Foi algures em 2015. As eleições legislativas portuguesas vinham aí em breve, a votação sobre o Brexit também, uns meses mais tarde. Nesse entretanto, o governo de David Cameron procurava, a todo o custo, garantir concessões da parte da União Europeia que lhe permitissem convencer o eleitorado britânico das vantagens de votar "Remain", no referendo com que, irresponsavelmente, os conservadores tinham aberto a "caixa de Pandora" da sua ligação à Europa.
Algumas dessas cedências implicavam com interesses nacionais, porque se ligavam a temas de livre circulação e de direitos sociais dos cidadãos portugueses que viviam no Reino Unido.
Um dia, recebi um convite da embaixadora britânica para ir jantar, em "petit comité", com o então chefe da diplomacia de Londres, o "Foreign Secretary" Philip Hammond.
Quando cheguei à embaixada e olhei os restantes convivas, percebi melhor o sentido da ocasião: ali estavam António Vitorino, o ministro Jorge Moreira da Silva e o secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Bruno Maçães. Vitorino e eu, por essa altura, aconselhávamos António Costa na preparação do programa socialista para as eleições legislativas, nas questões europeias e internacionais.
Hammond foi muito claro: o Reino Unido contava com a ajuda de Portugal para obter certas garantias, com que pudesse mostrar ao eleitorado que tinha conseguido algumas novas "exceções" ao regime comum da União Europeia.
Teve alguma graça ver o que se seguiu. Creio que António Vitorino foi o primeiro a falar e disse o que pensava sobre aquilo que nos era proposto. Eu, que não tinha minimamente coordenado com ele nenhuma posição, ecoei uma perspetiva basicamente idêntica. Ambos considerámos que Portugal não podia aceder às pretensões britânicas e creio que deixámos bem claro que, embora nenhum de nós tivesse qualquer mandato para falar em nome de um eventual futuro governo socialista, não iríamos nunca aconselhar que o nosso país viesse a aceitar o que nos era pedido.
Hammond voltou-se então para os membros do governo do PSD presentes. E deve ter ficado desiludido: quer Jorge Moreira da Silva, quer Bruno Maçães, no essencial, concordaram connosco.
Imagino que a embaixadora britânica, que talvez esperasse uma cisão esquerda-direita à volta da mesa, deva ter ficado algo desiludida com o resultado do repasto.
E Hammond regressou a Londres, como no poema de Irene Lisboa: com uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma. De facto, poucos meses depois, o governo de António Costa manteve-se renitente em anuir às cedências que o Reino Unido desejava e que, a terem sido aceites, teriam afetado os interesses dos nossos concidadãos.
Lembrei-me desta cena, ao ver o antigo primeiro-ministro David Cameron, agora transformado em ministro dos Negócios Estrangeiros, num derradeiro esforço de Rishi Sunak para "recentrar" o seu executivo, agora que se aproximam, a passos largos, umas eleições legislativas no seu país que, ao que tudo indica, podem afastar os conservadores e trazer de volta ao poder os trabalhistas.
É a vida, como diria António Guterres.
3 comentários:
É triste que Cameron agora aceite trabalhar sob a liderança de Sunak, que é um tipo muito mais novo e muito à direita dele, e que foi fortemente a favor do Brexit enquanto que Cameron foi a favor do Remain.
Cameron deve, se calhar, estar com dificuldades para ganhar a vida, e tem que se submeter a isto. Não sei por quanto mais tempo.
O Bruno Maçães ainda envia fotos?
Quanto ao Reino Unido, do que leio do leader trabalhista, é da mesma estirpe dos que lá estão. Tem tanto de esquerda como o Papa tem nulheres.
"Antes que me esqueça" já está nos escaparates das casas da especialidade do Chiado (Bertrand, FNAC) e da Av. Roma (Bertrand, Barata).
E é tudo.
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