quarta-feira, novembro 22, 2023

Príncipes e principados


Graças à greve dos controladores de tráfego aéreo em França, tive, na tarde de hoje, o privilégio de fazer um belo "détour" em avião, num voo entre Varsóvia e Lisboa, que passou sobre a margem norte do Mediterrâneo. 

Dediquei-me então, com os meus parceiros de viagem, ao clássico "jogo" de identificação do que está "lá em baixo": "É o lago de Como, não é?". "Olha Génova!". A certo passo, com Nice perto, identificámos o Mónaco. 

Quanto estive como embaixador em Paris, ocorreu ter sido o primeiro embaixador português acreditado no Principado do Mónaco. Portugal tem, desde há muito, uma excelente relação com o Principado, mas nunca tinha feito o "upgrading" dessas relações, nomeando um embaixador não residente. Acabei por ser eu. 

Assim, um dia, fui de Paris apresentar credenciais ao príncipe Alberto, tendo depois regressado por lá outras vezes. Numa dessas ocasiões, a mais curiosa, calhou-me a função de representar o Estado português no casamento do príncipe com a sul-africana Charlene.

O Mónaco é um micro-estado, mas, em termos de "agitação" sentimental, é uma verdadeira potência. 

Quando era miúdo, as revistas encheram-se, por anos, da glamourosa saga que foi o namoro e, depois, o casamento do príncipe Reinier com a estrela de cinema Grace Kelly. 

Nas décadas seguintes, passou a viver-se a crónica, a cores, da vida da respetiva descendência: de Carolina a Alberto, passando pela agitada Stéphanie, todos temos sido involuntários "voyeurs" de um mundo de aventuras de todo o tipo - que foram desde ligações sentimentais a figuras daquilo que então se chamava o "jet-set" a personagens pescadas no cesto da aristocracia europeia, muitos deles "playboys" (expressão do tempo), mas igualmente de pilotos de automóvel a artistas de circo e artistas de outras artes igualmente performativas à sua maneira, mas também de hospedeiras de bordo a modelos de "passerelle", numa lista sem fim de casos e casinhos, de amores e separações, com algumas tristes tragédias à mistura. A geração seguinte, entretanto, não perdeu a mão à tradição e já iniciou novos capítulos da saga familiar. O mundo, cá fora, pareceu sempre hesitar entre invejar ou ter pena daquela vida de ciclotimia romântica.

Um dia, foi anunciado que o príncipe Alberto decidira "assentar", casando com uma bela sul-africana de cor de boer, uma desportista com um sorriso sofrido, com quem já vivia. E lá fomos nós, umas centenas de convidados, mobilizados para o casamento "principal" (por contraponto a "real", alvitro eu). 

Tive então o ensejo de testemunhar uma jornada, de três dias, genuinamente jubilosa para as gentes do Principado, com bandeiras e festas por todo o lado. Recordo uma divertada noite musical com Jean-Michel Jarre, a cerimónia religiosa no palácio e, a culminar o evento, o faustoso jantar de gala no Casino. 
Por ali, as casas reais europeias, ou o que de algumas restava, Braganças incluídos, estavam alinhadas pela precedência do Gotha, numa grande mesa ao centro, connosco, os "comuns" mortais, em mesas redondas espalhadas pela varanda. 

Não fora o privilégio único de ter podido provar uma refeição de deuses preparada por Alain Ducasse, que fazia vir os pratos numa "navette" contínua de empregados, saídos do vizinho "Hôtel de Paris", e ter-me-iam pesado na memória positiva as quase três horas de uma imensa chatice: à mesa, de um dos lados, ficou uma "perua" monegasca que só me falava dos negócios imobiliários do marido e, do outro, a embaixatriz da Mongólia, com quem, à falta de um Esperanto comum, só consegui trocar sorrisos e cansativas onomatopeias.

Entretanto, nos dias que antecederam o casório, a imprensa cor-de-rosa tinha estado prenhe de boatos de que a cerimónia poderia vir a ser anulada. Ao que constava, a noiva teria tentado desistir do enlace, por ter confirmado, no rol de infidelidades do príncipe, uma nova aventura, da qual teria mesmo resultado um rebento. Rumores de que Charlene só à última hora teria sido convencida a ficar, quando já estava no aeroporto de Nice, prestes a partir para a África do Sul, encheram o "gossip" da imprensa social, até à véspera da realização da cerimónia.

No banquete final, assistiu-se a algo que, curiosamente, nunca vi referido na imprensa. O príncipe Alberto, num inesperado improviso, desbobinou um longo "mea culpa", dirigido à mulher, falando abertamente dos seus muitos erros na vida, embora, gentilmente, poupando-nos a pormenores, bem como dos sofrimentos pelos quais a princesa teria passado, pelos quais lhe pedia público perdão. A noiva, essa, chorava como uma Madalena, perante as espantadas centenas de convidados. Olhando em perspetiva, foi tudo um tanto patético. O futuro viria a demonstrar que a princesa, ao contrário do final dos contos de fadas, nunca mais foi feliz.

A noite acabou com um grande baile nas salas do Casino, que entrou bem dentro da madrugada. Nele, o príncipe ia fazendo despedidas, visivelmente com gosto, dançando com algumas amigas, que, depois, se viam chorosas pelos cantos. Acabou por ser uma festa interessante - e eu que até nem sou muito dado a festas! 

Lembrei-me deste episódio, há poucas horas, quando passava sobre o Mónaco.

3 comentários:

Anónimo disse...

bem, acabei de ler a olá semanrário.

Luís Lavoura disse...

O príncipe Rainier era um homem sério e digno. Já o filho e as filhas dele, são cada qual pior do que o seguinte.

Flor disse...

Nunca senti qualquer interesse por esse Principado talvez também devido á vida rocambolesca da família Grimaldi.

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