Ontem passei no aeroporto parisiense dito Charles de Gaulle, a que muitos franceses (e eu próprio) teimam em chamar Roissy.
Estas designações póstumas podem ser algo constrangedoras. Muitas vezes a memória popular não acompanha o voluntarismo afetivo dos proponentes. Veja-se o que acontece ali mesmo, em Paris, com a place de l'Étoile, onde está o Arco do Triunfo: ninguém a designa por "Charles de Gaulle", sendo esse, no entanto, o seu nome oficial. Em Portugal, a maior "maldade" do género foi darem ao Areeiro o nome de praça Francisco de Sá Carneiro (e colocarem por lá uma espécie de estátua artisticamente ofensiva). É óbvio que ninguém chama o lugar por esse nome. E, no Porto, ouço ainda muita gente a falar da praça Velasquez ou do aeroporto de Pedras Rubras, em lugar de nomearem esses espaços em honra à malograda personalidade que, por escassos onze meses, chefiou o executivo português, durante o ano de 1980.
Voltemos a Roissy. Quem não viveu essa época não pode imaginar a fortíssima impressão que o novo aeroporto de Paris provocou a quem, como eu, ainda na casa dos vinte anos, por lá passou, pela primeira vez, em fevereiro de 1976, menos de dois anos após a sua inauguração.
A arquitetura hiper-arrojada, quase espacial, daqueles tubos transparentes que levavam aos chamados "satélites", equiparava o local aos cenários de "Barbarella" ou de outras películas de ficção científica, uma escola de arte que sempre envelhece muito mal. E tudo por ali rimava bem com o Concorde, que naquele local tinha começado a sua carreira, escassas semanas antes da minha visita, e por lá a acabaria, efémera e ingloriamente, de forma bem trágica, menos de três décadas depois.
Enviado pelo Ministério da Cooperação (já ninguém se lembra, mas existiu então em Portugal um ministério com esse nome, para onde o MNE me havia destacado, por uns meses, vai para 50 anos), eu tinha sido mandado em missão a S. Tomé e Príncipe. Estava-se em fevereiro de 1976. A minha viagem era através de Paris e Libreville. O único voo alternativo era via Luanda, mas a situação militar na capital angolana tornava então menos aconselhável o uso do respetivo aeroporto. Tive assim o privilégio de embarcar em Roissy e, recordo, fiquei extasiado.
Com o decurso dos anos, quando às vezes por lá voltava a passar, e passei lá bastantes vezes, ia dando conta de que a imagem do aeroporto estava já longe de ser glamourosa. O edifício tinha envelhecido mal, os tubos e os "satélites" haviam-se tornado algo anacrónicos, todo o espaço estava já muito pouco funcional para as novas exigências de uma circulação cada vez mais intensa de passageiros, com os crescentes requisitos de segurança a imporem-se. Para obviar aos problemas desse crescimento, o aeroporto havia entretanto multiplicado as suas estruturas.
No dia de ontem, talvez por ter utilizado um dos espaços melhor renovados do aeroporto, ou porque o sol brilhasse bem glorioso, ou porque eu estivesse bem disposto depois de uns belos dias de férias em Paris, acabei por achar mais graça a Roissy. Ou a Charles de Gaulle, pronto, se quiserem!
2 comentários:
É por esses motivos que ainda hoje não chamo Altice Arena ao Pavilhão Atlântico, até porque as arenas são onde se toureia, sempre foi, até importarmos essa americanice ridícula. Agora é tudo arenas, mesmo que não tenham touros. Modas parvas. Mas é também por isso que ainda hoje para algumas pessoas Torres Couto ainda é líder da UGT, Mário Soares ainda é presidente, Cavaco Silva ainda é primeiro-ministro e Gilberto Madaíl ainda é o presidente da FPF. Coisas...
Fernando Neves
Já em Lisboa se passou a chamar Marquês à Rotunda, até mudaram o nome da estação do metro. O meu Pai dizia com razão que se podia ter dado ao local o nome de Rotunda MP, em vez de Praça MP. Já o Rossio e o Terreiro do Paço nunca são chamados pelo se nome oficial
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