domingo, abril 13, 2025

Por estas horas

Há dias, em Paris, parei, por instantes, em frente a uma montra com relógios de pulso de uma marca sonante. Alguns, poucos, eram bonitos, outros, a maioria, pretensiosos, outros ainda eram horrorosos, de um mau gosto quase refinado. Quem compraria aquilo? Todos tinham muitos zeros à direita, no preço. Nenhum me entusiasmou.

Ao entrar para o liceu, o meu avô materno ofereceu-me um belo relógio. Um Regines. Era dourado e, aparentemente, tão bom que, com medo de que eu o perdesse, nunca me deixaram usá-lo. Quando essa confiança chegou, já eu queria ter um relógio “à homem”! Devem-me ter comprado um Cauny ou coisa parecida, que era o vulgar de Lineu naquele tempo. Tinham preços muito em conta, mas atrasavam-se e, às vezes, paravam de vez. Quando fui bancário, comprei um ou dois desses Cauny, que os contínuos nos impingiam, a preços "de amigo".

Um dia, todos deixámos de dar corda aos relógios: vieram as pilhas. Passou-se então para o período do plástico, em que se trocava de relógio como quem muda de camisa. Foi a invasão dos Swatch. Depois de algumas tentativas (o preço permitia isso), fixei-me nos modelos “skin”. Sempre muito simples, nada de arrebiques. Nunca quis coisas grandes, cheios de manigâncias técnicas, de cronómetros e luas, botõezinhos para tudo e mais alguma coisa. Até acabei por dispensar aqueles que tinham datas e os dias da  semana. É que eu acabava por não me fiar no que esses relógios me diziam, porque não me lembrava se os tinha atualizado, aquando das mudanças da hora. A única extravagância a cujo luxo sempre me dei foi querer ter ponteiro dos segundos - confesso agora: por pura hipocondria, para medir as pulsações. Só isso. 

Gosto de relógios leves, com um mostrador espartano. Desde há anos, alterno entre um Mondaine com ar de relógio de estação suíça (já tive três), e um Tissot um pouco mais pesado, adquirido num avião, naquele tipo de impulsos que se têm à passagem da hospedeira com o carrinho do “free shop”. De quando em vez, olho a gaveta da mesa de cabeceira e faço a troca de um por outro. Até me cansar de novo e trair o que trago no pulso. 

Herdei alguns relógios: três de sala (é verdade!), franceses, daqueles com caixa de madeira, pesos negros e sonoras badaladas. Ofereci um deles a uma prima, guardo os outros, ambos a funcionarem lindamente. Tenho também a estatueta metálica de uma Diana, que segura um relógio que balançou em tempos felizes. Sou também orgulhoso possuidor de um (pouco valioso, mas magnífico) relógio de parede da Reguladora, de madeira, redondo, com um belo som metálico, que sempre vi em casa dos meus pais. E tenho um pesado e vetusto despertador Cyma (“Acima de Cyma, só Cyma”, ouvia-se nos altifalantes do campo de jogos da minha terra), que os meus pais me “cederam” quando fui para a universidade, com a recomendação: “Não o percas! É da fundação”, com isso querendo significar do início seu casamento, nos anos 40 de outros tempos. Devolvi-o mais tarde. Recuperei-o, infelizmente, ao perdê-los. E, do meu pai, guardo ainda, numa vitrine, o seu eterno Zenith de pulso. 

Não tenho uma particular fixação por qualquer marca de relógios. Não tenho, aliás, o menor fetiche por essa coisa de marcas, que excita tanta gente. Isso é válido para relógios como para tudo o resto, carros e roupa incluídos. E nunca ambicionei ter um relógio de uma marca especial. Cedo na vida concluí que há relógios bastante bonitos que não são muito caros, embora tenha já visto relógios bem caros com um design que me agrada bastante. Mas, por exemplo, nunca me passou pela cabeça ter um Rolex. A frase palerma de um célebre publicitário francês - “Se, aos 50 anos, não se tem um Rolex é porque se falhou na vida” - criou-me uma inultrapassável rejeição pela marca. Não gastarei nunca muito dinheiro num relógio, mas algo me diz que posso perceber, sem a menor dificuldade, o fascínio que os relógios provocam em muita boa gente. 

Há tempos, ofereceram-me um belo relógio, que havia pertencido a um familiar a quem a vida não deu o tempo que merecia para gozá-lo. Decidi agora: vou passar a incluí-lo nas rotações de relógios de pulso que vou fazendo. É isso!

8 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Sintonizo com a sua perspetiva "sur les montres", mas por muito que até ache graça é coisa que nunca consegui usar por muito tempo (inclusivamente os "espertos"), por isso já me rendi à evidência que para mim só dá de bolso, daqueles que hoje em dia têm de 6 polegadas e uns trocos para cima.

Lúcio Ferro disse...

Bem, para quem não dá muita corda a relógios, faz-me lembrar a minha própria pessoa. Tenho quatro relógios de pulso: Um Omega Seamaster vintage que o meu pai me deu e que nunca uso, por ser caríssimo; tenho três Seiko, clássicos, um com mostrador azul, outro com mostrador preto e outro com mostrador verde, dois automáticos e um de pilha. Tenho ainda de pulso um cornógrafo Timex mais ousado, com várias cores e um swatch banalíssimo, os dois de pilha. Vou alternando, quando me apetece, agora, como ando a vestir blusas verdes ou esverdeadas, ando com o Seiko verde. Quando estou mais expansivo passo para o Timex multicor. Quando visto preto ou azul, enfim. Depois tenho outro Omega, que herdei da minha avó, relógio de mesa (ou parede), da década de 1950, está na parede da sala. Na cozinha, um daqueles de plástico de parede, dá muito jeito ver as horas na cozinha, para medir as cozeduras e afins. :). Seja como for, nunca durmo nem tomo duche de relógio.
Um bom domingo.

João Cabral disse...

Faz bem, senhor embaixador. Mas de facto há quem gaste quantias astronómicas em relógios, até juntas de freguesia e câmaras municipais, imagine-se. Pois é. Depois há os "maluquinhos" das novas tecnologias, que gastam milhares de euros num telemóvel (eu não dou mais que 50 euros por um). Enfim, cada um gastará o dinheiro que tem no que quiser.
Quanto aos ponteiros ou não, já sou de outra geração, dos relógios digitais, creio que só tive um com ponteiros (Swatch), daqueles todos transparentes. De resto, os Casio fizeram as maravilhas de tantos. Hoje, não uso relógio há uns 20 anos, o telemóvel está sempre por perto. Sinais dos tempos.

marsupilami disse...

Tenho um Seiko normal e um electrónico preto (nem sei qual é a marca) para nadar ou correr. É tudo.

josé ricardo disse...

Tenho também um Zenith que era do meu pai e um relógio de parede, de Madeira, da Reguladora.

Anónimo disse...

O telemóvel destruíu o relógio de pulso. Pelo menos, para mim.

caramelo disse...

Conheço bem esse mundo dos relógios. Como bom Gandarês, com quase toda a minha gente, de pais para filhos, a dedicar-se a isso, começando pelos ambulantes, isso está-me um pouco no sangue, a relojoaria e a ourivesaria. E essa marca mítica que eram os Roskopf, que veio a dar aqui a expressão “roscofe” (que já caiu em desuso) para o que era fraco, o que até era injusto.

caramelo disse...

Gandareses, de Febres e Vilamar, atenção. Perguntem aos relojoeiros e ourives nas vossas terras, por aí fora, que irão encontrar muitos da minha terra que começaram por ambulantes e depois aí se fixaram. Talvez na sua terra também os haja, senhor Embaixador. Para saber mais sobre a minha Gândara, é ler o Carlos de Oliveira. Mas isto já é sair do tópico do post.

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