Não foram poucas as vezes em que, como embaixador português no Brasil, me perguntei a razão pela qual a relação luso-brasileira, para além de todos os discursos políticos, não flui com maior vigor e normalidade, independentemente das conjunturas. Num livro em que juntei, há mais de cinco anos, alguns textos que eram fruto da minha experiência naquele país, alinhei explicações possíveis para as distâncias que subsistem entre nós. Mas não tenho a certeza de ter conseguido descobrir todo o problema.
Lembrei-me disso na manhã de ontem, ao ouvir o chefe de Estado português referir-se, com procurado ênfase, ao Brasil, durante o seu discurso diante do corpo diplomático. Portugal e Brasil são hoje dois países com horizontes estratégicos específicos, operando em tabuleiros próprios, com ambições necessariamente diversas, mas raramente antagónicas. Contudo, não tenho a menor dúvida de que as respetivas agendas internacionais só podem ter vantagem em conjugar-se. Subsiste uma óbvia e natural assimetria no modo como cada um dos países olha o outro, os pontos de conjugação de interesses não são valorizados por ambos da mesma forma. E não vale a pena esconder: à cumplicidade bilateral não são indiferentes fatores políticos e pessoais. Por vezes, como é sabido, estes não coincidem.
É em tempos como estes que a diplomacia tem um papel essencial, na sustentação dos interesses permanentes. Um dia, numa intervenção pública que proferi no Rio de Janeiro, no início das minhas funções no país, afirmei que era chegado o tempo de abandonarmos a retórica nas relações bilaterais e passarmos a preenchê-las com a substância do relacionamento humano, cultural e económico desses novos tempos. No final dessa minha fala, o antigo embaixador brasileiro em Portugal, Alberto Costa e Silva, aproximou-se de mim e disse: "Não despreze a retórica, Francisco. Ela tem sido historicamente essencial ao nosso relacionamento bilateral. Foi ela a "almofada" de afetividade que permitiu sustentar as nossas relações, quando as coisas correram mal". Tomei nota dessa observação e, com os anos, vim a dar plena razão àquele nosso amigo.
É um facto que a diplomacia se apoia muitas vezes na retórica. Frequentemente, para um observador exterior, parece haver um gongorismo excessivo no modo como os diplomatas exibem um otimismo que pode parecer forçado e até artificial, ao abordarem o futuro das relações entre dois países. Ora os diplomatas devem ser os profissionais do otimismo. A eles compete assumir o voluntarismo de "puxar" em público pelo que corre bem e tentar resolver, em privado, o que, eventualmente, pode ir andando mal ou menos bem. É uma tarefa delicada, paciente, muitas vezes difícil e, não raramente, a ter de ser feita a contraciclo dos tempos políticos. E, às vezes, contrariando-os.
Portugal e Brasil dispõem, nos dias que correm, de um quadro mútuo de representação diplomática verdadeiramente excecional. Dois brilhantes diplomatas de ambas as carreiras - o brasileiro Mário Vilalva e o português Francisco Ribeiro Telles - têm vindo a revelar-se atores essenciais, na garantia da sustentação de uma presença diplomática ativa, diversificada e, sobretudo, inteligente. Julgo que, com eles, a diplomacia está a provar que, muitas vezes, nas relações bilaterais, é ela que pode fazer toda a diferença.