sexta-feira, julho 04, 2014

"Elementos de linguagem"

Ontem, no "Público", Francisco de Assis falava da debilitação do debate democrático pela perca da substância da palavra pública. E citava, em seu apoio, a figura de Philippe Bilger, um magistrado francês que se revolta contra o condicionamento uniformizador do discurso político, feito através daquilo a que os franceses chamam "elementos de linguagem". Por mero acaso, há uns anos, em casa de um amigo comum, tive o ensejo de conhecer pessoalmente Bilger, autor de um blogue muito popular, a quem ouvi de viva voz a sua preocupação pelo risco de degradação do debate público, fruto de uma espécie de "template" discursivo que tende a substituir a livre formulação de um pensamento crítico.
 
À época, já estava muito em voga em França o conceito de "elementos de linguagem". De que se trata? É uma espécie de cartilha temática, usada pelos grupos políticos, que permite que, na expressão pública de opiniões, nomeadamente perante a comunicação social, as figuras do mesmo setor político tenham um discurso basicamente comum, não divergindo na mensagem que divulgam. Antes de darem uma entrevista ou serem ouvidos por uma televisão ou uma rádio sobre um tema da atualidade, essas figuras passam pela sede do partido onde recebem um texto com as linhas básicas que devem defender. Os "elementos de linguagem" fazem hoje também parte integrante das políticas públicas francesas, constituindo, por exemplo, uma regra para os seus diplomatas.
 
Percebo as preocupações de Philippe Bilger, como entendo as de Francisco de Assis, mas, correndo o risco de estar a parecer retrógrado, devo dizer que tenho pena que, em Portugal, as forças e os agentes políticos não recorram a esse fator uniformizador que são os "elementos de linguagem". É que o caráter caótico do nosso discurso público, onde cada um diz o que lhe vai "na real gana", é hoje um elemento descredibilizante dos nossos atores políticos.
 
Querem um exemplo? Veja-se o governo português e as confusões que regularmente são criadas pelo facto de, aparentemente, cada um vir dizer a público o que lhe apetece, sem rigor na forma e com "nuances" que dão uma imagem de permanente descoordenação. E não falo no PS, onde, às vezes, parece reinar uma espécie de "coordenação pelo ouvido", sobre cuja eficácia me abstenho de elaborar.
 
Ontem, uma diplomata francesa, perante a minha revelação de que, entre nós, nunca distribuíamos folhas escritas com "elementos de linguagem", perguntava-me como é que se fazia então a coordenação das posições públicas. Saiu-me: "olhe, por Espírito Santo de orelha!" Fiquei com a sensação de que esta minha expressão idiomática, tendo em atenção a pressão obsessiva da atualidade, pode ter criado uma imensa confusão...

5 comentários:

patricio branco disse...

esse metodo de rigor, linhas de discurso, tópicos a usar, limites iguais para todos, não combina com a nossa desorganização, improvisação, anarquia, falta de metodo, etc.
no governo então é confrangedor, cada um fala do mesmo assunto à sua maneira, com os seus "elementos do discurso" pessoais e intrtansmissiveis.
por vezes os próprios actores se contradizem a si mesmos, numa declaração posterior.
a cada um o método que merece e lhe cabe, portanto...

Anónimo disse...

em casa onde nao ha pao todos falam e ninguem tem razao...

Anónimo disse...

Com o passar dos anos após o 25 do dito mês e com o envelhecimento da população que passou pelas políticas do EN, os partidos, então criados, não conseguiram cativar a população, e cada ano que passa pior está a situação. A abstenção aumenta a olhos vistos e a descredibilização da classe política é atroz. Seja pelo que dizem, seja pelo que não dizem, mas essencialmente pelo que fazem com os dinheiros públicos que gastam a seu belo prazer como se não tivessem que prestar contas, e mesmo que prestem nada lhes acontece. Os "elementos de linguagem" pouco importam ao português comum que já pouco ou nada liga à política e que está farto da estopada de de políticos comentadores que proliferam nos media e que foram os mesmos, quando ligados a partidos políticos, que colocaram o País na situação que estamos.

Anónimo disse...

Ainda bem que tal "cartilha" por cá não funciona. É que ter que ouvir meia dúzia de Portas, Coelhos, Seguros e outros que tais era dose a mais. Basta a "cassete" do PCP...
David Caldeira

Defreitas disse...

P.Bilger merece toda a consideração devida a um verdadeiro democrata.

P.Bilger utiliza a linguagem clara no caso Sarkozy.
Ele escreve, por exemplo" Para la das quatro personagens especialmente visadas pela justiça, a pesquiza de informadores nos círculos da policia e da justiça ,tendo contra o seu dever prevenido, alertado e favorecido o antigo presidente e essencial. As personalidades de alto gabarito falharam a exemplaridade do cargo, provavelmente porque os seus "serviços" prestados lhes faziam esperar um retorno de investimento desde que Sarkozy tivesse sido eleito"

O estado de direito, órfão desde hã cinco anos desse direito, revoltou-se de maneira brilhante num espaço democrático.

Estes actos de justiça deveriam inscrever-se na banalidade duma Republica, tratando como toda a gente um antigo presidente , o seu advogado e os dois altos magistrados inculpados no mesmo dossier.

Esta linguagem deveria ser a única possível numa democracia.

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