terça-feira, setembro 30, 2014

Brasil

Qual dos candidatos às eleições presidenciais brasileiras poderá, à partida, ser mais favorável aos interesses que a Portugal compete defender nas suas relações com aquele país? A recondução de Dilma Roussef será preferível à hipótese de eleição de Marina Silva ou à escolha, agora cada vez mais improvável, de Aécio Neves? Este exercício é apenas teórico, porquanto o bom senso recomenda que não nos imiscuamos numa compita que, sendo profundamente democrática, terá como resultante final a vontade  de um país que, em qualquer circunstância, permanecerá no quadro da nossa atenção próxima.
 
Mas nem sempre foi assim. Durante muitos anos, a vida política interna brasileira, podendo ocupar o interesse de alguns, estava longe de constituir, entre nós, um motivo para a mobilização de opiniões. A razão por que isso mudou é interessante de ser observada.
 
Data de há cerca de duas décadas o início de um novo ciclo de intensificação das relações entre Portugal e o Brasil. No plano económico, radica na presença de capitais portugueses no processo brasileiro de privatizações. A partir daí, verifica-se também uma crescente retoma dos fluxos comerciais bilaterais. No mesmo sentido, uma "moda" brasileira instalou-se, por algum tempo, nos hábitos turísticos portugueses.
 
Depois, foram as pessoas. Portugal encheu-se de um Brasil indiferenciado, em busca de trabalho, que nos trouxe um país que as imagens das novelas nos tinha levado a pensar que conhecíamos. Uma efémera afloração de riqueza encheu entretanto de portugueses o Nordeste brasileiro, com outros a acreditarem que pelo Brasil podiam encontrar o "ouro" nos negócios fáceis. Nessas aventuras de um lado e de outro, houve coisas que correram bem, outras nem por isso. Passámos a entender melhor as nossas qualidades e os nossos defeitos mútuos. Caímos "na real", como se diz no Brasil.
 
Na política, muito dependeu sempre do modo como os dirigentes de ambos os lados se articularam. Historicamente, havia sido nos conservadores brasileiros que Portugal podia contar com os seus maiores amigos. Mas iria ser Lula da Silva, homem oriundo de outro setor, a revelar-se o nosso mais sólido apoio e a concretizar gestos de grande afetividade por nós. Daí decorreu, por exemplo, um impulso importante para o interesse empresarial brasileiro por Portugal ou um estímulo à ação da TAP, que hoje nos enche o país de turistas a falar a língua do gerúndio.
 
Mas, não nos iludamos, há muitos problemas que subsistem. Com África de permeio e a Europa em fundo, demos já passos interessantes para um melhor trabalho em conjunto, nomeadamente em torno da língua que nos junta. Mas a CPLP titubeia pela dificuldade de acomodar o gigantismo brasileiro numa estrutura luso-centrada.

Por tudo isso, não nos é indiferente quem venha a titular a voz do Brasil nos próximos tempos. Temos um candidato? Claro que sim. O nosso candidato é aquele que confira mais estabilidade, que lhe induza maior crescimento e bem-estar e que seja capaz de garantir um reforço do estatuto internacional do país. Esse é o candidato que nos interessa. Deixamos que sejam os brasileiros a escolhê-lo.

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

2 comentários:

patricio branco disse...

através da importação e transmissão de telenovelas brasileiras, desde 1976, houve grande uma aproximação cultural e linguística entre os 2 países. o brasil, através dessa arte, entrava todos os dias nas casas portuguesas. depois, foram outros programas, jô soares, programas de humor, presença de cantores brasileiros nos palcos portugueses cada vez mais frequentes, etc. podemos inclusivamente dizer que o inicio da produção de telenovela portuguesa nos anos 80 foi consequência de exibirmos as brasileiras.
bem, isto até seria matéria para uma tese universitária, a penetração e influencia do brasil em portugal via televisão.
a ideia que tenho, mais intuitiva que proveniente de conhecimentos, é a de que portugal não tem demasiada importância para o brasil, fruto talvez da nossa pequenez e pouco peso. e a lingua comum e a história não chegam.
qualquer que seja o eleito, a situação será a mesma, nenhum deles tem particular programa para portugal.
tambem essa história que corria há uns 15 anos de que portugal poderia ser uma ponte para o brasil penetrar em africa foi desfeita pelos brasileiros, henrique cardoso, que disse sem papas na lingua que eles não precisavam dos nossos bons oficios.
na nossa politica externa talvez dediquemos 1 capítulo do programa de governo ao desenvolvimento das relações com brasil, desconfio que um programa de governo brasileiro dedique um capítulo ou mesmo uma pg especiais a portugal.
mas posso enganar me, não conheço a fundo a problemática, é apenas uma suposição.
e as relações são uma construção a 2, somos nós que temos de dar tambem passos concretos, realistas, uteis, com mais valias, p.ex, convidando rapidamente o novo presidente ou mne brasileiros a vir a portugal em visita.
o novo rei de espanha programou como primeiras e imediatas visitas ao estrangeiro 4 ou 5 países, entre os quais portugal. será que o novo pr do brasil fará o mesmo?

Joaquim Moura disse...

O comentário do Patrício Branco é, sem ofensa, muito ingénuo e revelador de alguma ignorância sobre a realidade política brasileira.
Não tenhamos ilusões, Portugal tendo (apesar das anedotas) uma imagem positiva no Brasil não conta para a política externa do Brasil. Lula foi uma excepção e teve mais que ver com as relações de amizade do que com o empenho do pessoal do Itamaraty.
Se queremos desenvolver as relações com o Brasil, acabe-se com o martírio da burocracia para obter vistos e dos problemas com reconhecimento recíproco das habilitações académicas, em primeiro lugar. Em segundo lugar, é preciso convencer a Dilma (porque é ela que vai ganhar) a retomar o programa de bolsas apoiadas para os estudantes brasileiros nas universidades portuguesas. Em terceiro lugar, capitalize-se a TAP -mantendo o controle público da companhia - aumente-se a frota rapidamente e aumente-se o numero de voos semanais, de e para o Brasil, dos actuais 70 para 100 ou mais. Há procura que não está a ser atendida por falta de aviões e porque não se aposta mais no aeroporto do Porto como hub para São Paulo, Rio e Brasília.
Se isto for feito, será feito muito mais que nos últimos 4 anos e vão ver que os números dos turistas e trocas comerciais vão crescer significativamente.
PS: podia acrescentar as taxas aduaneiras para os vinhos e azeite português, mas acho que aí não temos hipóteses de mudar as coisas.

Agostinho Jardim Gonçalves

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