Em Cuba, desde há bastantes anos, a rigidez do regime havia-se flexibilizado ao ponto de permitir que certas casas particulares fossem transformadas em restaurantes privados. Têm o nome comum de “paladares”. A sua qualidade varia muito e não deixa de ser curioso, embora um pouco chocante, ver surgir, num andar de Havana “vieja” ou numa moradia de um bairro residencial da “nomenklatura”, locais onde, a preços elevados, se proporciona uma oferta gastronómica de muito razoável qualidade, perante a penúria proletária da vizinhança.
Ver aparecer uma iniciativa idêntica na península de Tróia foi, para mim, uma agradável surpresa. Há meses, uns amigos comuns, em tom de grande secretismo, vieram falar-me de um tal “Restaurante do Rio”, em Soltróia. Nunca tinha ouvido referências a essa casa, nessa zona estival que é um quase deserto em matéria de restauração, o que, pelo menos no meu caso, me obriga regularmente a deslocar-me a Setúbal, pela Ponte Bocage, que une a cidade do Sado a Tróia, e que agora foi finalmente inaugurada, o que permitiu ontem a muita gente vir para a praia Atlântica ver a “chuva de estrelas”.
Arlinda Reigoso, uma senhora que em Darque, nos arredores de Viana do Castelo, é proprietária da já afamada “Tasquinha da Arlinda”, decidiu, desde há uns tempos, reproduzir a sua interessante experiência minhota, criando em Tróia um espaço, dotado de uma requintada mesa comum, onde, sob a mão criativa da Vivianne, a cozinheira oriunda das Maurícias e que vive com um sargaceiro da Amorosa, nos é proporcionada uma gastronomia de fusão, onde os travos minhotos se aliam a sabores do Índico.
O “estufado de dodó salpicado a sal marinho, que acompanha com línguas de bacalhau do sul da Islândia” ou “arroz de sarrabulho com caril e coentros, à moda do Barco do Porto” ou, nas sobremesas, o disputado “pudim abade de Darque, com molho de bebinca e redução de ameijoas”, são três “must” que, só por si, justificam a notoriedade da casa.
A Arlinda já se tornara famosa pela circunstância de, em alguns momentos excecionais, conseguir levitar (embora apenas uns escassos centímetros e em condições especiais de pressão e temperatura), técnica aprendida com um budista de Serreleis, com quem teve um caso sério em tempos.
Imagino que alguns leitores possam, contudo, não apreciar duas limitações que marcam este novo espaço singular de restauração da Arlinda.
A primeira é que ali só se bebe branco, o que alguns, talvez maldosos, levam à conta do facto do Arnaldo, o atual companheiro da Arlinda, ter vivido, por algum tempo, num bantustão sul-africano, no tempo do “apartheid”. Há semanas, um casal de Armamar pediu um tinto e ouviu-se o berro do Arnaldo: “Aqui só entra branco!” Depois, ainda mais esquisito, acrescentou: “E nada de verde, só maduro! Nem essa mariquice dos rosés!”
A segunda é, com toda a certeza, um forte “senão” para quem vive convencido por essas coisas modernaças do ambiente: é que, à roda da mesa, fumando o seu cachimbo como uma chaminé, passeia-se incessantemente o Arnaldo, impante na sua barriga e com uma alvura de pele que o mostra um eterno refratário à praia logo ali ao lado. Embora o Arnaldo cantarole por ali o “Cara al sol!”
Ah! E o Arnaldo é do Futebol Clube do Porto, provocando com dichotes ácidos os clientes de outras estimáveis agremiações. Ele diz que vermelhos nem passam da soleira da porta! Diz-se que gente do Leixões e do Salgueiros, nem vê-los!
É, de facto, um ambiente pouco comum, o do “Restaurante do Rio”. Mas interessante. Mais estranha talvez é a fórmula encontrada pelo casal para aceitar reservas. Trata-se de um “site”, assente num “call center” situado no Cais Novo, lá por Darque, onde vive um primo do Arnaldo, o Lalau, que faz uma “perninha” a ajudar no 112, quando tem horas vagas, através do qual se fazem as inscrições. Eu, que já marquei em julho, só consegui vaga para o jantar de hoje.
No fim das férias, prometo que lhes vou deixar aqui uma dica que vai facilitar muito as oportunidades para lá poderem ir, embora só na “saison” de 2019. Sobre o preço da refeição não me pronuncio, porque sempre aprendi que não é de boa educação, em sociedade, falar-se de dinheiro, de saúde, de religião, de política e de quem não está presente na conversa.