segunda-feira, setembro 01, 2014

Coisas da idade

O rapazelho que estava ao meu lado no balcão do bar daquele café de praia olhou para mim, afastando mesmo a cabeça para ganhar perspetiva, quando eu pedi um "Gordon's". A empregada mirou-me como se eu viesse de Marte e repetiu, quase atónita: "Gordon's?' Quer um Gordon's?!"

Pedir um gin, por via da moda em que a bebida entrou, transformou-se, nos últimos anos, numa operação de alta sabedoria e requinte, com uma multiplicidade de marcas, cheias ou não de sabores, mais ou menos exóticos. Há casas dedicadas exclusivamente a essa bebida que, segundo a lenda, conservou na vida muita e distinta gente, até muito tarde, desde logo a sua mais famosa consumidora diária, a raínha-mãe inglesa. Em determinadas condições de estado de espírito e temperatura, sou um consumidor episódico dessa bela bebida de fim da tarde, mas gosto de sentir o álcool, não quero o "gin & tonic" excessivamente diluído em águas mais ou menos adocicadas, com "especiarias" a armar ao moderno. E gosto de "Gordon's", pronto! Embora reconheça que um "Bombay", um "Hendrick's", um "Tanqueray" ou o americano "Leopold's" são excelente gins - e, repito, estou muito longe de ser especialista na matéria. Se quiserem falar de "whiskies" ou "vodkas" (também dos sem "cheirinhos") já é outra história...

A miúda do bar, perplexa mas complacente, lá descortinou uma garrafa de "Gordon's" escondida na miríade de marcas que enchiam as prateleiras. Deduzi que o último consumidor do que eu pedia deveria ser do tempo do "arroz de quinze". 

Sem espanto, vejo-a ir buscar um daqueles copos redondos, tipo bola de andebol, e preparar-se para o atulhar de gelo, e nele colocar uma gotas do meu "Gordon's", sob um mar de água tónica, como agora aprendem a fazer estilosamente, no sonho para imitarem o Tom Cruise no "Cocktail". Não resisti à provocação: "Não, não! O "Gordon's" não se serve nesses copos. Quero um copo alto". A jovem aceitou, com alguma relutância, os meus cabelos brancos como argumento de autoridade, mas continuava a não esconder a sua perplexidade. De certa forma, partilhava, pelo curto olhar trocado, uma surda cumplicidade etária com o puto ao meu lado no balcão, que continuava a sorrir de soslaio.

Como a medida do gin no copo alto lhe era menos familar, a miúda esperou que eu lhe dissesse quando deveria parar de encher. Propositadamente, deixei-a "subir" o líquido no copo, de forma exagerada. Quando lhe disse o "assim!", já esgaseada pela escassez do espaço que sobrava para duas pequenas pedras de gelo e um pouco de água tónica, concluí: "Sabe? O "Gordon's" é um gin especial. Serve-se sempre assim, em doses para homem..." Não dei a confiança ao puto de ver a cara que terá feito.

15 comentários:

Anónimo disse...

Grande Post. Pior que o gin em copos estranhos só o whiske (uisque) em balão, com gelo. Se o balão foi feito para aquecer a bebida com a mão, para quê o gelo?

patricio branco disse...

ficou forte, então.
excelente bebida, creio que a qualidade das 5 ou 6 marcas inglesas conhecidas se equivale, tambem não sou especialista.
excelente bebida com a tónica e o limãozinho ou lima e gelo, refrescante, aromatica, desalterante.beber com palhinha, há quem faça, não,não dá.
o gin tambem se bebe bem seco, assim como uma aguardente ou uma grappa, é suave e aromatico, é pedir da proxima vez à empregada barman. sem gelo, pode ser.
as bagas de gin encontram se por aí no campo, arbustos, dão o gosto aroma caracteristicos.
e parece que a agua tonica é saudavel devido à quinina...
saúde...

Anónimo disse...

O Gordon's é a bitola do Gin. 1/4 de Gin (um pouco mais em alturas de festa) e 3/4 de Tónica, com duas cascas de limão e três pedras de gelo num copo alto largo. Não é preciso mais nada. Para quem estiver de dieta, há lá fora uma Tónica Zero da Schweppes que é excelente.

Lamas disse...

Muito bom.
Revi-me na sua mensagem porque já passei por isso mesmo algumas vezes.

Anónimo disse...

Aqui em Baku ando no vodka puro, bem geladinho, a engolir o copo inteiro e a gritar "nazdrovie". O pior e aquela malta lá em Mariupol... Mas fica longe! Assim como fica muito longe de nos! Bebamos, pois, e não nos preocupemos...

a) Feliciano da Mata, intelligence, em missão secreta no Azerbaidjao

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Feliciano: nessa toponímia irónica onde você passa a noites, imagino que parta depois para o Usebequistão, cujo nome da capital já o ouvi impudicamente perguntar, por mais de uma vez, a umas senhoras com ar de poderem ser suas amigas.

Anónimo disse...

Na mouche Senhor Embaixador. O Gin deixou de ser uma bebida, passou a ser uma experiência. Da mesma maneira, já não se abrem restaurantes, criam-se conceitos. Venham a boa comida e as medidas de Gin assassinas, à homem. Estou longe de ter a idade e experiência do Senhor Embaixador, pelo que desminto desde já a tese do conflito etário!

José Couto Nogueira disse...

Já que nesta página se cultiva a História, aqui vai:
Os ingleses na Índia precisavam de tomar quinino para as febres (estamos no século XIX) e como o produto era amargo, inventaram a "indian tonic", ou seja, água com quinino e gás. O gin e o limão vieram por necessidade... estética!
A primeira água tónica comercial é da década de 1870 - Schweppes, pois claro.

miguel disse...

Adorei o post, pois no outro dia pedi um hendricks só com pepino, foi ver o barman muito afoito a perguntar se tinha a certeza..........ao que tive de reforçar o pedido pelo menos 4x.

Anónimo disse...

São uns queridos ... mas que belo postezinho!!!

Anónimo disse...

Interessante Post. Mas, vá lá explicar isso ao pessoal do restaurante Moules and Gin, em Cascais, de como deve ser servido o Gin! Eles servem-no de variadíssimas formas e bem apresentadas. Seja como for. A verdade é que o dito restaurante serve umas Moules magníficas (sei do que falo, pois conheço bem as de Bruxelas), com as tais batatinhas fritas e para quem quiser continuar tem uma carne excelente, também. E o Gin é a par das Moules o outro aspecto que atrai ali a clientela. Por mim, no entanto, quando lá vou, opto pelo vinho. E tem um serviço impecável! Entre Gin e Vodka não hesito, prefiro o primeiro, mas, sinceramente, só raramente bebo tal. Nada como um bom vinho.

Anónimo disse...

O "gin and tonic" no meu tempo era uam bebida tomada antes do almoço nos dias de verão. Um pouco como o frac que se usava apenas de manhã. A moda faz com que essas regras se mudem e.... agora é fartar vilanagem pois o que importa já não é o sabor mas sim os efeitos.

zpf disse...

Caro Embaixador,

Não sendo um grande entusiasta de gin (certamente por questões afectivas ainda não me "libertei" do rum - mas "Havana Club 7 años" apenas e sempre! - não resisto a deixar de recomendar-lhe o "G vine". Ao que me dizem não pode intitular-se "gin" porque é francês e os "bifes" não permitem desses "sacrilégios". Mas vale a pena, mesmo apesar de ser um modismo. E de ser francês, é claro...
Abraço,
ZPF

Helena Sacadura Cabral disse...

Estou com o comentadorZPF.
Quem sabe, sabe!

Anónimo disse...

Sr. Embaixador, um "post" com muito charme.:)
VW

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