O encontro havia sido marcado através de um cuidado boca-a-boca, sem o uso de telefones. Não podiam correr o mínimo risco. A revolução estava na rua há menos de um mês. Os "agentes da DGS" tinham sido detidos, avançava o "saneamento" dos envolvidos com o regime caído naquela data "fatídica" de abril de 1974. Os "inimigos da Pátria" andavam à solta pelo país, tinham atravessado a fronteira sem limitações, outros haviam sido libertados de Caxias e Peniche, estavam mesmo a ser vistos como "heróis". O "esforço patriótico pela defesa do Ultramar" revelara-se, enfim, em vão, com os "movimentos terroristas" cada vez mais senhores da situação em África. O marcelismo, como eles sempre haviam pensado, havia sido o "coveiro do Estado Novo".
Era um grupo de radicais de direita, que combatera politicamente Marcelo Caetano e mantivera bem acesa a "chama do exemplo de Salazar", que se havia juntado nesse fim de tarde, em casa de um deles, lamentando o estado de um Portugal que viam reduzido ao "retângulo" europeu, eles que haviam feito toda a sua vida animados pela "gesta do Império". A alguns, começavam a chegar rumores da sua iminente prisão. Haviam-se exposto em publicações "nacional-revolucionárias" e o "sinistro" MFA, "manipulado pelos comunas" não deixaria de tirar desforço. Uns eram mais conhecidos, outros eram figuras cinzentas dessa odiada "extrema-direita", que estava agora na primeira linha da diabolização que a imprensa e a televisão acicatavam hora após hora. Alguns haviam integrado o "Jovem Portugal", outros haviam saído dessa escola "nacionalista" que foi a coimbrã "Cidadela", outros ainda haviam escrito laudas no "Agora" e, depois, na "Política", passando em certos casos pelo "Resistência" e folhas congéneres.
Trocaram informações, avaliaram riscos, estudaram hipóteses. Para alguns, a saída do país era a única solução. Outros alimentavam a ideia de dar corpo a formações políticas conservadoras, de que viriam a ser exemplos o "Partido do Progresso", o Movimento Federalista Português" ou o "Partido Liberal". A hipótese de integrar o CDS tentava alguns mais moderados, enquanto os mais radicais consideravam já ajudar Manuel Múrias no lançamento do "Bandarra". Outros testavam o caminho para o Brasil ou para Madrid. Nenhum estava, contudo, minimamente otimista.
O ambiente estava assim longe de ser festivo, tudo parecia correr mal, e essa foi a razão porque o espanto invadiu todas a caras quando, de uma cadeira do canto da sala, uma voz se ergueu com uma frase surpreendente e enigmática:
- Havia aqui uma grande oportunidade!
"Uma grande oportunidade"?! As denúncias caíam sobre eles, nos seus empregos a sua situação e das suas famílias estava a tornar-se, dia-a-dia, mais complicada, os que eram docentes haviam deixado de poder entrar nas universidades, lá em casa as "criadas" passaram, de repente, a surgir como intrusas e potenciais denunciantes, os "homens" das quintas de família mostravam-se crescentemente arrogantes, alguns "amigos" haviam-se prudentemente afastado. Os militares que lhes eram próximos tinham sido postos de lado, dos responsáveis da "polícia política" nem era bom falar e a própria "nomenklatura" do marcelismo, que tão irresponsável se havia mostrado para travar a revolta da "soldadesca", estava, também ela, agora em apuros. E era nesse contexto que aquele companheiro de luta falava de "oportunidade"?!
Todos se voltaram para ele. E ele explicou. Não tinham regressado ao país todos os "traidores" que, ao longo dos anos, de Moscovo à Argélia, de Paris à Suécia, de Roma a Londres, se haviam refugiado no estrangeiro, alguns "bombistas", outros desertores e "subversivos", que estavam bem identificados e que, de súbito, acharam que já podiam passear-se com toda a desenvoltura pelo Rossio?
Os outros concordaram, mas não conseguiam perceber onde ele queria chegar. E ele completou a explicação:
- Não estão cá todos os que o regime andou, durante décadas, a tentar agarrar? Quando eu falo de "oportunidade" é para significar que, se ainda fosse possível, "dar uma volta a isto" e retomar o controlo do país, tinhamos, agora e pela primeira vez, todos esses traidores por aqui, metiamo-los "na grelha" e o país podia, enfim, ver-se livre para sempre desse bando de comunas e de gentalha da mesma laia. Por muito tempo, não nos iriam incomodar! Não era uma grande oportunidade?!
- Não estão cá todos os que o regime andou, durante décadas, a tentar agarrar? Quando eu falo de "oportunidade" é para significar que, se ainda fosse possível, "dar uma volta a isto" e retomar o controlo do país, tinhamos, agora e pela primeira vez, todos esses traidores por aqui, metiamo-los "na grelha" e o país podia, enfim, ver-se livre para sempre desse bando de comunas e de gentalha da mesma laia. Por muito tempo, não nos iriam incomodar! Não era uma grande oportunidade?!
Esta é uma história verdadeira. Ouvi-a de um participante dessa reunião de maio de 1974, em que este terá sido o único momento divertido.