falsa reforma em que, tempos depois, me meti trouxe-me, é verdade, um pouco mais de tempo, mas criou uma crescente ansiedade: quanto tempo terei para gozar a vida que ainda me falta viver (não gosto de dizer a que me resta)? Será que ainda vou a tempo para fazer muitas das coisas que não fiz, porque, então, nesse tempo, não tinha tempo para nada? Nos dias de hoje, ao contrário de outros tempos em que isso me era indiferente, abro a janela, de manhã, para saber o tempo que faz. É que não há tempo a perder: os dias de sol não esperam por nós, se não lhes dedicarmos, gozando-os logo, todo o tempo que ainda temos. E que dizer deste tempo de pandemia, que nos está a atazanar as horas e a fazer perder tanto tempo? Como dizia Saramago, não devemos ter pressa, mas não devemos perder tempo. Mas, afinal, o que é isto do tempo? O tempo, no fundo, é a medida da vida que ainda julgamos poder vir a ter pela frente.

(Texto inspirado numa resposta que dei num inquérito para a belíssima 25ª edição do “Anuário de Relógios e Canetas”, publicado na semana passada).

4 comentários:

Francisco Tavares disse...

Bela e certíssima reflexão...
Francisco Tavares

Flor disse...

"Não tenhamos pressa mas não percamos tempo"! Estou de acordo com Saramago. E quando chegamos a uma idade sénior temos que aprender a gerir o tempo contrariamente ao que fizemos durante os anos que foi esbanjar tempo não pensando no dia de amanhã que é hoje.:/

Flor disse...

Ah! Não conhecia o "Anuário de Relógios e Canetas”, Estou a investigar! Obrigada Sr. Embaixador.

Tony disse...

Uma autêntica e inteligente parábola, Sr. Embaixador. Continuação de Boas Festas.

Vou ler isto outra vez...