sexta-feira, janeiro 26, 2018

Oito ou oitenta


2005. Eu tinha acabado de chegar ao Brasil. Ele era um quadro superior de uma grande empresa brasileira. Tínhamo-nos conhecido horas antes e, como embaixador português, confesso que estranhei a sua excessiva franqueza. Disse-me abertamente ter vergonha de que Lula da Silva fosse presidente do seu país: um quase analfabeto, que falava um português cheio de erros, sem nível para representar uma nação com a ambição do Brasil. Para ele, o contraste com Fernando Henrique Cardoso, que tanto prestigiara a imagem do país, não podia ser mais chocante. 

Fiquei em silêncio. Como diplomata, fui educado a nunca me pronunciar de forma negativa, perante estrangeiros, sobre figuras de Estado do meu país, por pior que eu delas pensasse (e muitas vezes pensei). E, naturalmente, não me associaria a comentários desagradáveis sobre a personalidade junto de quem estava acreditado. Ele não tinha esse constrangimento profissional, mas o bom senso obrigava a algum recato, face a estranhos, em matéria de apreciações sobre a figura que os brasileiros, com toda a liberdade, haviam escolhido, dois anos antes, para a chefia do Estado.

2007. O Brasil de Lula estava na moda, não da internacional “esquerdista”, mas do mundo ocidental liberal, da iniciativa privada. O presidente brasileiro era então uma grande figura internacional, impulsionado por uma diplomacia eficaz, com visão e ambição. Não havia líder europeu que não desejasse uma visita de Lula, que se revelava um construtor de pontes de entendimento na América do Sul, perante o radicalismo de Chavez ou de Morales. O Banco Mundial e a União Europeia elogiavam os programas sociais impulsionados pelo presidente brasileiro, o biodiesel era uma bela promessa ambiental, o pré-sal petrolífero a garantia de um futuro risonho. E, acima de tudo, a economia brasileira parecia imparável.

Num encontro empresarial em S. Paulo, cruzei-me com aquele meu interlocutor. A conversa já era outra. Lula passara a vedeta do G20, a ambição de chegar ao Conselho de Segurança da ONU não parecia desproporcionada. E aquele meu conhecido exultava, claro, com isso. O tom de apreço pelo presidente era em tudo o oposto do anterior. A certo passo, perguntou-me: “Você conhece pessoalmente Lula? Ele é um génio, não acha?” Ri-me intimamente: afinal, o presidente conquistara o afeto do homem. E era óbvio que estava a ser sincero.

2016. Na noite em que Dilma Rousseff foi julgada pela Câmara de Deputados do Brasil, eu estava por acaso em Paris. Ele entrou no Flore e, ao ver-me, fez uma “festa”. “Já viu que aquela petralha da Dilma vai sumir de vez?”, lançou-me, eufórico. Nem lhe perguntei pelo seu “querido Lula”. O vento tinha mudado, de novo.

Lembrei-me dele agora. Deve estar feliz. O Brasil é assim: ou oito ou oitenta.

5 comentários:

Anónimo disse...

Felizmente só o Brasil é que é assim...

Anónimo disse...

Será que esse oito ou oitenta fomos nós portugueses que enquanto lá mandámos lhes ensinámos. É que por cá também se vê isso. Tem de se deepender do Estado para se ficar bem com ele. Será por isso que a generalidade dos brasileiros são pobres e uma parte dos poortugueses também o são depois da UE ter-nos dado tanto dinheiro.

Anónimo disse...

... mas já faz tempo que é só 80...

Anónimo disse...

Celtejo reclama 250 mil euros a ambientalista que denuncia casos de poluição...

E por cá Sr. Embaixador, quem ajuda a justiça a proteger os cidadãos e o ambiente?

Joaquim de Freitas disse...

Isto não é uma piada, ou para usar o termo na moda: uma notícia falsa. ( fake news)

Acusado de suborno para possuir um triplex e condenado, uma vez ,sem provas, a 12 anos e 1 mês de prisão, Lula respondeu às perguntas do juiz Sérgio Moro.

Esta é a transcrição alucinante do interrogatório:

-o apartamento é seu?
-Não
-é certo?
-Claro
-Então não é seu?
-Não
-Nem um bocadinho?
-Não
-em outras palavras, você nega que é seu?
-Eu nego
-Quando você comprou?
-Nunca
-Quanto lhe custou?
-nada
-Há quanto tempo está com ele?
-desde nunca
-ou seja, não é seu?
-Não
- está certo?
-Estou
-e, diga-me, por que escolheu este apartamento e não outro?
-Eu não escolhi
-foi a sua mulher que o escolheu?
-Não
-Quem o escolheu?
-ninguém
-Então por que comprou?
-Eu não comprei
-foi oferecido a você?
-Não
-e como você conseguiu isso?
-Não é meu.
-nega que é seu?
-Já lhe disse
-Responda à pergunta
-Eu respondi
-Você nega?
-Eu nego
-Então é de você
Não.


Senhor Juiz: você tem alguma prova que este apartamento é meu, que eu vivi lá, que passei a menor noite lá, que minha família se mudou para lá, ou você tem algum contrato, minha assinatura, um recibo, uma transferência bancária, qualquer coisa?
-Não, é por isso que te estou a pedir

-Eu respondi.

Como se não bastasse, o juiz solicitou a apreensão do passaporte de Lula para que ele não participasse a um fórum sobre a fome na Etiópia, como se ele pretendesse fugir do país.

A realidade é que Temer, depois de derrubar Dilma Rouseff por um golpe parlamentar, quer se livrar de Lula para a eleição presidencial de Outubro, onde ele é dado amplamente na liderança de pesquisas de opinião.

A independência da Justiça do poder político é uma condição necessária, embora não suficiente, para o exercício da democracia.

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