Ontem, no "Público", Francisco de Assis falava da debilitação do debate democrático pela perca da substância da palavra pública. E citava, em seu apoio, a figura de Philippe Bilger, um magistrado francês que se revolta contra o condicionamento uniformizador do discurso político, feito através daquilo a que os franceses chamam "elementos de linguagem". Por mero acaso, há uns anos, em casa de um amigo comum, tive o ensejo de conhecer pessoalmente Bilger, autor de um
blogue muito popular, a quem ouvi de viva voz a sua preocupação pelo risco de degradação do debate público, fruto de uma espécie de "template" discursivo que tende a substituir a livre formulação de um pensamento crítico.
À época, já estava muito em voga em França o conceito de "elementos de linguagem". De que se trata? É uma espécie de cartilha temática, usada pelos grupos políticos, que permite que, na expressão pública de opiniões, nomeadamente perante a comunicação social, as figuras do mesmo setor político tenham um discurso basicamente comum, não divergindo na mensagem que divulgam. Antes de darem uma entrevista ou serem ouvidos por uma televisão ou uma rádio sobre um tema da atualidade, essas figuras passam pela sede do partido onde recebem um texto com as linhas básicas que devem defender. Os "elementos de linguagem" fazem hoje também parte integrante das políticas públicas francesas, constituindo, por exemplo, uma regra para os seus diplomatas.
Percebo as preocupações de Philippe Bilger, como entendo as de Francisco de Assis, mas, correndo o risco de estar a parecer retrógrado, devo dizer que tenho pena que, em Portugal, as forças e os agentes políticos não recorram a esse fator uniformizador que são os "elementos de linguagem". É que o caráter caótico do nosso discurso público, onde cada um diz o que lhe vai "na real gana", é hoje um elemento descredibilizante dos nossos atores políticos.
Querem um exemplo? Veja-se o governo português e as confusões que regularmente são criadas pelo facto de, aparentemente, cada um vir dizer a público o que lhe apetece, sem rigor na forma e com "nuances" que dão uma imagem de permanente descoordenação. E não falo no PS, onde, às vezes, parece reinar uma espécie de "coordenação pelo ouvido", sobre cuja eficácia me abstenho de elaborar.
Ontem, uma diplomata francesa, perante a minha revelação de que, entre nós, nunca distribuíamos folhas escritas com "elementos de linguagem", perguntava-me como é que se fazia então a coordenação das posições públicas. Saiu-me: "olhe, por Espírito Santo de orelha!" Fiquei com a sensação de que esta minha expressão idiomática, tendo em atenção a pressão obsessiva da atualidade, pode ter criado uma imensa confusão...