As monarquias constitucionais europeias colocam um desafio importante aos soberanos de hoje. Tendo perdido, em todas elas, o essencial dos poderes que caraterizaram um outro tempo do exercício do seu papel no Estado, os reis, raínhas e afins funcionam, essencialmente, como fatores simbólicos de representação do país.
Com uma parte significativa da opinião pública - mais nuns países do que noutros - a colocar em causa o princípio dinástico na chefia do Estado, os monarcas atuais vivem sujeitos a uma atenta observação pública. Na minha perspetiva - embora cada caso seja um caso -, alguns monarcas estão sob uma implícita aferição pública da sua “utilidade”, a qual, porque decorrente da crescente dessacralização das suas funções, se torna dia a dia mais exigente.
Passado que foi, há muito, o tempo da sua intocabilidade pela comunicação social, os soberanos e as suas famílias têm de aguentar esse forte escrutínio, porque as sociedades democráticas não olham com bons olhos os privilégios e as mordomias, obrigando-os assim, cada vez mais, a seguirem uma vida que se assemelhe à do comum dos cidadãos. Os gastos com as famílias reais ou similares são hoje objeto de um debate muito estrito, sendo o respetivo comportamento social seguido com um interesse que vai da medíocre coscuvilhice tablóide à compreensível exigência ética.
Além disso, uma coisa é clara: todos os monarcas, no que toca à vida política, seguem por caminho muito estreito, porque a sua cada vez mais discutida legitimidade dinástica em nenhum instante se pode contrapor às instituições com representatividade democrática. Daí que a palavra dos reis e afins seja de “ouro”. Os reis não podem dizer uma palavra a mais e, em especial, essa palavra estará logo a mais se for vista como inadequada.
Aos reis que não necessitam, minimamente, de se mostrar na arena política o que é pedido é que sorriam e representem com dignidade o Estado. Aos outros, àqueles que a conjuntura obriga a intervir na coisa política, exige-se um imenso bom senso. E o bom senso não nasce necessariamente com as pessoas - e os reis são pessoas.
O rei Juan Carlos, num momento delicado da vida espanhola, revelou um bom senso que, lamentavelmente, foi perdendo numa fase mais adiantada da vida. A popularidade da monarquia espanhola perdeu com isso, somada ao comportamento negativo de outros membros da família real.
A Juan Carlos, que abdicou, seguiu-se Filipe, um novo rei que parecia bem preparado e capaz de assegurar a continuidade. Falhou, contudo, logo no primeiro teste sério a que foi sujeito. O que tem dito sobre a Catalunha, bem como o “timing” dessas intervenções, revela falta de respeito por muitos espanhóis, deixando-se acantonar num dos lados da barricada, não percebendo que não é esse o seu papel. Mais recentemente, ao ter suscitado o caso catalão numa intervenção no Forum de Davos, Felipe VI revelou uma imensa ausência de bom senso e de sentido de Estado.
Se as coisas vierem a correr mal na Catalunha, Filipe VI pode ter contribuído para isso. Se correrem bem, dificilmente terá alguma coisa a ver com isso.
16 comentários:
É interessante saber que na Europa ainda há uma monarquia absoluta, o Liechtenstein, na qual o grão-duque tem todo o poder. Foi até o povo do país quem votou para que assim fosse.
Se as coisas vierem a correr mal na Catalunha
"Correr mal" tem duas interpretações.
Se isso quer dizer violência, então, não tema o Francisco, que os catalães não estão, de forma nenhuma, para aí virados.
Se quer dizer outra coisa mais suave, então, as coisas já hoje estão a correr bastante mal.
O que é chocante é que os políticos espanhóis todos não parecem ter qualquer vontade de fazê-las correr melhor. Em vez de estarem a preparar o povo para a necessidade de alterar a Constituição, estão a adiar os problemas. A empurrar com a barriga.
" ... deixando-se acantonar num dos lados da barricada, não percebendo que não é esse o seu papel...."
Sim, anacrónica posição a de Filipe VI. Terá sido mal servido pelos seus tutores e conselheiros?. Imaturidade?. Irá ainda a tempo de se salvar?.
O Canada, parlametarismo federal democrático, mantém como Monarca a Raínha Elizabeth II. Filipe VI bem que podia ter estudado a sua ex-eterna rival.JS
JS
Se a Espanha fosse inteligente, mudava a sua Constituição por modo a torná-la um Estado (con)federal, com Felipe como rei mas com amplos poderes para os Estados (con)federados (por exemplo, o direito a usarem língua própria). Nestas condições, a prazo, inevitavelmente, Portugal aderiria à (con)federação, pelo que Felipe passaria a ter mais 10 milhões de súbditos. Ou seja, se Felipe fosse inteligente, apoiaria para a Catalunha uma solução muito diferente da defendida pelos nacionalistas espanhóis.
O rei dos Castelhanos foi pedir a protecção da UE, e avivar-lhes a memória que sem a Catalunha no seu reino os resultados económicos não serão tão bons como os actuais. A Espanha, disse ele, é o segundo destino turístico no mundo depois dos EUA. E sem a Catalunha, o que seria? O que significa: sobretudo, não acordem nenhuma confiança aos Catalães e atenção ao Puidgemont !
Um reizinho de opereta, monarca de direito divino, filho daquele que foi feito rei pelo chefe fascista que lançou a Espanha na guerra civil, e manteve sob o jugo os Espanhóis durante quarenta anos.
Neste país de mágica “transição” e de “exemplar” constituição de 78, escrita pelos mesmos e controlada pelos tanques igualmente franquistas, nunca se passa nada de anormal… é tudo politicamente correcto e conforme à legislação mais pura, igualmente franquista.
Destroços dum tempo acabado, fazem-se passar por seres especiais, e continuam a reinar pela estupidez idólatra dos homens. E quando um dia forem para a eternidade do El Escurial, terão passado uma vida a viver à custa do trabalho do povo.
Luís Lavoura misturou dois mundos quando escreve sobre o Liechtenstein .
O Príncipe Maximilien , mais conhecido como o príncipe Max, tem um titulo sóbrio : Príncipe Hereditário do Liechtenstein e indica uma profissão: Homem de Negócios, no seu cartão de visita.
O rei de Espanha tem um titulo : por la gracia de Dios, Rey de Castilla, de León ...e o resto leva mais 15 minutos a escrever …
O pai, que teve um papel indiscutivelmente importante no período da transição, agora faz vela, como sempre gostou e acaba de ganhar, com a sua equipa, o campeonato do mundo de vela, na categoria dos 6 metros. Com 80 anos e depois de oito operações à anca...
O «velhote», apesar das tontices, em que subestimou os media de hoje (mulherengo sempre foi, desde a muito tenra juventude, mas nesses tempos, mais fotógrafo, menos fotógrafo, ia andando, com mais encenação familiar ou menos; hoje não é assim) ficará sempre na História de Espanha.
Em relação ao problema Governo/Catalunha, o jovem rei deu-nos de facto uma triste imagem e não evidenciou ser capaz de enfrentar problemas mais complicados. Ninguém se revê nos seus discursos. Nem sei se o próprio PP não preferiria ouro sentido de Estado... É o que têm os nossos vizinhos... Até quando regime monárquico por lá?
Eles legitimidade dinástica terão a democrática é que será mais controverso. O Juan Carlos teve azar nos genros e a imprudência de ir caçar alemãs com um elefante, mas foi um Chefe de Estado da Espanha. Este jovem Rei fez um discurso sobre a Catalunha ao nível de cabo de esquadra, como dizes.
Fernando
Ó Luís Lavoura, essa da confederação ibérica (ainda por cima com um rei!)... Apetece dizer que você, Lavoura, não percebe da poda. Ou, então, que faz comentários de nabo.
É que, à força de tanto mandarem esses bitaites estúpidos, ainda conseguem, mesmo, convencer os estúpidos de que isso faz algum sentido.
"filho daquele que foi feito rei pelo chefe fascista que lançou a Espanha na guerra civil"
Não é só filho desse, é também filho daquele que teve um papel corajoso e decisivo na democritazação da Espanha. Bem sei que para certas pessoas democracia pouco significa, a não ser que seja a "democracia" popular...
É curioso verificar como se contesta, e bem, o direito dinástico e ao mesmíssimo tempo se passa a apontar a alguém o crime de ser filho daquele que...
Para um não-politizado como eu custa a ler textos, de um republicano de gema dos de 1910, sobre a utilidade de haver como Chefe de Estado, um Rei dinástico.
É uma coisa óbvia: Para o nosso escriba nunca poderia haver interesse em se ter um Rei.
E os infortunados que os têem deviam destroná-lo sem dizerem porquê com terrorismo e revoluções, clamando ainda pela carbonária.
Isto é como se eu, um não-politizado começasse a dar bitaites sobre as condições políticas em que alguma Europa vive. Ao reconhecer-me como não-politizado tudo o que eu escrevesse era por isso desacreditado.
No fim a Catalunha fará parte da Espanha e da Europa federada e globalizada e o rei terá, num momento de crise, interpretado o sentir de toda a Espanha, com excepção da pequena Catalunha, como lhe terá sido dito pelo governo que ele sim é o responsável Pala definição da política espanhola. Ou não é a Espanha uma monarquia constitucional?
João Vieira
O Senhor “msampayo” tem razão, quando escreve : « Bem sei que para certas pessoas democracia pouco significa…”
Pois é exactamente o caso da monarquia espanhola actual. Nunca foi eleita pelo povo espanhol. Foi imposta pela força das armas, por um ditador, que derrubou a única democracia existente em Espanha, quando organizou o golpe de estado fascista de 1936.
A verdadeira transição “corajosa” teria sido de convocar eleições livres após a morte de Franco, em 1975, e de retomar o ritmo das instituições democráticas, lá onde o golpe de estado o interrompeu.
O Liechenstein é um caso muito bicudo mesmo.
Aqui há uns anos a população quiz-se ver livre do chefe daquele Estado.
Chegou-se à conclusão que não era possivel.... porque a terra daquele país pertence ao Principe do mesmo nome, em propriedade. Assim se o não qisesem tinham de sair da sua propriedade e ir para outras bandas.
Mas se fizessem uma reforma agrária e ocupasssem a terra já não sei....Claro que a agitação da mesma reforma agrária e revoluções iriam afastar o que faz a riqueza daquele país.
Foi desta forma que se desistiu de por lá outra pessoa.
@ msampayo
Paece-me que se esqueceu que na URSS era-se ainda fuzilado por se ser herdeiro de sangue consporcado de burguês.
Na altura da guerra civil os funcionários do regime imperial eram raptados e serviam o exército vermelho como prisioneiros de guerra mas a trabalhar com as profissões que tinham antes, uma espécie de escravidão.
Tenho dúvidas que Felipe VI pudesse ter tido outro tipo de discurso. Afinal, o seu único papel é o de representante da unidade de Espanha e defensor dos direitos consagrados na Constituição.
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