Aquele embaixador era conhecido por ser uma figura um tanto bizarra. Isso também se refletia na decoração, bem eclética, que espalhava por toda a sua residência oficial. A avaliar pela diversidade das peças, fruto de andanças por vários mundos, o nosso representante diplomático era um colecionador de recordações, algumas das quais de gosto muito mais do que discutível. O facto de ser solteiro, de não ter a seu lado uma sensibilidade feminina que o ajudasse a equilibrar o conjunto, resultava em óbvias e não felizes consequências no aspeto decorativo das suas salas.
Se havia um ponto dessa mesma decoração que se salientava como mais chocante esse era, sem dúvida, o colorido pavão, de "papier maché", adquirido no Hawai, que ocupava um lugar central no salão de entrada, num pedestal colocado sobre um horrível tapete retangular, de cor bem forte e sentido estético bem fraco.
Um dia, o jovem diplomata que o acompanhava no posto, um tanto a medo, atreveu-se a dizer ao embaixador que, porventura, a colocação do pavão talvez fosse demasiado impositiva para o equilíbrio estético do salão. E adiantou, como sugestão, que podia ser interessante situá-lo num canto da sala, num lugar mais discreto.
A resposta do embaixador desarmou-o: "Ó homem, você não percebe a razão por que tenho aqui o pavão? Eu sei que as pessoas podem sentir-se um pouco surpreendidas com esta peça, mas ela tem um função muito importante. Quando tenho um almoço ou um jantar, à medida que os convidados chegam, é sempre preciso encontrar um tópico para iniciar a conversa. Ora nada melhor do que este pavão para servir como "starting point for talk". Nem você imagina a quantidade de pessoas que, olhando para o pavão, começam logo a inquirir onde o comprei, de que é feito, etc. Ora isto é precioso: garantir um tema de arranque de uma conversa é muito importante, o que evita logo falar do clima, do tráfego ou outros temas artificiais de circunstância. E, do pavão, podemos logo passar às questões de arte, de geografia ou dos costumes. O pavão dá-me imenso jeito!".
O diplomata ficou rendido ao argumento e mais valorou a "tática" do seu chefe quando este adiantou, com subtil e auto-flagelatória ironia: "E fique você a saber que não me preocupo nada pelo facto de algumas pessoas poderem, no seu regresso a Lisboa, falar do "pavão" do nosso embaixador..."
5 comentários:
Um dia, com um amigo comum, fui visita-lo.Tinha andado pelo mundo e a sua casa estava recheada de lembranças de diversos países, o que mostrava com grande nostalgia. Quando chegou à garrafeira, mostrou uma garrafa de "Barca Velha" e disse: "Esta será aberta quando nascer um neto". A sua única filha, não teve vocação para casar, nem para ser mãe. Infelizmente, ele já faleceu. Mas gostaria de saber se, entretanto, o precioso néctar já teria perdido a validade...
Conheço um pavão que também é bom motivo de conversas.
Um abraço
JPGarcia
Brilhante!!!!!
Nada mais importante do que ter um tema de conversa para por as pessoas a falar. Boa diplomacia quando não se conhecem bem as pessoas que se recebem. Por isso a indiferença para o gosto de quem mostrava ter mau gosto. Tem se se ter defacto uma grande subtileza.
Pelo que conta devia ter realmente mau gosto mas certamente tinha inteligência prática...
Existem mais espécimes humanas bem conhecidas.....pelo seu pavonear em tudo que esteja na "onda"...
Enviar um comentário