A diversidade tem sido, historicamente, a grande riqueza da Europa. Nenhum espaço geográfico desta dimensão apresentou, até hoje, uma tão grande variedade de expressões culturais, linguísticas e institucionais como o continente europeu. Daí que mesmo os mais ardentes defensores da unidade política da Europa se tivessem resignado, desde o primeiro momento, à necessidade de fazer conviver essas expressões distintas, fruto de uma História que, tendo uma raiz comum, têm também ideossincrasias que será sempre utópico tentar fundir.
É um pouco por essa razão que muitos europeístas, com um sentido realista das coisas, foram dizendo que nunca teríamos uns “Estados Unidos da Europa”, porque a realidade objetiva do continente impede que por aqui se crie uma espécie de grande país. Jacques Delors, que junta ao sonho um são pragmatismo, disse um dia que as instituições europeias eram para ele um OPNI, um “objeto político não identificado”. Com isso, queria significar que essa Europa tinha de assumir um contorno institucional diferente dos modelos tradicionais, assemelhando-se-lhe na matriz do equilíbrio de poder que vinham da lógica de Montesquieu e que, em princípio, todos aceitavam, mas, ao mesmo tempo, preservando a necessidade de ser compatível com as expressões de soberania nacional que permaneciam a nível dos Estados membros. Isso não significava, antes pelo contrário, que a Europa comunitária não devesse caminhar no sentido de identificar e tratar, em comum, aquilo que lhe era comum. O processo (e não o projeto) de integração europeia é precisamente isso mesmo: criar mecanismos que permitam, com a economia que só a escala dá, gerir interesses oriundos de entidades nacionais muito diversas.
A Europa comunitária caminhou nesse sentido. Federada pelo trauma da guerra, depois pela ameaça soviética, gizou lógicas conjuntas para o comércio, passando para além do livre-cambismo e estabelecendo uma fronteira comercial comum. Depois, desenhou e aperfeiçoou o mercado interno nesse espaço, a libertação das peias nacionais que impediam a livre circulação - desde logo das mercadorias, depois dos capitais, serviços e, finalmente, das pessoas. Conscientes dos custos da “não-Europa”, os então Estados membros, com maior ou menor dificuldade, desmantelaram defesas obsoletas, na garantia de um ganho maior. Foi um processo nunca totalmente concluído, como quem conhece os assuntos europeus muito bem sabe. E sabe porquê.
Com o fim da União Soviética, a Europa sonhou somar ao “gigante económico”, que já era, algo que fosse diferente do “anão político” que continuava a ser. O continente, com a nova Rússia em baixa e a China então ainda distante da grelha de partida, olhava para o outro lado do Atlântico, para o “amigo americano”, que até aí fora o seu aliado (e, vá lá!, tutela) estratégico, como um competidor sério. Mas, ainda assim, parceiro nos valores, desde logo do multilateralismo e das liberdades. Mas a Europa começava, sem o dizer, a dar razão a Jean-Jacques Servan-Schreiber, que, faz agora meio século, escreveu o premonitório “Desafio Americano”. Guterres, com a Estratégia de Lisboa, procurou potenciar esse esforço, pretendidamente comum, de solidificação do papel europeu na nova economia. Mas, já aí, a diversidade de que falei no início do texto impôs-se e arruinou a iniciativa. Depois, chegou o grande alargamento.
Agora, o mundo mudou. A diversidade europeia, que começou em Schengen e no euro, revelou-se escandalosa na crise financeira. E nos refugiados, nos migrantes, no desafio do Brexit. Trump faz agora o resto.
A diversidade da (e na) Europa, que é a sua maior “graça” e é algo de permanentemente inevitável, configura-se hoje como a grande dificuldade à afirmação da expressão política da União Europeia. Há dois dias, quando olhava o encontro ítalo-húngaro, com propostas tão contrastantes com aquilo que era o discurso europeu “mainstream” de há poucos anos, quando via as imagens das agressões xenófobas em Chemnitz, quando constatava o fosso que permanece no Brexit, dei comigo a interrogar-me como vai ser possível sairmos disto. Mas terá de haver uma saída: a História não tem becos.
7 comentários:
Primeiro passo? Respeitar os povos e as suas soberanias. A diversidade não é apenas feita de línguas e ranchos folclóricos mas também de maneiras diferentes de ver o mundo e de querer nele viver. Não impor visões políticas frutos de passados que mantêm certas nações reféns a outras que para isso nada fizeram; respeitar a casa de cada um; respeitar a diferença de opiniões; respeitar as culturas; respeitar aS democraciaS e aS vontadeS doS povoS.
A atual crise (é-o mesmo?) que envolve a Itália e os países do leste é o resultado de uma política arrogante de burocratas ocidentais presos a agendas politicamente corretas e a interesses económicos. Quem persistir na cegueira de impor agendas de alguns ao todo será o culpado do que vier acontecer. Desgraçadamente, a arrogância política, e o fanatismo ideológico não permitem essa ato de coragem que é reconhecer o erro e aceitar a diferença. E, por diferença, quero dizer a que é natural e nossa e não a que nos é imposta!
O colapso financeiro de 2008, de manufactura americana, paga-se e foi apenas o prólogo de uma crise continental generalizada. O colapso financeiro provocou uma complexa cadeia de eventos inesperados contaminando todas as esferas da vida social, política e económica.
Desta crise, ninguém sairá como antes. O que nos espera é uma escolha de um horizonte feudal, com um aumento acentuado da desigualdade, uma concentração sem precedentes de riqueza, novas formas de insegurança para a maioria dos cidadãos. Ou, uma revolução democrática, onde milhares de pessoas se envolvem, para mudar o final do filme.
Como chamavam a União? "Um farol de luz num mundo conturbado". Um estado de bem-estar social – que deveria servir como "modelo para as nações do mundo. Bof…
As previsões nunca se materializaram. Pelo contrário: em retrospecto, toda a sequência aparece como uma história de falhas ininterruptas. O desempenho da área do euro em termos de crescimento económico foi bastante inferior ao de todas as outras regiões, antes e depois da crise, e a tendência de austeridade de 2010 produziu um magnífico desastre económico.
O PIB ainda não recuperou até o final de 2007, tornando-se uma das piores crises económicas da história recente - superada apenas pela restauração capitalista russa catastrófica dos anos 1990.
Picos de desemprego: em 2016, 52 milhões de pessoas estão desempregadas ou sub empregadas na União Europeia. Bravo…
O mito da convergência intra-européia também entrou em colapso. Nos últimos cinco anos, a reconciliação equivocada dos níveis sócio económicos diminuiu, reinstalando a hierarquia económica entre o núcleo europeu alemão e as periferias. O PIB per capita da Itália é agora menor do que em 1999.
O Populismo tem dias de gloria à sua frente, Senhor Embaixador.
Interessante e douta prespectiva sobre a União Europeia. A incepção. A actualidade. A que estará para acontecer, a curto prazo.
Há outras, não menos interessantes, prespectivas.
https://gefira.org/en/2018/08/29/minister-savona-the-euro-is-germanys-1940-reichbanks-plan-italy-should-withdraw/
O qualificativo "única" -na moeda o Euro/Marco- deve-se a uma Alemanhã que, mais uma vez, teve mais olhos que barriga e avançou com o seu "blitzkrieg" financeiro.
Facilente ultrapassou a linha Maginot irrealista dos "bancos centrais"(!) de Países sem moeda. E convenientemente endividados em Euros/Marcos. Pseudo-Países diga-se.
Acrescente-se, no entanto, que foi bem auxiliada pela cega gula de "compartilhar o poder" de ser "Político Europeu" ("...já estive em mais reuniões do que todos os outros..."), dos restantes políticos europeus. Tipo Vichy. Afinal nada de novo.
O Reino Unido safou-se graças a uma conservadora Tatcher mesmo sem charuto. Decididamente, com Baixas, mas já para além de Dunquerque e da agressiva, paranóicamente provocada, "Batalha de Inglaterra", proposta pelo círculo que impulsiona Madame Merckel e pelo seu testinha de ferro o quasi-germânico Juncker. Este já não consegue enganar ninguém.
Entretanto a itália prepara, calmamente, o seu "colpo di grazia", na versão golpe de asa.
...
E por cá?.
Assunto interessante,
No entanto temos sempre que veruficar o que cada país produz como riqueza para perceber as diferenças de cada um nessa matéria.
Se os países do norte produzem mais do que os do sul como querem que sejam todos iguais. Não é possivel que com subsídios eternos os países do norte alimentem os do sul eternamente. Os países do sul teem visões do mundo diferentes dos do sul. Em Portugal ainda se pensa que o patrão, um porco capitalista, mesmo quando o trabalhador não produz, ele tem de pagar os salários....
Etc. etc.etc.
Nunca teremos Estados Unidos da Europa, não porque a Europa seja muito diversa culturalmente, mas porque muitos países da Europa não querem abdicar daquilo que em primeiro lugar define os Estados: a sua política externa e militar.
A Suíça e a Índia são países muito diversos culturalmente mas no entanto constituem Estados, porque as suas entidades constituintes aceitam pacificamente ter políticas externas e militares comuns. Os países europeus, não.
Alguma vez Portugal iria prescindir de ter relações privilegiadas com o Brasil ou Angola?
@Anónimo 3 de setembro de 2018 às 11:48
"...Se os países do norte produzem mais do que os do sul..."
Ai sim ? Conte lá o que eles produzem assim tanto.
Refere-se a indústria ? Quimica, automovel, aeroespacial, metalurgica, naval ???
Ou será na agricutura?
Sera que a Suiça consegue um pib tão elevado a vender queijo, relogios, canivetes e chocolates ou sera devido a ser um paraiso fiscal.
E o Luxemburgo o que se produz por la alem de dumping fiscal.
E a Holanda?
Ja agora os Portugueses que vão para essas paragens trabalham tão bem como os indigenas dessas paragens. E os que ca trabalham em empresas desses paises teem um desempenho semelhante, curioso não é? So os nossos gestores e que não emigram.
@ Anónimo de 3 de Setembro 2018 21:15.
Só agora vi o seu comentário ao meu comentário.
Então o que faz um país ser rico?
Hoje poderá ser por muitas razões até porque a população tem hábitos de poupança ou até de bons investimentos. Derreter e pedir emprestado porque a Europa depois paga é que já não dá.
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