Não vale a pena iludirmo-nos: a questão dos incêndios florestais é muito séria. Tanto pelos imensos danos materiais provocados como pelo descrédito induzido na imagem do Estado.
Por muito que alguns, na esfera política, possam não querer aceitar, é uma evidência que está criada, na sociedade portuguesa, a ideia de que a administração do Estado é hoje impotente para gerir, com aceitável eficácia, esta situação, limitando-se a reagir, perante os factos com que se vê confrontada, numa penosa e quase patética navegação à vista.
O executivo faz o que pode: tenta utilizar da melhor forma os meios ao seu dispor, mas já terá percebido que, a repetirem-se, no futuro, conjugações climatéricas negativas, o que não parece improvável, a tragédia vai reeditar-se. No meio de tudo isto, a fé na eficácia tempestiva das alterações legislativas acaba por ser uma atitude quase ridícula. Não que o "pacote florestal" não seja necessário, mas é mais do que óbvio que a sua completa implementação vai demorar um imenso tempo que o país não tem. E, até lá, é preciso agir com medidas urgentes e excecionais, a montante de uma nova crise, com as autarquias e com o governo central na primeira linha da prevenção, aproveitando o que a declaração de calamidade pública agora facilita.
A mais miserável dimensão desta história é a sua exploração político-partidária. Será que alguém, minimamente honesto, acredita que, se acaso a direita estivesse no poder, a Proteção Civil teria sido mais eficaz, o Siresp teria funcionado melhor, outro modelo de responsabilização funcional e pessoal teria levado a resultados diferentes?
Sejamos claros: PS ou PSD/CDS (PCP ou BE quase não contam aqui) são as duas faces da mesma moeda - onde se misturam o aparelhismo e o compadrio político, a instrumentalização partidária dos bombeiros, uma maior ou menor complacência face às negociatas em torno do material de combate aos incêndios. Ter a esquerda ou a direita no poder, nesta questão dos incêndios é, como dizem os franceses, "bonnet blanc/blanc bonnet". É absolutamente indiferente. Toda a gente sabe isto, de António Costa a Passos Coelho, embora todos façam de conta que não.
Contudo, os incêndios deste ano não foram iguais aos outros. Na dimensão, nas tragédias, no trauma coletivo que provocaram. O Estado, e a confiança no Estado, não saem intocados disto. É aqui que, inevitavelmente, entra o papel do chefe desse Estado, pelo crédito afetivo que hoje o responsabiliza perante o país. No tradicional Inverno do nosso esquecimento que aí vem, compete-lhe ser o provedor do sentimento nacional de urgência e desespero e não permitir que a espuma dos dias seguintes abafe a necessidade de atuar. Já.
(Artigo hoje publicado no "Jornal de Notícias")