Posso garantir que o chefe do Protocolo desta história não era o mesmo da outra que há dias contei.
A cerimónia de apresentação de cumprimentos de Ano Novo do corpo diplomático ao presidente da República é, em Portugal, um momento único, em que se reúnem todos os embaixadores estrangeiros residentes em Lisboa e aqueles que, embora estejam acreditados no nosso país, residem no estrangeiro - principalmente em Paris (mas nunca em Madrid, onde, por qualquer razão que me escapa, não há nenhum embaixador que esteja acreditado em Lisboa...). A cerimónia, que conta com a presença do ministro dos Negócios Estrangeiros, inclui uma longa sessão individual de cumprimentos, seguida dos discursos da praxe, do decano do corpo diplomático e do chefe de Estado português.
No nosso país, como acontece em várias partes do mundo, o decano dos embaixadores não é, necessariamente, o embaixador mais antigo: por tradição, é sempre o Núncio Apostólico, o representante diplomático da Santa Sé.
Estava-se numa dessas cerímónias, no Palácio da Ajuda, num qualquer mês de Janeiro. Na sala onde apresentação de cumprimentos ia ter lugar, o nosso presidente e o ministro estavam já a postos, há alguns minutos. Os diplomatas estrangeiros encontravam-se do outro lado do palácio, numa sala bem longe, separada por um longo corredor. Algum inesperado atraso, talvez devido à tarefa de ordenação por antiguidade dos diplomatas estrangeiros, fazia com que o primeiro dos diplomatas que devia saudar o nosso Presidente - o tal representante da Santa Sé - ainda não tivesse surgido, à frente dos restantes colegas.
O chefe do Estado português dava já mostras de alguma impaciência. O ministro fez sinal ao chefe do Protocolo para apressar as coisas. Pressuroso, o nosso homem aproximou-se da porta que dava para o corredor, ao fundo do qual se movimentavam os seus colaboradores. Fez-lhes imensos sinais com os braços, mas, do outro lado, ninguém parecia notar. Para grandes males, soluções à altura. De repente, no ambiente austero que precedia a solenidade, ouvem-se três sonoras palmas do chefe do Protocolo, seguidas de um berro de comando, bem alto e audível ao fundo do corredor: "Saia o Núncio!"
O presidente e o ministro desataram a rir. Entre a Ajuda e o Campo Pequeno a distância encurtou, nesse momento.