sábado, abril 05, 2025

O meu primeiro telegrama


Ontem, passei pelo arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros e pedi para ver a "telegrafia" saída da  nossa embaixada em Oslo nos anos de 1979 a 1982. O meu objetivo era recolher dados de que necessitava para uma determinada finalidade.

Esses telegramas, nome que no MNE se dá às comunicações entre as embaixadas e Lisboa, são assinados pelos dois embaixadores com quem ali trabalhei sucessivamente e, em escassos casos, subscritos por mim próprio, como "encarregado de negócios", nas ausências dos titulares e no período em que assumi a chefia entre esses dois embsixadores.

Estava eu entretido a ler essas escassas centenas de textos quando, de repente, deparei com este telegrama. Tem a curiosidade de ser o primeiro texto dessa natureza que eu assinei, no dia 17 de julho de 1979. Há dias, curiosamente, deixei aqui cópia do último que subscrevi, em janeiro de 2013. Verdade seja que, se este último tem algum "sumo", o que hoje publico é um texto completamente vulgar, que constato que apenas cuidei que estivesse bem ao estilo MNE.

Se bem atentarem, nele sigo a regra sacrossanta da Casa de evitar artigos e preposições, uma prática já então sem o menor sentido, que ainda refletia os tempos em que os telegramas eram enviados pelo telégrafo e era preciso poupar nas letras e no custo do envio. Nesse ano de 1979 e muito depois, a regra só era mantida por mero seguidismo com a liturgia da casa. Recordo-me bem quando um dia, 25 anos mais tarde, como embaixador no Brasil, dei instruções escritas aos meus colaboradores para passarem a escrever textos corridos: houve quase um motim! A tradição deixa raízes.

A máquina em que grafávamos os textos não permitia colocar acentos nem cedilhas, o que, como notarão, obrigava à repetição da letra em sua substituição. Por exemplo, "não" é "naao", para utilizar algo (por ora ainda felizmente) em voga. No texto, repararão também que as nossas autoridades máximas eram (e continuam a ser) antecedidas por "Sexa". O ". /." no final era uma convenção nossa para dar sinal disso mesmo, de que o telegrama chegava ao fim.

Finalmente, uma nota sobre o conteúdo do texto. Era prática regular as embaixadas informarem Lisboa das notícias que saíam sobre Portugal e, ao fazê-lo, era interessante explicar qual era a orientação dos jornais que traziam essas notícias. É o que faço no texto.

Enfim, ao reler agora aquele meu primeiro telegrama, fiquei com alguma pena pelo facto de ele não ter sido mais "literário" e de substância. Mas, pensando bem, fui prudente: se há coisa que o Ministério detesta é ver os encarregados de negócios, conjunturais chefes de missão, porem-se "em bicos de pés".

2 comentários:

João Cabral disse...

Por quem se interessa pela língua, é muito interessante ver estas formas peculiares de escrita, cada profissão tem sempre umas especificidades. Quem lesse estes telegramas sem a explicação prévia ficaria com a impressão de que os diplomatas não sabiam escrever ou eram atreitos a gralhas. Ou quem redigisse os textos por eles. Mas creio que rapidamente se chegaria à conclusão de que a duplicação da letra era para colmatar uma lacuna técnica, e bem inventada. Também se nota o conservadorismo da diplomacia em geral, muito avessa a mudar costumes, apesar de todas as evidências.
Apenas uma curiosidade: e quando havia palavras com "c" dobrado, como "convicção", como faziam? "Convicccaao"? Admito que, por vezes, pudesse prejudicar um pouco a compreensão. Mas enfim, outros tempos. Já a forma de terminar, com o advento da linguagem da Internet (ou mais interneteira), seria maliciosamente interpretada de forma brejeira.
Nota: "acentos", não com "ss", senhor embaixador.

Anónimo disse...

Fernando Neves
A não inclusão de artigos torna a leitura mais rápida e a escrita mais fácil. É uma pena perder-se o estilo, até porque quanto mais longos os telegramas menos os responsáveis políticos os lêem

Aposto

A missiva de Mark Rutte a Trump é um nojo. Mas até aposto que, no seio dos seus colegas, a grande maioria aplaude-o e elogia o seu "sac...