sexta-feira, janeiro 17, 2014

Brasil - Portugal

Não foram poucas as vezes em que, como embaixador português no Brasil, me perguntei a razão pela qual a relação luso-brasileira, para além de todos os discursos políticos, não flui com maior vigor e normalidade, independentemente das conjunturas. Num livro em que juntei, há mais de cinco anos, alguns textos que eram fruto da minha experiência naquele país, alinhei explicações possíveis para as distâncias que subsistem entre nós. Mas não tenho a certeza de ter conseguido descobrir todo o problema.

Lembrei-me disso na manhã de ontem, ao ouvir o chefe de Estado português referir-se, com procurado ênfase, ao Brasil, durante o seu discurso diante do corpo diplomático. Portugal e Brasil são hoje dois países com horizontes estratégicos específicos, operando em tabuleiros próprios, com ambições necessariamente diversas, mas raramente antagónicas. Contudo, não tenho a menor dúvida de que as respetivas agendas internacionais só podem ter vantagem em conjugar-se. Subsiste uma óbvia e natural assimetria no modo como cada um dos países olha o outro, os pontos de conjugação de interesses não são valorizados por ambos da mesma forma. E não vale a pena esconder: à cumplicidade bilateral não são indiferentes fatores políticos e pessoais. Por vezes, como é sabido, estes não coincidem.

É em tempos como estes que a diplomacia tem um papel essencial, na sustentação dos interesses permanentes. Um dia, numa intervenção pública que proferi no Rio de Janeiro, no início das minhas funções no país, afirmei que era chegado o tempo de abandonarmos a retórica nas relações bilaterais e passarmos a preenchê-las com a substância do relacionamento humano, cultural e económico desses novos tempos. No final dessa minha fala, o antigo embaixador brasileiro em Portugal, Alberto Costa e Silva, aproximou-se de mim e disse: "Não despreze a retórica, Francisco. Ela tem sido historicamente essencial ao nosso relacionamento bilateral. Foi ela a "almofada" de afetividade que permitiu sustentar as nossas relações, quando as coisas correram mal". Tomei nota dessa observação e, com os anos, vim a dar plena razão àquele nosso amigo.

É um facto que a diplomacia se apoia muitas vezes na retórica. Frequentemente, para um observador exterior, parece haver um gongorismo excessivo no modo como os diplomatas exibem um otimismo que pode parecer forçado e até artificial, ao abordarem o futuro das relações entre dois países. Ora os diplomatas devem ser os profissionais do otimismo. A eles compete assumir o voluntarismo de "puxar" em público pelo que corre bem e tentar resolver, em privado, o que, eventualmente, pode ir andando mal ou menos bem. É uma tarefa delicada, paciente, muitas vezes difícil e, não raramente, a ter de ser feita a contraciclo dos tempos políticos. E, às vezes, contrariando-os.

Portugal e Brasil dispõem, nos dias que correm, de um quadro mútuo de representação diplomática verdadeiramente excecional. Dois brilhantes diplomatas de ambas as carreiras - o brasileiro Mário Vilalva e o português Francisco Ribeiro Telles - têm vindo a revelar-se atores essenciais, na garantia da sustentação de uma presença diplomática ativa, diversificada e, sobretudo, inteligente. Julgo que, com eles, a diplomacia está a provar que, muitas vezes, nas relações bilaterais, é ela que pode fazer toda a diferença.

quinta-feira, janeiro 16, 2014

Ponto final

Já me tinha acontecido vestir fraque para, em conjunto com outros colegas diplomatas, apresentar cumprimentos de Ano novo ao chefe do Estado do país junto do qual estava acreditado. Mas nunca tinha previsto que isso me viesse a acontecer, como hoje sucedeu, junto do presidente da República do meu próprio país. O facto de ser diretor executivo do Centro Norte-Sul qualifica-me como representante do Conselho da Europa junto do Estado português. Não estive ali como português, mas sim enquanto chefe da representação em Portugal de uma organização internacional. Devo confessar que, pelo ineditismo da situação, achei graça à circunstância e àquele último passeio protocolar pelos espelhos e dourados de Queluz.
 
Salvo para algum casamento mais finaço, a minha labita entrou hoje, como o dono já estava, na merecida reforma. No final deste mês, por exclusiva vontade própria, vou deixar o cargo que tenho vindo a desempenhar, passado que foi um ano do seu exercício. Julgo que não poderia ter terminado essa função com uma nota mais curiosa. A cerimónia desta manhã acaba assim por ser o verdadeiro ponto final na minha ligação à diplomacia. Foram quase quatro décadas, muito interessantes. Mas, aqui entre nós que ninguém nos ouve, já não era sem tempo...

Moura

A fronteira é dos conceitos mais relevantes e interessantes da História. Em Moura, no dia 1 de fevereiro, vamos abordá-la em diversas dimensões.

quarta-feira, janeiro 15, 2014

Prós e Contras

Há uns anos, cruzei-me com Fátima Campos Ferreira num avião. Lamentou então que eu tivesse estado indisponível para aceitar um convite que, meses antes, me havia feito para participar num programa "Prós e Contras". Desconhecia por completo a existência desse convite. Explicou-me que, tendo telefonado para minha casa, a minha mulher lhe havia dito que eu não iria a esse debate. Terá achado que o tema me era inconveniente. Não há nada como ser casado com hábeis (e discretas) gestoras de imagem.

Há dias, estive no "Prós e Contras". O assunto era vasto: 2014. É sempre muito importante o futuro, porque, como alguém dizia, é nele que vamos passar o resto da nossa vida. O debate foi disperso, evoluindo por temáticas que, sendo previsíveis, eram de difícil preparação específica. Acabou por se polarizar, sem surpresas, entre dois dos convidados, que contrastaram posições e argumentos, na defesa tipificada de perspetivas totalmente opostas. Entre os amigos e conhecidos que ouviram as minhas quatro intervenções no programa, o sentimento maioritário foi de que eu falei pouco e que deveria ter sido mais interventivo. Alguns acham que fui pouco assertivo, outros que fui menos "diplomático" e mais "político" do que devia, com o primeiro qualificativo a ser tido por positivo e o segundo a querer ser negativo.

Ontem, num exercício entre o masoquista e o narcísico, revi o programa. No que nele me disse respeito, julgo que disse quase tudo quanto queria dizer. Ou dar-se-á o caso de estar a ser demasiado complacente comigo próprio?

terça-feira, janeiro 14, 2014

Remédio santo!

Era demais! Aquele embaixador português, conhecido notívago, abusava dos telefonemas tardios para os seus colaboradores, que assim viam o seu descanso interrompido, com as famílias já a protestar. Ninguém sabia bem o que fazer. Afrontar o chefe era uma opção arriscada, principalmente no caso dos conselheiros técnicos em serviço na embaixada, cuja renovação da comissão muito poderia depender do seu parecer. 

Um desses diplomatas, casado com uma americana, era a vítima mais regular das chamadas do embaixador. A sua mulher teve então uma ideia. Uma noite  o telefone tocou. A voz do embaixador surgiu do outro lado. O diplomata respondeu com um ar ensonado. E, ao lado, ouviu-se o arfar crescente da sua mulher, repetindo: "yes! Yes! YES!". O embaixador pediu desculpa e desligou. Foi remédio santo!

40 anos de abril

No dia 22 de janeiro, em Paris, vou ter o gosto de fazer uma palestra sobre o 25 de abril e as suas repercussões internacionais.

Espero que este ano de comemorações sobre a Revolução democrática se converta numa festa, que possa ajudar a colorir o cinzento dos dias que passam.

segunda-feira, janeiro 13, 2014

O toque do telefone

A introdução dos meus dados no computador prosseguia à velocidade necessária. Atrás do homem, um telefone tocou. O homem não atendeu. Passaram minutos. O telefone continuou a tocar. Passou um colega e perguntou ao homem a razão por que não atendia o telefone. O homem respondeu: estou a atender este senhor, respondo ao telefone quando terminar. Intervim para felicitar o homem, para dar-lhe razão, perante o colega que não deve ter gostado e algumas outras pessoas do público próximo, que senti divididas. Para mim, as coisas são claras: não se atende um telefone quando se está a atender alguém. É uma falta de atenção. Este episódio ocorreu há minutos.

Recordei-me então de duas cenas. A primeira foi "uma peixeirada", que, há uns anos, fiz ao balcão de banco. Estava a ser atendido por um empregado. Tocou um telefone e o empregado atendeu. Durante algum tempo, dedicou-se a dar informações pelo telefone, deixando-me de lado. Dirigi-me ao balcão ao lado e mandei chamar o gerente. O "meu" empregado continuava ao telefone. Pedi o livro de reclamações. O gerente estava aflito. Interrompeu o telefonema do empregado. Obrigou-o a tratar do meu assunto e a despachar a chamada telefónica. O empregado engrolou uma justificação de que tivera de interromper o meu assunto... porque o telefone tocara. Alto e bom som, deixei claro: "não admito que ninguém atenda um telefone quando está a tratar um assunto comigo. O telefone não pode ter prioridade sobre as pessoas que estão presentes.". Não sei se aprendeu.

Segunda cena. Uma grande figura da nossa diplomacia era conhecida por passar horas ao telefone. Sentávamo-nos em frente a ele no gabinete e éramos sistematicamente interrompidos por uma corte de amigos, conhecidos e personagens correlativos, a quem ele tinha dado o seu número direto ou para quem ele antes pedira um conjunto de chamadas, através da secretária. Esta consultava para tal a conhecida lista de telefones e endereços desse diplomata, manuscrita e há décadas rasurada, conhecida como "o livro de cozinha", com páginas soltas e nomes de mortos, que ele tinha pena de eliminar, o que chegou a originar confusões em fins de ano, porque para um deles chegou a estar preparado um cartão de Boas Festas, lamentavelmente tardias. Uma tarde, eu estava sentado frente a esse meu colega, tentando expor um determinado assunto e obter dele uma reação. A nossa conversa foi interrompida, sem exagero, aí umas seis vezes, por chamadas que chegavam. A certo ponto, "passei-me", levantei-me e fui para o meu gabinete. Telefonei-lhe. Respondeu-me de lá: "Anda aqui à minha sala. Ainda não acabámos a conversa!". Não hesitei: "Não vou. Se estou aí à tua frente, sou interrompido por algum telefonema. Assim, resolvemos isto pelo telefone, com a certeza de eu poder terminar o assunto". E assim fiz. Lembras-te, António?

O ator secundário

Este fim de semana, fui ao teatro. Era uma companhia paga com dinheiros públicos, isto é, nossos. A peça era fracota. Eu já sabia, mas tinha uma curiosidade quase masoquista em vê-la. Por uma qualquer razão, estive muito atento ao principal ator secundário e à sua relação cénica com o ator principal. Sempre achei interessante observar o papel que, em algumas peças, é desempenhado por quem, sendo um razoável artista, acaba necessariamente por sofrer a sombra da primeira figura. Era esse o caso. Já não é a primeira vez que dou comigo a pensar que alguns desses atores secundários têm um talento que talvez justificasse uma oportunidade num papel principal. Derivará essa impossibilidade de ascensão da má qualidade do "script", do grau de menor credibilidade ganha em "performances" anteriores, do modo como, nesse passado, terão ou não contribuído para êxitos da companhia, da forma como influenciaram negócios de bilheteira? Obrigado a um esforço de afirmação num papel que não dava para grandes voos, sujeito à necessária lealdade formal face à figura que é cabeça de cartaz, a qual vigiava a menor tentativa de protagonismo, numa peça onde a óbvia hierarquia artística condicionava a expressividade das diversas prestações, notei que o ator secundário se via, muitas vezes, obrigado a seguir um caminho estreito, de fino equilíbrio. Toda a sua coreografia, toda a interação com o público, passava-se sob esse angustiante dilema, que lhe limitava as marcações, que lhe impunha indesejadas barreiras no acercar da ribalta. Frequentemente, o público apercebia-se que havia ali uma vocação travada, mesmo uma evidente frustração. Em certos momentos da cena, ficou claro que o ator secundário foi tentado a correr alguns riscos, a dar-se ares daquilo que não pode ser, sofrendo, lá no íntimo, o facto de não lhe ter cabido o lugar de estrela da companhia. Olhamos para ele e sentimos isso bem, chegamos mesmo a ter uma simpatia pelo seu esforço, esquecendo até a mediocridade da peça. Estando do lado de fora do palco, observamos, quase divertidos, o óbvio combate surdo que dentro dele se trava. Um duelo que, no entanto, se vai prolongando enquanto houver público e palmas, apenas porque a bilheteira vai rendendo, porque "the show must go on" a todo preço, porque o elenco precisa de emprego. É que a sustentação de uma peça, por mais banal que seja, é independente do apreço que os atores possam manter ou não entre si. Conservarem-se em cartaz, fazerem prosperar o negócio, só isso justifica que continuem a contracenar, quiçá de mau grado, com uma camaradagem que pode ser apenas formal. E só isso faz com que um ator talentoso se sujeite à secundarização a que é votado. No íntimo, é capaz de já estar a pensar no futuro, noutras peças, noutras companhias, que lhe permitam manter-se em cena, porque ele alimenta-se do aplauso do público. E, por isso, lá vai andando, falando e rindo. Esta minha ida ao teatro não foi, como puderam deduzir, uma grande experiência. Mas foi uma oportunidade para notar que o público começa a declinar, farto desta farsa. Um destes dias saem do palco sob uma merecida pateada.

Prós e Contras

                            
Hoje à noite, na RTP1, vou participar no programa "Prós e Contras". Com Carlos Fiolhais, Ferreira Machado, Miguel Real e Nuno Garoupa discutirei os principais desafios nacionais do ano em curso.

domingo, janeiro 12, 2014

Gastronomia

O excelente blogue de gastronomia "Mesa Marcada" anunciará, no próximo dia 20 de janeiro, os nomes dos "10 restaurantes e chefes preferidos de 2013". Tive o privilégio e o gosto de integrar o júri desses prémios mas, infelizmente, vou estar fora do país na data dessa cerimónia.

Nessa semana, estarei em Paris, onde, no dia 22, farei parte com José Bento dos Santos, uma figura sem par no nosso país no que à gastronomia diz respeito, da "representação" portuguesa numa "session de travail" da "Académie des Psychologues du Goût", uma renomada confraria gastronómica, criada em 1922, de que ambos somos membros há vários anos.

Um gesto

Eu sei que o gesto não é vulgar no futebol, razão pela qual deve ser sublinhado, para exemplo ético-desportivo das novas gerações. Na noite de ontem, o Sporting Clube de Portugal, ciente de que uma eventual vitória sobre o Estoril "arrumaria" com o campeonato, decidiu, numa atitude de grande dignidade, deixar que o jogo chegasse ao fim empatado. Viu-se claramente que o desperdício de alguns golos teve um intuito deliberado, o que revela bem o nível de controlo sobre os jogadores que Leonardo Jardim consegue manter. Desta forma, o Sporting permite que hoje, num espetáculo muito interessante que terá lugar num estádio perto do Colombo, na freguesia e bairro de Carnide, qualquer das duas equipas que denodadamente disputam o 2° lugar na Liga possa ter a possibilidade de, pelo menos por uma jornada, assumir a liderança formal da classificação. Está nas mãos de uma delas ter essa efémera glória. Se acaso empatarem, não se queixem! Fizemos o que estava ao nosso alcance para terem essa alegria breve. E, claro, não damos mais abébias. Acabaram-se as festas e o período em que isto era "a feijões".

sábado, janeiro 11, 2014

Ariel Sharon

Depois de um muito longo coma, foi anunciada a morte do antigo primeiro-ministro israelita Ariel Sharon.

O mundo quase se havia esquecido dessa figura intransigente da direita israelita, celebrada pela arrojada travessia militar do canal do Suez, na guerra do Yon Kippur, em 1973, e, mais tarde, por fortes responsabilidades no massacre de Saabra e Chatila, no Líbano, em 1982. Deve-se ainda a Sharon, no entender de muitos observadores, a deliberada "provocação" que deu origem à segunda Intifada, após a sua ostensiva visita à esplanada das mesquitas, em 2000.

Recordei os dias em que, em 1978, acompanhando o então ministro da Agricultura e Pescas português, Luis Saias, visitei o seu "bunker" na propriedade familiar que tinha no deserto do Negev. Sharon era, então, ministro da Agricultura do seu país. Guardo fotografias desse momento.

Sharon era uma figura rotunda, com um ar um tanto "patronizing" mas com alguma cordialidade, de onde transparecia uma autoridade natural que advinha, sem dúvida, dos seus tempos militares. Na lógica tradicional da composição dos governos israelitas, cujo sistema eleitoral "balcaniza" o executivo por uma imensidão de partidos, a Sharon calhara a Agricultura, como mais tarde iria caber a Habitação. A importante dimensão político-estratégica destes cargos ia, porém, muito para além da tecnicidade do lugar, pelo que as conversas com o seu homólogo português - cuja especialização era, aliás, também limitada - não passaram de vagas generalidades.

A visita correu bem, com demonstrações de simpatia pessoal de parte a parte, com alguns projetos de cooperação técnica assinados. No seu termo, Luis Saias informou-me que decidira convidar aquele seu homólogo a visitar Portugal. A seu ver, a amabilidade com que este o recebera tinha de ser recompensada. Expliquei então ao nosso ministro que, como diplomata e representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros na delegação, desaconselhava vivamente que convidasse Sharon a ir a Lisboa. A posição portuguesa no delicado equilíbrio da questão do Médio Oriente era muito cautelosa e o MNE nunca viria a aceitar dar "luz verde", naquela conjuntura, à concretização do convite.

(Antes da nossa partida para Israel, como já relatei aqui há tempos, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sá Machado, havia-me transmitido pessoalmente as linhas "limite" de enquadramento desta visita técnico-política. Um convite para uma visita de Sharon a Lisboa ia, claramente, muito para além dessas instruções).

Luis Saias não teve em conta as minhas objeções e, na conferência de imprensa final (em que eu tive de traduzir o que disse...), deixou expresso o convite para Ariel Sharon visitar Portugal. Saias deixaria de ser ministro tempos depois, com o fim do governo PS-CDS. Para a História, Sharon não veio a Portugal.

(Adaptação de um post aqui publicado há mais de três anos)

"Cherchez la femme!"...

"Parecia que não partia um prato..." foi o comentário mais suave que ontem ouvi, num jantar maioritariamente feminino, a propósito das aventuras românticas a que é associado o presidente François Hollande. A ser verdade o que a imprensa rosa publica, logo seguida com hipócrita indignação pela avidez da restante comunicação social, Hollande não foge muito à tradição da grande maioria dos seus antecessores, que a História acabou por provar que mantiveram "affaires" extraconjugais, que aparentemente lhes atenuavam o peso das responsabilidades do Eliseu. Há uns anos, uma amiga ofereceu-me um curioso livro intitulado "Sexus politicus", que inventaria muitos deste pecadilhos.

Praticamente à exceção do general De Gaulle, a quem se não conhecem desvios à fidelidade a dona Yvonne, há em França relatos ou rumores sobre a quase generalidade dos seus presidentes, desde um que morreu no próprio palácio durante um desses encontros afetivos até outro, já mais recente, cuja rapidez no ato era resumida na célebre frase "dix minutes, douche comprise". 

O chefe do Estado francês sobre o qual há mais dados conhecidos neste domínio, talvez porque foi o primeiro que teve a desagradável experiência de ver a comunicação social quebrar a tradição de encobrimento público que até aí vigorava, foi François Mitterrand, cuja aura passou das políticas socialistas às aventuras amorosas. Ora sendo François Hollande um confesso seguidor de Mitterrand...

Alguma França puritana não vai achar graça ao facto do seu presidente poder estar envolvido num "affaire" desta natureza. Mas essa França já não gostava de Hollande. Posso estar enganado, mas fico com a sensação de que, numas próximas sondagens, François Hollande pode vir a beneficiar desta historieta, em termos de apreciação pública. Essa é a "graça" de um país como a França onde, tal como nos romances policiais, a resposta para muitas questões se encerra na expressão "cherchez la femme!"

sexta-feira, janeiro 10, 2014

Ainda Eusébio

O debate sobre se os restos mortais de Eusébio devem ou não ir para o Panteão Nacional parece-me enfermar de alguma imprecisão. Vejo muito poucas pessoas preocupadas em olhar para o que diz a lei:
 
"As honras do Panteão destinam-se a homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao país, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica ou artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade".
 
Uma coisa é clara: o debate sobre se Eusébio merece ou não ser escolhido para poder vir a estar em Santa Engrácia só deve ter lugar depois de se confirmar que ele configura um dos casos tipificados na lei.
 
Alguém quer apostar comigo em como, dentro de um ano, período antes do qual a decisão não pode ser tomada, vai surgir uma polémica sobre a vírgula que figura no texto entre "ao país" e "no exercício"? Alguns dirão, atendo-se ao texto antes da virgula, que ele permite distinguir quaisquer "serviços prestados ao país". Outros dirão que esses "serviços" são apenas os que, após a vírgula, são elencados. E vai ser a Assembleia da República, com a mesma "competência" jurídica que pode ter criado esta ambiguidade, que se vai pronunciar, fazendo a leitura "autêntica" do diploma que ela própria gerou. 

Boas notícias e uma incógnita

Nem tudo são más notícias, do lado da Europa.
 
As últimas previsões, no tocante ao futuro presidente da Comissão europeia, dão conta de que o nome do antigo primeiro-ministro luxemburguês, Jean-Claude Juncker, pode vir a ser o eleito do setor conservador. Do lado dos socialistas, o atual presidente do Parlamento europeu, Martin Shultz, está já definido como candidato.
 
Em ambos os casos, estamos perante figuras que têm uma leitura do projeto e do processo europeu que basicamente se coaduna com os interesses de um país como Portugal. Sabemos que isso não é uma condição suficiente para que as coisas venham a correr bem para as "nossas cores", mas já seria uma boa ajuda.
 
Uma incógnita permanece: o nome do presidente do Conselho europeu, que substituirá Van Rompuy. Esta nova figura institucional, em má hora "inventada" pelo Tratado de Lisboa, é uma espécie de administrador dos poderes que o Conselho recuperou da Comissão. É um lugar decisivo, devendo nós estar atentos ao que o nome a escolher puder significar. Uma coisa teremos de ter por certo: será um nome da total confiança da chanceler alemã.

Estatística

O governo informou que 95% dos pensionistas estarão isentos do pagamento do "complemento extraordinário de solidariedade", que abrangerá as pensões superiores a 1000 euros.

Fica-se assim a saber que, em Portugal, 95% dos pensionistas vivem com menos de 34 euros por dia.

quinta-feira, janeiro 09, 2014

Futurologias

Talvez porque as pessoas já andem muito "escaldadas", tenho a sensação de que são cada vez menos populares as "previsões" feitas no início de cada ano. Lembro-me que, não há muito tempo, éramos inundados por diversos "videntes" domésticos, que nos anunciavam coisas várias para os 12 meses seguintes. Isso parece ter-se atenuado. Confesso que não sou muito atento a estas temáticas, mas esse "pelouro" parece-me que surge quase cativo da esticada Maya, uma espécie de bruxa social de serviço, com ar cada vez mais "asiático", que me surge em "zappings" e capas de revista.

Mas o mercado não está fechado: ontem, nos Restauradores, um africano estendeu-me um papel publicitário de um tal "professor qualquer coisa", que, entre outros "poderes", se declarava vidente e capaz de prever o futuro. Só o meu crescente ceticismo, adubado por meses de previsões para o país que nunca (mas nunca!) acertaram, é que me levou a dar ao papel o destino que espero para todos os videntes deste jaez.
 
Há, contudo, outro modelo de antevisão que se pretende mais sério e credível. Estou, em especial, a lembrar-me da publicação de "The Economist", no início de cada ano, intitulada "O Mundo em ...". Há uns tempos, em férias, encontrei duas dessas publicações, referentes a anos idos, e, por uns minutos, entretive-me a fazer uma comparação entre o que nos havia sido antecipado como possível futuro e a realidade dos factos que vieram a acontecer. Nem imaginam a diferença! Mesmo uma das revistas mais bem informadas do mundo - e talvez a melhor publicação que conheço, independentemente da sua orientação político-ideológica - revela-se incapaz de prever o curso das coisas.
 
Isto não significa que a edição do "The Economist" tenha interesse. O modo inteligente como as principais questões são selecionadas e colocadas é já meio caminho andado para nos ajudar a pensar melhor o que aí virá. Porém, daí a acertar em matéria de previsões vai uma grande distância. A realidade é sempre muito mais imaginativa que os homens.

quarta-feira, janeiro 08, 2014

A identidade cultural europeia

Recomendo vivamente a leitura do livro "A identidade cultural europeia", de Vasco Graça Moura. Trata-se de um ensaio muito lúcido e informado sobre o processo europeu. É um texto realista, desencantado sem ser nostálgico, que coloca o sonho europeu no lugar que lhe deve competir, à luz da estratégia considerada adequada para um país como Portugal.
 
Vasco Graça Moura é uma personalidade maior da cultura portuguesa. Poeta, ensaísta e tradutor, é um intelectual com forte presença no espaço público. Não se esquiva a polémicas, não procura ser consensual, defende com desassombro ideias e pessoas, quando as entende dignas desse seu empenhamento. Nesta sua radiografia do projeto europeu, que não pretende subordinar-se ao "politicamente correto" do europeísmo oficioso, assume uma heterodoxia que nos ajuda a pensar fora dos quadros vulgares, chamando as coisas pelos nomes que entende próprios. Podemos não concordar com tudo o que escreve - a mim, isso aconteceu-me várias vezes, ao longo do texto - mas nunca nos deixa indiferentes. Essa é a qualidade que se exige a um intelectual.  

O flagrante


Os protagonistas são de língua espanhola. A historieta é muito antiga e é um clássico das atribulações afetivas da vida diplomática. Foi-me recordada ontem, durante um almoço com colegas.

Numa determinada capital, o embaixador mantinha uma relação sentimental com a mulher de um jovem colaborador. Um dia, por um desencontro de agendas, o diplomata entra na sua residência e encontra o chefe em "vias de facto" com a sua esposa.

Ao embaixador, assumindo a fragilidade em que a situação o colocava, preparado, quem sabe?, para um ajuste de contas, só lhe ocorre dizer:

- Estou à sua disposição!

O jovem diplomata, com um sentido de avaliação da conjuntura e uma capacidade de reação que prenunciava já uma bela carreira, ter-lhe-á respondido:

- Quero um novo posto, com promoção.

terça-feira, janeiro 07, 2014

Estádio Eusébio

Gostava muito que a final da Taça de Portugal, a partir desta época, passasse a ser disputada no Estádio Eusébio.

Queijos

Parabéns ao nosso excelente queijo!  Confesso que estou muito curioso sobre o que dirá a imprensa francesa nos próximos dias.